sábado, 26 de outubro de 2013

YHWH, YEHOWAH, JEOVÁ, YEHWIH, YAHWEH E JAVÉ: PICUINHAS SOBRE O NOME DIVINO II

Na Bíblia hebraica as consoantes YHWH aparecem ora com as vogais de adonai (Yehowah ou Yehwah - mais comuns), ora com as vogais de Elohim (Yehowih - menos comum, cf. Gn 15,2, Jz 16,28). Note que no caso de Yehowah há uma troca do "a" pelo "e" explicável por uma regra do hebraico que não vem ao caso agora. O uso das vogais de adonai e elohim visavam impedir que o leitor pronunciasse o nome divino. 

A escolha de Jeová como pronúncia do nome divino, presente em antigas versões da Bíblia e na Tradução do Novo Mundo (Testemunhas de Jeová), baseia-se na transliteração “Yehowah” sem levar em conta a mudança proposital das vogais pelos massoretas (estudiosos judeus que inseriram os sinais vocálicos a partir do V século d.C.). A troca do “Y” pelo “J” possui uma explicação simples. O “yod”, primeira consoante do nome divino tem um som que se aproxima tanto do “J” como do “Y”. No alemão, idioma que não contempla o “J”, a consoante escolhida como equivalente ao “yod” foi o “Y”. Nos idiomas latinos a consoante que mais se aproxima do som do “yod” é o “J”. Daí Jeová (e não Yehowah). Daí Joshua (e não Yeshua).

Há quem pense (como os exegetas da Bíblia de Jerusalém) que a pronúncia correta do nome divino seja Yahweh (outras Bíblias católicas preferem simplesmente Javé, mais adequado ao nosso idioma). Trabalhos acadêmicos sobre a Bíblia hebraica e a religião dos antigos israelitas geralmente adotam essas duas formas. Alguns nomes bíblicos - chamados teofóricos - como (Jeremias - Yermeyah) apresentam um “yah” no final, referência ao deus adorado pelos israelitas. O mesmo ocorre com aleluia (haleluyah = louvemos a yah). Tais indícios, somados a outros parecem sugerir ser esta a pronúncia correta, mas a verdade é que não há certeza. 

Muitos judeus e cristãos messiânicos escandalizam-se quando alguém tenta pronunciar o nome divino (alguns ficam bastante irritados). Como sinal de reverência, sempre que o tetragrama aparece, lêem “adonai” (Senhor). Ouça o capítulo 7 do livro do Gênesis em hebraico e perceba que logo no início do áudio surge a palavra “adonai” (em substituição a “Yehwah”, tal como aparece no texto). O que você vai ouvir é mais ou menos o seguinte: “vaiômer adonai lenôar bô atá verrol beterrá el ratevá (“Disse YHWH a Noé: vai tu e toda a tua casa para a arca”).

Fora da Bíblia hebraica o tetragrama YHWH aparece em algumas inscrições encontradas na Península do Sinai (Kuntillet Adjrud - séc. IX), na estela do rei Mesha de Moabe (conhecida como estela moabita, também do século IX) e no túmulo Hirbet el Qom (século VIII). Muito se discute atualmente a respeito de sua origem e adoção pelos hebreus.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

YHWH, ADONAI, ZEUS, DEUS E D’US: PICUINHAS SOBRE O NOME DIVINO

Alguém em sala de aula (acho que foi o Roberto) perguntou-me a respeito do motivo que levou os judeus e messiânicos a escreverem o nome de Deus substituindo o “e” por um apóstrofo: “D’us”. Minha resposta ao aluno curioso: “não tenho a mínima ideia”. Fui investigar.

A explicação mais comum, exposta em sites judaicos e messiânicos, é que a mudança tem como objetivo evitar a pronúncia do nome divino, tal como ordena o segundo mandamento. Será?

No hebraico o nome divino sem sinais vocálicos é YHWH (tetragrama sagrado). Com sinais vocálicos (inseridos a partir do século V d.C.) a palavra pode ser transliterada da seguinte forma: YeHWaH. Para não pronunciar o nome sagrado durante a leitura os judeus substituíam YeHWaH por Adonai (Senhor). Em suma: onde estava escrito YeHWaH, passaram a ler “Adonai”. Assim é feito até hoje.

Agora pense comigo: se a palavra latina “Deus” já consiste numa substituição do tetragrama sagrado (nas nossas Bíblias escolheram “Senhor”), por que cargas d’água seria preciso fazer nova modificação? Trocar “Deus” por “D’us” seria como trocar “Adonai” por “Ad’nai”. Abandonei os sites e fui para os livros em busca de uma resposta que fizesse mais sentido.

Rubén Luis Najmanovich, em seu livro “Maimônides” (Zahar, 2006, p. 17) explica que a grafia “D’us” foi criada pelo sábio judeu que dá nome ao seu livro (também conhecido como Rambam, séc XII d.C.). Ele teria evitado “Deus” porque a palavra é derivada de “Zeus”, divindade adorada pelos gregos na antiguidade. A solução encontrada: “D’us”. Faz mais sentido. Mas será verdade?

Bem, se Maimônides tivesse escrito em latim a explicação seria perfeita. Isso porque tanto em latim como em português a grafia é a mesma: “Deus”. Mas há um problema com essa explicação. Até onde sei Maimônides escreveu em árabe (como seu famoso “Guia dos perplexos”). Só mais tarde suas obras foram traduzidas para o hebraico, grego e o latim.

Fiz uma busca no Google na esperança de encontrar algum site mantido pelo autor do livro ou qualquer outro canal de comunicação que me permitisse perguntar a respeito da fonte que deu origem a essa explicação. Não obtive sucesso. Consultei outros livros sobre Maimônides (até em outros idiomas). Nada!

Ao que parece o uso da forma “D’us” não faz lá muito sentido mesmo. 


Jones F. Mendonça


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

APARIÇÃO DO JESUS RESSURRETO EM LUCAS: ENTRE PÃES E PEIXES

Mulheres no túmulo, de
Benozzo Gazzoli (1440-41)
Tenho me debruçado sobre os relatos da aparição do Jesus ressurreto nos Evangelhos, outros livros do Novo Testamento (Atos e 1 Coríntios) e no Evangelho de Pedro. Quem faz uma leitura vertical dos Evangelhos percebe harmonia entre os relatos. Quem faz uma leitura horizontal percebe desarmonia. Não tenho a pretensão de fazer um trabalho exegético, mas irei postando aos poucos minhas impressões a respeito do tema.

Quero começar com o Evangelho de Lucas. Nele Jesus aparece primeiro a dois homens que caminham em direção a Emaús e não às mulheres, como nos evangelhos de Mateus (mulheres; 28,8-9), João (Maria Madalena; 20,14) e Marcos (Maria Madalena; 16,9).

Outra diferença é que as aparições ocorrem em Jerusalém e seus arredores e não na Galileia, como Mateus (28,16-17), Marcos (16,7) e João, que parece unir as duas tradições (Jo 20 – Jerusalém; Jo 21 – Galileia). Segue um resumo do relato em ordem cronológica (primeiro bloco: túmulo vazio; segundo bloco: aparição): 
O túmulo vazio: mulheres > Pedro
1. No primeiro dia da sema na algumas mulheres vão ao sepulcro e não encontram o corpo de Jesus (Lc 24,1-3). Dois “varões resplandecentes” dizem às mulheres que Jesus ressurgiu (Lc 24,6);

2. As mulheres retornam do sepulcro e dão a notícia do túmulo vazio “aos onze” [Judas não está mais entre eles] e a “todos os demais” (24,9). Todos pensam que as mulheres estão delirando e não lhes dão crédito (24,11). Pedro, no entanto, corre ao sepulcro e também encontra o túmulo vazio (24, 12);

Aparição: dois homens > Pedro> os Onze e os demais
3. Jesus aparece a dois dos homens que seguem para a aldeia de Emaús discutindo os últimos acontecimentos (24,13). Eles só se dão conta de que se trata de Jesus no momento em que se sentam juntos à mesa e repartem o pão (24,30). Jesus desaparece.

4. Os dois voltam a Jerusalém e encontram “os onze e os que estavam com eles“. Esse grupo diz aos dois que Pedro também havia visto Jesus (24,33-34). Uma nova aparição ocorre enquanto os dois anunciam que haviam visto Jesus. O grupo pensa estar diante de “algum espírito” (24,36). Jesus come com eles e relembra suas antigas palavras a respeito de sua ressurreição. O entendimento de todos se abre. Jesus os abençoa e é elevado aos céus (24,43-45); 
Percebem o túmulo vazio: “algumas mulheres” e Pedro.
Ordem das aparições: “dois homens”, Pedro, “os onze” e “os que estavam com eles”.
Local das aparições: Caminho de Emaús e Jerusalém (não se fala em Galileia, como em Mt, Mc e Jo).

Esquema do contato com o Jesus ressurreto: aparição > dúvida > lembrança das antigas palavras de Jesus > refeição comunitária > abertura do entendimento > desaparecimento de Jesus.

Fato curioso: tanto os “dois homens” como “os onze” e os “demais” só reconhecem Jesus após comerem com ele: dois homens/pão (24,30-31); os “onze” e os “demais”/peixe (24,43-45).  Coincidência?


Jones F. Mendonça

domingo, 13 de outubro de 2013

DITADORES

Os EUA invadiram o Iraque e depuseram Sadam Hussein. Bagdá segue com a capital que mais sofre com atentados terroristas.

A OTAN (liderada pelos EUA) derrubou Kadafi. Atualmente a Líbia é uma terra caótica comandada por milícias, muitas delas ligadas à Al-Qaeda.

Tio Sam lutando contra os malvados ditadores. Sei...

Os EUA apoiam ditaduras no norte da África e no Golfo Pérsico. Uma delas até sedia corridas de fórmula 1 (o regime dos Al Khalifa do Bahrein). Como é bom ver a competição pela TV... Alonso, Massa, Haikkonen, as bandeiras tremulando, o som vibrante dos motores, tudo muito bonito. 

No fundo meus caros, os EUA só parecem se incomodar com ditadores que não entram no seu jogo, como Iraque a Líbia e agora com a Síria.

Há algum tempo andam implicando com o programa atômico (fins pacíficos?) do Irã dos Aiatolás. Não querem que tenha uma bomba atômica (como Israel tem, mas não declara publicamente), afinal, só os países ocidentais e Israel têm “moral elevada” o suficiente para tê-las. E pensar que o único artefato atômico usado contra um inimigo veio justamente de uma potência ocidental. Mas como ouvi de um analista americano, “as bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki pouparam muitas vidas ao pôr fim à guerra”. 

E viva a democracia americana!



Jones F. Mendonça  

"O REINO ESQUECIDO" DE ISRAEL FINKELSTEIN NA SBL [LIVRO]

Acabo de saber, via Observatório Bíblico, que o novo livro do arqueólogo israelense Israel Finkelstein, encontra-se disponível para download gratuito (para países de baixa renda per capita) no site da SBL (Society of Biblical Literature). 

Faça o download (livro em inglês) aqui


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CONFERÊNCIA DE COPENHAGUE: O AT SOB NOVA PERSPECTIVA

Sobre o livro
Com o objetivo de “avaliar algumas das principais mudanças no campo dos estudos bíblicos do Antigo Testamento” está programada para os dias 09 a 12 de outubro de 2013 uma conferência internacional em Copenhague, Dinamarca. Os principais conferencistas são Douglas Knight, Tomas L. Thompson, Philip Davies e Niels Peter Lemche (leia um pouco mais a respeito da escola de Copenhague neste post de abril de 2012).

Os títulos e resumos das palestras (em inglês) podem ser baixados em PDF no ObservatórioBíblico.

Fiquei particularmente curioso quanto ao trabalho do professor Philippe Wajdenbaum (Institut des Hautes Etudes de Belgique, Brussels), intitulado “From Plato to Moses: Genesis-Kings as a Platonic epic” (De Platão a Moisés: Gênesis-Reis como um épico platônico). Segue o resumo:
Desde que Niels Peter Lemche e Thomas L. Thompson postularam que a Bíblia Hebraica pode ser um Livro da era helenística, tem sido sustentada a hipótese de que ela se baseia em fontes clássicas gregas como Homero, Heródoto e Platão.
 
Em Leis, Platão imaginou um Estado de doze tribos regido por leis divinas, das quais cerca de cinqüenta possuem pontos de contato com leis do Pentateuco. Platão encorajou o fundador do seu estado ideal a usar mitos, contos e fábulas para ilustrar como a obediência à lei é recompensada pela divindade e como desobediência traz punição.
 
A narrativa de Gênesis a Reis ("História Principal") parece ter sido inspirada nesse projeto platônico. Os livros de Gênesis a Josué relacionam a fundação de tal estado, enquanto Juízes, Samuel e Reis parecem modelá-lo de acordo com a Atlântida de Platão, mito da um estado que poderia ter sido perfeito, não tivessem seus reis negligenciado as leis divinas e provocado sua destruição.
Hipótese pra lá de ousada. Das 28 palestras programadas para o evento esta talvez seja a mais polêmica.



Jones F. Mendonça

AS ORIGENS HISTÓRICAS DO MONOTEÍSMO [EBOOK]

Liberado para download pelo próprio autor - Juan Echánove -, o livro “Ecos del desierto – El origen histórico del monoteísmo” (Central Books, 2008, 413 p.) narra como Yahweh foi incorporando características de outros deuses ao longo da história (Elohim, Ormuz e o Logos grego).  A grande sacada do livro é sua linguagem simples e a apresentação dos temas numa ordem que facilita a compreensão de um leitor pouco familiarizado com o assunto. Segue uma sinopse do livro:
Ecos do deserto narra a surpreendente história de como uma divindade da tormenta, adorada por nômades em um remoto rincão do deserto, terminou se convertendo em um Deus universal de três das três grandes religiões monoteístas. Baseando-se em recentes e assombrosas descobertas arqueológicas e utilizando penetrantes argumentos históricos, Echánove nos oferece uma perspectiva completamente nova desta fabulosa história. 
O livro está disponível apenas em espanhol.

O livro no Google livros, aqui

Jones F. Mendonça

sábado, 5 de outubro de 2013

O MONOTEÍSMO ISRAELITA NO ASOR BLOG

O artigo, assinado por Richard S. Hess, é iniciado com a seguinte provocação:
A arqueologia das religiões israelitas continua a evocar novas evidências e abordagens. Reavaliações recentes tem levantado a questão do monoteísmo pré-exílico de Israel. Dito de outra forma, alguém acredita em uma única divindade antes da queda de Jerusalém em 587/6 AEC?

O texto completo, no Asor Blog, aqui.


Jones F. Mendonça