O arqueólogo israelense Israel Finkelstein, professor de Arqueologia de Israel na Idade do Bronze e Idade do Ferro na Universidade de Tel Aviv, concedeu uma entrevista à Biblical Archaeology Review (mai/jun 2010). O título original da matéria é: The Devil Is Not So Black as He Is Painted. A reprodução da entrevista é parcial. A tradução foi feita pelo Numinosum.
Na entrevista, o editor Hershel Shanks, lhe pergunta sobre a historicidade do Êxodo (citando a Estela de Merneptah como evidência arqueológica da presença israelita na Palestina):
“A Estela Merneptah é realmente uma prova de que houve um grupo de pessoas chamado Israel no final do século 13 a.C. Não há como discutir sobre isso. [...] mas o que dizer sobre o Êxodo? Ou a ascensão de Israel em Canaã? Ou o tamanho e a localização desse grupo de pessoas?”.
Sobre o processo de formação do Antigo Testamento, Finkelstein explica que:
“...este é um processo longo. A arqueologia é estratificada e a história também é estratificada [...] No fundo, houve um movimento de pessoas dentro e fora do Egito no final da Idade do Bronze e da Idade do Ferro, e uma memória foi desenvolvida sobre um possível evento antigo, e depois essa memória ganhou importância e foi transmitida oralmente por várias gerações até que finalmente se tornou a história do Êxodo por escrito. Não estou dizendo que não há qualquer germe histórico nela. Você nunca vai me ver dizer isso. Mas eu não vejo isso como totalmente histórico também”.
Ele continua:
“Não há nenhuma evidência de um movimento de grandes grupos de pessoas. Não há possibilidade, no fundo da dominação egípcia de Canaã no século 13 a.C., de pessoas marchando para a terra, e assim por diante. A maioria dos israelitas vieram dos cananeus locais do segundo milênio a.C. Por um lado a história do Êxodo na Bíblia retrata realidades eternas, e por outro as realidades específicas da Idade do Ferro. É possível que haja algum tipo de memória por trás da história. Pronto, esta é a minha resposta”.
A falta de evidências arqueológicas que comprovem a permanência de um grande grupo de pessoas em Cades-Barnéia, por exemplo, é destacada pelo arqueólogo:
“Por exemplo, Etzion Geber, Cades-Barnéia, lugares que são mencionadas especificamente, que são fundamentais para a história da peregrinação no deserto e que não foram habitadas no Bronze Tardio”.
Já no final da entrevista, Hershel Shanks lhe pergunta sobre as escavações de Eilat Mazar, que parecem ter desenterrado o palácio do rei Davi, construído no século X a.C.:
"Eu acho que suas escavações são importantes. Eles nos fornecem informações importantes sobre Jerusalém na Idade do Ferro. Mas não vejo qualquer ligação entre as escavações e o palácio do rei Davi. Eilat Mazar lê o texto bíblico literalmente. A Bíblia diz que Davi "desceu", e David "subiu", e David foi "para a esquerda", e David foi "para direita" e assim por diante. Eu não acho que se deva fazer isso. Há muitas camadas no texto bíblico. Não é um guia para a topografia de Jerusalém. Em minha opinião, ter a Bíblia como um guia para a topografia de Jerusalém no século X a.C. diminui o texto da Bíblia. Este é o tipo de arqueologia bíblica que não pode mais ser feito".
Estas críticas vindo do Sr. Finkelstein não são novidades.
ResponderExcluirFinkelstein analisa evidências sem se deixar levar pelo que diz a religião. Isso é o que fazer um arqueólogo sério.
ResponderExcluirMas suas afirmações não são dogmáticas. Ele mesmo admite que o tempo poderá desmenti-lo. Essa também é uma postura de um profissional sério.
Jones,tenho acompanho o trabalho de Finkelstein e não me recordo dele admitir antes, que o tempo poderia desmenti-lo.
ResponderExcluirNão entendi sua colocação. Você acha que ele se mostra inflexível em relação a alguns pontos sobre a história de Israel, como, por exemplo, a existência de um reino unificado sob o governo de Davi?
ResponderExcluirJones,leia as entrevistas de Israel finkelstein e você entenderá a minha colocação.
ResponderExcluirSó agora percebi que você fez referência ao meu comentário anterior e não ao corpo da entrevista. Por isso eu não havia compreendido seu questionamento.
ResponderExcluirQuando eu disse que Israel Finkelstein não faz afirmações dogmáticas e está disposto a rever suas teorias apenas quis mostrar que o seu trabalho se baseia em evidências. Suas teorias não são verdades inquestionáveis (como dogmas religiosos), mas suposições baseadas em evidências arqueológicas. Amanhã novas evidências podem surgir e ele se verá obrigado a aceitá-las, mesmo que apontem para um caminho diferente. Este é o trabalho de um cientista. Veja o que ele diz, por exemplo, sobre a historicidade do rei Davi e Salomão:
“Não há razões para duvidarmos da historicidade de Davi e Salomão. Há, sim, muitos motivos para questionarmos (grifo nosso) as dimensões e o esplendor de seus reinos. Mas, e se não existiu um grande império, nem monumentos, nem uma magnífica capital, qual era a natureza do reino de Davi?”[1].
Questionar não é o mesmo que negar. Seu trabalho tem sido essencialmente este: pôr em xeque antigas visões arqueológicas sobre as origens de Israel com base em novas evidências arqueológicas.
Do outro lado temos uma arqueóloga comprometida com o judaísmo: Eilat Mazar (neta do professor da Universidade Hebraica Benjamin Mazar). Seu trabalho merece respeito, mas ela parte do princípio de que os relatos bíblicos são históricos. Isso compromete seriamente a credibilidade dos seus trabalhos.
Numa entrevista concedida à BAR (Biblical Archaeology Review) ela diz: “Pode haver pouca dúvida de que o rei Davi tinha um palácio. A Bíblia nos diz que...”.
Ora, Mazar inverteu a ordem das coisas. Ao invés de dizer: “as evidências dizem que...”, ela diz “A Bíblia nos diz que...”.
Leia a entrevista completa aqui:
http://www.bib-arch.org/e-features/king-davids-palace.asp#location1
Na minha opinião Finkelstein busca reconstruir o passado, seja ele agradável ou não para aqueles que enxergam a Bíblia como um livro 100% histórico. Mazar, ao contrário, busca provar os fundamentos de suas crenças.
Nota:
[1] FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia Não Tinha Razão, São Paulo: A Girafa, 2003, p. 142.
P.S. Não gosto do sarcástico título em português: “A Bíblia não tinha razão”. O título original condiz mais com a proposta dos autores: “A Bíblia desenterrada: uma nova visão arqueológica do Antigo Israel e da origem de seus textos sagrados”.
Os dogmas religiosos não são incontestáveis, desde que a arqueologia comprove as evidências de forma concreta; sólida, impermeável e estável, como é a verdade.
ResponderExcluirConcordo plenamente Anônimo. Ainda não há provas conclusivas sobre o assunto. O mais sensato é aguardar.
ResponderExcluirMesmo que a arqueologia consiga provar que o império davídico não era exatamente o que a maioria dos cristãos espera, minha fé não será abalada.
Certamente, até porque,Jesus ao responder a Pilatos em Jo 18,36,afirma que seu reino não é deste mundo, é muito maior. Nem se quer é por direito hereditário,como descendente de Davi( do qual João não fala).Assim sendo, essa briga não deve ser cristã,pois a realeza de Jesus vem de mais alto (3,13), seus súditos são os que estão do lado da verdade.Quem não está a favor está contra: não vale a neutralidade.Jesus iniciou um julgamento de separação.
ResponderExcluirAnônimo,
ResponderExcluirA "briga" realmente não é cristã. De uma lado temos uma arqueóloga comprometida com o judaísmo (e, talvez, com a política israelense)e do outro um arqueólogo comprometido com os métodos científicos.
De qualquer forma, as conclusões dos trabalhos de Mazar e Finkelstein certamente vão refletir na estrutura do discurso religioso (queiramos ou não).
acho pouco provável que Deus escolheria um povo em especial, isso seria racismo, e racismo com poder é uma combinação muito perigosa(seja judaica, musulmana, nazista ou quaquer outra) esse livro é realmente muito signifícativo e em nada muda a filosofia de jesus,(que pessoalmente acho perfeita e sobrenatural- não humana), mas mostra indícios sobre o que realmente possa ter ocorrido no passado da nossa humanidade.
ResponderExcluirMantenho a minha espiritualidade com essa magnífica leitura, até com mais base. recomendo muito esse livro.
Adélcio,
ResponderExcluirTambém não simpatizo com a idéia de um "povo escolhido". A menos que essa escolha seja para levar adiante algo que possa ser usufruído por todos, como explícito no chamado de Abraão: "em ti serão benditas todas as famílias da terra" (kol mishpehot ha'adamah - Gn 12,3).