domingo, 30 de setembro de 2012

INTRIGAS NO REINO DE ISRAEL

Quem faz uma leitura ingênua da Bíblia não percebe os diversos conflitos ideológicos, políticos e religiosos que emergem nas linhas e entrelinhas do texto sagrado. Um belo exemplo pode ser lido no segundo livro de Samuel. Com a morte de Saul, Davi é ungido rei de Judá em Hebrom. Em Maanaim assume um rei fantoche, Is-Bosete, filho de Saul. Mas quem governa Israel (do norte) de fato é Abner, o general do antigo rei. De um lado Davi, do outro os descendentes de Saul. 

Os obstáculos aos planos de Davi vão sendo eliminados, um a um: Abner (morto), Is-Bosete (morto), Mefibosete (exilado no palácio real), Urias (morto), Absalão (morto), Seba (morto). Quem suja as mãos é Joabe, general de Davi. O rei lamenta quase toda as mortes e nunca castiga Joabe. Não é estranho? 

Abaixo o meu último mapa que deve ser observado à luz do seguinte texto: 
2Sm 2,2.4.8.9 Então Davi foi para Hebrom [...] e ali ungiram Davi rei da tribo de Judá [...] Enquanto isso, Abner, comandante do exército de Saul, levou Is-Bosete, filho de Saul, a Maanaim, onde o proclamou rei sobre Gileade, Assuri, Jezreel, Efraim, Benjamim e sobre todo o Israel




Jones F. Mendonça

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

VIVA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, MAS...

O cartunista Carlos Latuff foi recebido nos estúdios da Globo News em agosto de 2011. A primeira pergunta (Jorge Pontual): "É válido fazer humor sobre o holocausto?". A pegunta provavelmente foi feita porque Latuff participou de um concurso de charges sobre o holocausto nazista promovido pelo Irã em resposta a uma charge de Maomé que gerou protestos no mundo árabe.  

Fica a pergunta: "há limites para o humor ou para a charge política?". Na prática, segundo Latuff, tudo depende de quem se critica. 


domingo, 23 de setembro de 2012

TRECHOS GNÓSTICOS: ENTRE TAPAS E BEIJOS

O beijo de Judas (1300-50) -
Italian Unknown Master
Diante da recente polêmica em torno do fragmento copta que sugere uma relação amorosa entre Jesus e uma mulher desconhecida, apresento abaixo alguns textos de cunho gnóstico que insinuam que a relação de Jesus com Maria Madalena tinha um caráter singular. Tais documentos não constituem prova ou evidência de que Jesus foi casado, mas refletem crenças e costumes de uma comunidade cristã que rivalizava com o “cristianismo ortodoxo”. Tal rivalidade é bem expressa no Apocalipse de Pedro, que chama os bispos e diáconos de “canais sem água”.

As citações vêm da seguinte obra:
PROENÇA, Eduardo de (Org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: Fonte Editorial, 2005.

Informações técnicas:
OTERO, Aurelio de Santos. Los Evangelios apócrifos. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2005.

VIELHAUER, Philipp. Introducción al Nuevo Testamento, los apócrifos y los padres apostólicos. Salamanca, Ediciones Sígueme, 1991.

1. O Evangelho de Felipe:

Informações técnicas
Escrito esotérico para iniciados na Gnose de corrente valentiana - Códice II de Nag Hammadi, fls. 51-86 - datado para o IV século, com origem no final do século II e início do século III (Otero, 2005, p. 387). Foi descoberto em Nag Hammadi, Egito, ao lado de outras obras autodenominadas “Evangelho”: o “Evangelho segundo Tomé”, o “Evangelho dos Egípcios” e o “Evangelho da Verdade” (VIELHAUER, 1991, p. 272).

Trecho:
[O Senhor amava Maria] mais do que a todos os discípulos [e] a beijou na [boca repetidas] vezes. Os demais [...] lhe disseram: “Por que a queres mais do que a todos nós”? O Salvador respondeu e lhes disse: “A que se deve isso, que não vos quero tanto quanto a ela”?
2. O Evangelho de Maria Madalena

Informações técnicas
Escrito gnóstico que considera Maria Madalena como depositária privilegiada das confidências de Jesus. Em diversos escritos gnósticos Madalena é a personificação terrena da gnose que se une ao masculino (Jesus). Os papiros de que dispomos, escritos em grego (fragmentos) e em copta (maior parte), são do século III, mas remontam a textos produzidos no século II (Otero, 2005, p. 39).

Trecho:
Depois de ter dito isto [revelações feitas por Jesus], Maria Madalena se calou, pois até aqui o Salvador lhe tinha falado. Mas André respondeu e disse aos irmãos: “Dizei o que tendes para dizer sobre o que ela falou. Eu, de minha parte, não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois esses ensinamentos carregam ideias estranhas”. Pedro respondeu e falou sobre as mesmas coisas. Ele os inquiriu sobre o Salvador: “Será que ele realmente conversou em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Devemos mudar de opinião e ouvirmos ela? Ele a preferiu a nós? Então Maria Madalena se lamentou e disse a Pedro: “Pedro, meu irmão, o que estás pensando? Achas que inventei tudo isso no meu coração ou que estou mentindo sobre o Salvador?” Levi respondeu a Pedro: “Pedro, sempre foste exaltado. Agora te vejo competindo com uma mulher como adversário. Mas se o Senhor a fez merecedora, quem és tu para rejeitá-la? Certamente o Salvador a conhece bem. Daí tê-la amado mais do que a nós”.

Jones F. Mendonça

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CRISTIANISMOS: CONFLITOS NA IGREJA PRIMITIVA

O beijo de Judas, de Giotto di
Bondone (1304-06).
Há quem fale em “cristianismo”, mas a religião dos seguidores de Jesus foi, desde os primeiros séculos, marcada pela diferença entre credos, costumes, cânon, disciplina, administração dos sacramentos e forma de liderança. Os primeiros problemas enfrentados pelos discípulos foram superados com certa facilidade. A substituição de Judas por Matias (At 1,26) e a nomeação de pessoas encarregadas de prestar assistência “às viúvas esquecidas na distribuição diária de alimento” (At 6,1) foi feita, pelo que nos conta Lucas, sem maiores problemas. Mas a entrada de uma nova figura, contada como apóstolo, mas que ao contrário de Matias não esteve com os Doze “desde o batismo de João até o dia em que Jesus foi elevado dentre nós às alturas” (At 1,22), logo suscitou problemas.

Paulo, que no início de Atos aparece ao lado de Barnabé (11,25; 13,12), em segundo plano, vai aos poucos ganhando proeminência. A dupla “Barnabé e Saulo (11,25; 13,12), torna-se, em 13,14, “Paulo e Barnabé”. Em listra, durante sua primeira viagem missionária o “apóstolo dos gentios” é comparado a Hermes, “porque era ele quem trazia a palavra” (14,12). Paulo é eloqüente, culto, dotado de um notável espírito de liderança e ainda possui cidadania romana. A sofisticação teológica de suas cartas não passou despercebida por Pedro, que chegou a confessar que possuem “algumas coisas difíceis de entender” (2Pe 3,16).  

O capítulo 15 de Atos marca a primeira grande controvérsia entre os cristãos. Na cidade de Antioquia, na Síria, alguns judeus convertidos estavam ensinando que os homens não circuncidados não seriam salvos. Uma reunião em Jerusalém (que ficou conhecida como Concílio de Jerusalém) com a participação dos apóstolos e presbíteros foi organizada a fim de resolver a questão.

O livro de Atos registra que Pedro e Tiago discursaram no concílio. O primeiro disse que o jugo da Lei não de deve ser imposto aos discípulos (At 15,10). Tiago segue na mesma linha, mas faz algumas ressalvas: “abstenham-se de  comida contaminada pelos ídolos, da porneia (termo de tradução difícil), da carne de animais estrangulados e do sangue” (At 15,20). Ele explica o motivo das proibições: “Pois, desde os tempos antigos Moisés é pregado em todas as cidades, sendo lido nas sinagogas todos os sábados". Ao que parece tais recomendações visam facilitar a convivência entre judeus e gentios convertidos ao cristianismo. Mas isso não fica claro. O apego de Tiago aos costumes judaicos deixou sua impressão nos textos no Novo testamento. Note que ele usa o termo “sinagoga” (Tg 2,2) e não “ekklesia” para se referir aos locais de reunião dos destinatários de sua carta. A ênfase que Tiago dá às obras também chama a atenção. Suas doutrinas parecem entrar em confronto direto com o ensinamento paulino (Lutero que o diga!). Mas Lucas não cita nenhum atrito entre Pedro e Tiago com Paulo. Após o concílio de Jerusalém os discípulos se deslocam para Antioquia (cf. At 15,30). Lá algo importante acontece. É preciso ler com atenção o que nos diz Paulo na sua carta aos gálatas.  

Paulo tem uma posição clara: “ninguém é justificado pela prática da lei, mas mediante a fé em Jesus Cristo” (Gl 2,16). Ele diz que enfrentou Pedro face a face por sua atitude condenável (Gl 2,11). O motivo: Pedro comia com os gentios, mas se afastava deles após a chegada de “alguns da parte de Tiago” (v. 12). Paulo diz mais: “até Barnabé se deixou levar” (v. 14). De um lado Paulo. Do outro Pedro, Tiago e Barnabé. Anote isso e voltemos a Atos.

Atos também fala de um desentendimento de Paulo com Barnabé em Antioquia (15,36), mas apresenta outro motivo: Barnabé queria levar João Marcos na segunda viagem missionária, mas Paulo se opôs, alegando que ele os havia abandonado na Panfília (15,38). Aqui algo fica evidente. Além de Pedro, Tiago e Barnabé, o “apóstolo nascido fora do tempo” também se desentendera com João Marcos. Paulo, um homem difícil.  O motivo da separação entre Paulo e Barnabé parece ser duplo: divergências (após?) o concílio de Jerusalém (Gálatas) e recusa da companhia de João Marcos (Atos).

Quando confrontamos o livro de Atos com as demais cartas do Novo Testamento notamos que a manutenção da unidade foi algo difícil. As comunidades cristãs primitivas foram ganhando características próprias, moldadas de acordo com o líder que as conduzia. Paulo tinha bons motivos para fazer um apelo à unidade diante dos cristãos que diziam “Eu sou de Paulo"; "eu de Apolo"; "eu de Pedro"; e "eu de Cristo" (1Co 1,12).

Quando os apóstolos morreram a situação ficou ainda mais grave. A falta de unidade doutrinária, da figura de um líder e de uma relação de livros considerados inspirados por todos os cristãos impulsionou a elaboração de um credo apostólico, a eleição de um bispo que pudesse governar a igreja com autoridade e a definição de um cânon (que ocorreu só no final do século IV).

No primeiro século a opinião de Paulo prevaleceu sobre os demais apóstolos. Os judaizantes deixaram de representar uma grande ameaça. Nos segundo século surgiu um novo inimigo: os gnósticos. Mas esse é um assunto para outra ocasião.


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

OASIS - WHO FEELS LOVE


O MOVIMENTO DE JESUS E AS MULHERES

A Sta Maria Madalena, de Simon
Vouet (1523-27), está mais para a
Sulamita de Cantares. 
Tito Lívio, na Roma do primeiro século, fez um discurso no Foro Romano repreendendo as mulheres que se dirigiam aos maridos de outras. Em sua opinião as perguntas deveriam ser feitas me casa, aos seus próprios maridos (TAMEZ, 2004, p. 99). No cristianismo não foi diferente. Paulo, como Tito Lívio, recomendou que elas ficassem caladas nas ekklesias (1 Co 14,34-35). Perguntas só em casa, porque "é vergonhoso que falem na congregação". 

Mas em algumas comunidades primitivas as mulheres foram ganhando espaço. Em alguns textos apócrifos isso fica evidente, como nos "Atos de Paulo e Tecla" e no "Evangelho de Maria Madalena". Neste segundo documento Pedro, irmão de Jesus, demonstra ciúme de Maria Madalena, "a mulher que Jesus mais amou". No final do livro Levi repreende Pedro dizendo: "se o Salvador a fez merecedora, quem és tu para rejeitá-la?". 

A divulgação de uma papiro escrito em copta, datado inicialmente para o quarto século, tem apimentado a discussão a respeito do papel das mulheres nas comunidades cristãs primitivas. Num trecho do fragmento vem escrito: "Jesus lhes disse: a minha mulher...". 

Caso seja autêntico, o documento apenas expressa o que determinada comunidade cristã acreditava (ou queria fazer os outros acreditarem) e não uma verdade histórica. Aliás, o mesmo se pode dizer dos Evangelhos canônicos. Jesus teve uma mulher? Impossível responder. 

Se você é um daqueles sujeitos desconfiados, que gosta de buscar informações na fonte e não em jornais sensacionalistas, leia o trabalho acadêmico que deu origem a toda essa discussão.   A autora é Karen L. King. 

Em inglês (PDF) aqui
Em português (HTML) aqui

Jones F. Mendonça

sábado, 15 de setembro de 2012

OS PROTESTOS ISLÂMICOS: RELIGIÃO E POLÍTICA

O filme de 14 minutos que satiriza o profeta Maomé vem provocando protestos em todo o mundo árabe. O que impulsiona a revolta são apenas questões religiosas ou também políticas? Um artigo publicado no Portal Vermelho sugere que por trás dos protestos estão grupos muçulmanos radicais que ganharam força a partir da "primavera árabe". Segue um pequeno trecho:
De acordo com o presidente da instituição El Marada no Brasil e especialista em assuntos do Oriente Médio, Assad Frangieh, a reação em cadeia ao filme suscita desconfianças. “A primeira análise que a gente vê é que se começa a questionar se foi só uma manifestação popular. Na minha opinião, existem correntes políticas que estão fomentando isso daí de forma mais intensa”, avalia.
Continue lendo aqui.

Jones F. Mendonça

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

HEBRAICO: UMA SÍNTESE

No documento abaixo está uma síntese da matéria de hebraico bíblico apresentada em sala de aula aos meus alunos do STBC (2º período): consoantes, sinais vocálicos, transliteração,  flexão do substantivo, relação de construto, artigo, conjunção, preposição e sufixos pronominais. Em breve chegaremos aos verbos, a parte mais crítica no estudo do hebraico bíblico (principalmente os verbos fracos). 

Tabelas de tradução II

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

THE CAT EMPIRE - NO LONGER THERE


DE TERRORISTAS E SACERDOTES

Arte: Carlos Latuff
Ouço aqui e ali que “aquele pessoal do Oriente Médio”, “os árabes”, ou “os muçulmanos”, são todos loucos. A crítica reflete um preconceito, está claro. Mas ainda que o alvo seja apenas os terroristas ou os baderneiros que atacaram a embaixada dos EUA na Líbia ou no Iêmem, discordo do adjetivo “loucos”. Não são loucos, são ressentidos manipulados. O instrumento de manipulação: a religião. O manipulador: o sacerdote.

A violência pode ter diversas motivações: ganância, desejo pelo poder, loucura,   ressentimento. Em algumas situações o sofrimento de um indivíduo ou de uma coletividade é o resultado de sua própria incompetência, de um desastre natural ou de uma série de fatores que lhes são desconhecidos. Mas é preciso achar um culpado. Acontece assim: um líder, fraco, porém dotado de grande poder de persuasão, "identifica" o responsável pelas mazelas do povo, o “Grande Satã”. Então ele percebe que a religião, com suas penas e bem-aventuranças, poderá ser o combustível da “revolução”. Eis o resultado: uma massa de terroristas. O que os move não é propriamente a religião, mas o ressentimento. 

O mecanismo descrito acima não é uma invenção dos “árabes”, ou dos “muçulmanos”. É coisa antiga, muito antiga. Hoje funciona bem no Oriente Médio. Amanhã, quem saberá. O mundo dá muitas voltas.


Jones F. Mendonça

terça-feira, 11 de setembro de 2012

MOISÉS ESCREVEU O PENTATEUCO?

Moisés com as tábuas da Lei -
Guido Reni (1624).  Até o he-
braico nas tábuas é anacrônico. 
Desde o século XVII, com o advento da crítica bíblica, alguns eruditos perceberam que o Pentateuco não pode ter sido obra de um único autor (na verdade, tal desconfiança é bem mais antiga). Até mesmo leitores menos atentos estranham o relato da morte de Moisés, no final do Deuteronômio. Teria o patriarca escrito o relato de sua própria morte antes de ter expirado no monte Nebo na margem oriental do Jordão? Pouco crível, não acha? Mas não é só isso.

O capítulo 11 de Gênesis narra a saída de Abrão de “Ur dos Caldeus”. Há um anacronismo aí. Ur, na segunda metade do segundo milênio era, talvez, “Ur dos sumérios” e não “Ur dos caldeus”. A expressão “Ur dos caldeus” pressupõe a ascensão ao poder dos caldeus, ou seja, babilônicos, que só ocorreu no final do século VII a.C. Tal anacronismo mostra que o autor do versículo deve ser situado numa época bem mais recente que a vivida por Moisés. É claro que a presença do anacronismo não constitui prova contra a existência de Moisés ou a uma possível contribuição sua para a obra. Apenas mostra que esse conjunto de livros conheceu um processo redacional. Sempre será possível dizer (mas não provar) que um personagem chamado Moisés foi o autor de um substrato que deu origem ao atual Pentateuco.

Outro anacronismo aparece no capítulo 12 do mesmo livro. O relato diz que após chegar a Canaã Abraão edificou um altar em Siquém e que “nesse tempo os cananeus estavam na terra” (v.6). O texto é contado na perspectiva que alguém que já vivia na terra, obviamente após o assentamento do povo na região. O mesmo tipo de anacronismo ocorre no capítulo 21, ainda no livro de Gênesis: “E morou Abraão na terra dos filisteus por longo tempo”. É bem atestado que os filisteus chegaram à costa de Canaã por volta de 1200 a.C. Ora, se o patriarca viveu na metade do segundo milênio, como pode ter morado na “terra dos filisteus” se eles ainda não haviam migrado para lá? Mas uma vez a perspectiva é a de que já está na terra. Esse redator, lógico, não pode ter sido Moisés.

Além dos anacronismos há ainda outros detalhes que chamam a atenção de um leitor mais cuidadoso. No Pentateuco o nome divino aparece ora como Yahweh, ora como Yahweh Elohim. O monte no qual Moisés recebeu a lei ora aparece como Sinai, ora como Horebe. Jetro, sogro de Moisés, também ganha nomes diferentes ao longo da narrativa. Ainda mais embaraçoso é notar que um mesmo tipo de situação se repete diversas vezes: Abraão mente para o faraó a respeito da condição Sara, sua mulher, apresentada como sua irmã (Gn 12,14-17). O mesmo Abraão mente a respeito da condição de Sara, agora com Abimeleque, rei de Gerara (Gn 20,1-3). Isaque, filho de Abraão, também vai a Gerara e faz o mesmo em relação à Rebeca, sua mulher (Gn 26,1-7). Coincidência? Sim, é possível. Mas entre o possível e o provável há um grande abismo. Penso que tantos problemas requerem uma solução mais plausível.  

Um tipo de duplicação particularmente interessante ocorre em Gn 6 e 7. Acho que é o melhor exemplo que posso apresentar a fim de que o leitor perceba que a obra não pode ser atribuída a um só autor. Em Gn 6,19 Yahweh ordena que Noé coloque na arca “dois animais de cada espécie, um macho e uma fêmea”. Em 7,2, “de todos os animais puros, sete pares, o macho e sua fêmea e apenas um casal dos animais que não são puros”. Como se pode ver, o segundo relato (que conflita com o primeiro) reflete a preocupação do redator em distinguir animais puros dos impuros. Indício de uma intervenção sacerdotal? É o que parece.

Desde Julius Wellhausen os pesquisadores têm buscado apresentar hipóteses que sejam capazes de explicar como o Pentateuco foi formado. Em linhas gerais as hipóteses podem ser reduzidas a três: um escrito básico (relato que foi crescendo ao longo dos séculos por meio de reelaborações e acréscimos), fontes (documentos independentes que foram costurados em determinadas ocasiões até formarem um único bloco) e círculos narrativos (relatos orais com sua própria história de crescimento, que mais tarde ganharam a forma escrita e foram unidos por um redator final). Nenhuma dessas hipóteses é capaz de resolver satisfatoriamente todos os problemas envolvidos na formação do Pentateuco. O processo de formação desse conjunto de livros parece ter sido bem mais complexo do que imaginava Wellhausen.   

Mas a ausência de um modelo que explique satisfatoriamente como se deu a formação do Pentateuco não implica no reconhecimento da autoria mosaica (já vi muita gente fazendo isso, acredite), apenas revelam o quão difícil é reconstruir a história de composição do texto dos primeiros cinco livros da Bíblia. Para finalizar, fica como sugestão de leitura a obra: "Introdução ao Pentateuco", de Louis Jean Ska (Loyola, 2003, 304 páginas). 


Jones F. Mendonça 

sábado, 8 de setembro de 2012

UM POEMA PARA SOFIA


Minha graça miúda está quieta, incólume, envolta num manto amor.
Então surgem, como águias que furtam um cordeiro na relva,
garras alvas que sem dó, a conduzem a um mundo povoado de vultos [sombrios.
Fios de aço rompem seu último laço com o antigo lar.
Mãos fortes a atingem de súbito, seu peito se agita.
Um odor inebriante invade o seu ser.
O grito da vida, os sorrisos, as lágrimas.
É Sofia que acaba de nascer.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A ROTA DO ÊXODO [MAPA]

No mapa abaixo indiquei a tradicional rota do Êxodo: o Delta do Nilo, o Mar Vermelho, o Sinai e a região da Siro-Palestina. 

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