quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O ORGANON & O CAPITAL: APONTAMENTOS SOBRE UMA CRÍTICA INFUNDADA

Toda a teologia se constrói sobre dois princípios fundamentais: o princípio arquitetônico (um tema da Escritura, como por exemplo, a encarnação) e o princípio hermenêutico (uma chave de interpretação, uma filosofia). Durante a patrística a chave hermenêutica predileta foi o platonismo. Assim foi com Orígenes, Clemente, Gregório de Nissa, Agostinho e tantos outros. Na Escolástica Aquino usou e abusou de Aristóteles. O tomismo cristianizou o filósofo. "Corrigiu-o" à luz da fé cristã. 

No século XX a teologia da libertação (TL) utilizou como princípio hermenêutico o marxismo (e a libertação como princípio arquitetônico). O que Aquino fez com Aristóteles, a TL também fez com Marx, tomando dele apenas os elementos compatíveis o cristianismo. Do ponto de vista lógico-teórico a diferença entre o tomismo e a TL é que o tomismo é uma teologia dedutiva (parte do dogma) e a TL é uma teologia indutiva (parte da situação, de um problema concreto). Ambas lêem as Escrituras e o mundo com a ajuda de uma “filosofia pagã”. 

O que me inquieta: Aristóteles acreditava num mundo eterno (Deus era um mero motor imóvel), mas sua filosofia foi usada sem maiores traumas (tornou-se, inclusive, “philosophia perennis”). Marx era ateu, mas o uso de sua filosofia como chave hermenêutica tem sido repudiado por setores conservadores. Faz sentido?

Como se as crenças do filósofo (ou até mesmo sua fundamentação teórica) fizessem alguma diferença...



Jones F. Mendonça

terça-feira, 24 de setembro de 2013

SBL LIBERA NOVO TEXTO CRÍTICO DO NT PARA DOWNLOAD

Seguem informações publicadas no site da SBL: 
A SBL grego do Novo Testamento (SBLGNT) é uma nova edição do Novo Testamento grego, criado com a ajuda de edições anteriores. Em particular, quatro edições do Novo Testamento grego foram utilizadas como recurso primário no processo de criação do SBLGNT.

O SBLGNT é editado por Michael W. Holmes, que utilizou uma grande variedade de edições impressas, todos os grandes aparatos críticos, e os mais recentes recursos técnicos e descobertas de manuscritos. O resultado é um texto criticamente editado que difere do texto crítico de Nestle-Aland/United em mais de 540 pontos.
Faça o download aqui:



Jones F. Mendonça

REDESCOBRINDO EVA: O PAPEL DAS MULHERES NO ANTIGO ISRAEL

Segue uma sinopse do livro: "Rediscovering Eve: ancient israelite women in context", de Carol Meyers, professora de religião na Universidade de Duke (informações tomadas do site da Amazon via Paleojudaica): 
Especialista em estudos bíblicos e arqueologia, Carol Mayers sustenta que as fontes bíblicas por si só não dão uma imagem verdadeira das antigas mulheres israelitas, uma vez que foram os homens da elite urbana que escreveram a grande maioria dos textos bíblicos.  Com base em descobertas arqueológicas e informações etnográficas, bem como nos textos bíblicos, Meyers retrata as israelitas não como escravas submissas em um patriarcado opressivo, mas como mulheres fortes e atuantes dentro de suas famílias e comunidades. O trabalho de Meyers desafia a própria noção de patriarcado como uma designação apropriada para a sociedade israelita.
O livro foi escrito no final da década de 70 e ganhou uma nova edição em dezembro de 2012. O tema é pra lá de empolgante. A obra, infelizmente, só está disponível em inglês.


Jones F. Mendonça



segunda-feira, 23 de setembro de 2013

SBL LIBERA NOVA FONTE

A SBL (Society of Biblical Literature) acaba de liberar uma nova fonte (Font Type, v1.0 build 001, lançada 9/6/13) para download gratuito. A nova fonte inclui caracteres latino, hebraico e grego. 

Destaque para a variedade de sinais diacríticos e de transliteração. 

Baixe aqui.

Mais informações aqui.


Jones F. Mendonça

domingo, 22 de setembro de 2013

O INQUISIDOR, O ANCIÃO E O DIABO

Século XVI. O inquisidor chega a uma vila onde supostamente se tem praticado o culto ao diabo. O ancião, inquirido pelo sacerdote, diz nunca ter ouvido falar de um deus chamado diabo. Após três dias de intensa investigação, acompanhada de violenta e cruel tortura, a comitiva vai embora. O ancião comenta com um membro da vila: “devemos nos aliar a esse tal diabo. Se é inimigo dos inquisidores, então é nosso amigo”.

Minha constatação: muitos jovens aderem a religiões com alegado caráter satânico simplesmente porque percebem o cristianismo como religião de inquisidores. Antes tortura física, agora tortura emocional. Raciocinam como o ancião da vila.



Jones F. Mendonça 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

YAHWEH E SUA CONSORTE NO HAARETZ

Como a matéria está disponível apenas para assinantes do jornal israelense Haaretz, resolvi editar o texto no Word e publicá-lo no Scribd (PDF, em inglês). Dificuldades com o idioma? Utilize o tradutor do Google. 

Quem assina a matéria é Julia Fridman.


POR QUE OMRI ESCOLHEU SAMARIA COMO CAPITAL DO REINO DO NORTE?

De acordo com a narrativa bíblica o reino de Israel foi dividido após a morte do rei Salomão (em torno de 930 a.C.): Jeroboão ao norte e Roboão ao sul. No século IX Omri escolheu Samaria como capital para Israel do Norte. Por que Omi escolheu a cidade como capital de seu reino? A localização da cidade dava vantagens estratégicas ao fundador da dinastia dos omridas (881-845 a.C.)?  

Conheça uma interessante teoria lendo o artigo de Norma Franklin, publicado no The Bible and Interpretation (set/2013): "Why was Samaria made the capital of the Kingdom of Israel?". 


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

LUIZ FELIPE PONDÉ E O PROGRAMA "MAIS MÉDICOS" DO PT

Luiz Felipe Pondé é filósofo. Pensador dos bons. Infelizmente sua ideologia (de direita) falou mais alto que sua coerência e lógica num texto publicado na Folha de São Paulo sobre o programa Mais Médicos (“O fascismo do PT contra os médicos”, 02/09/13). O que mais me incomodou no texto foi a comparação que Pondé fez entre a suposta “tática de difamação aos médicos brasileiros feita pelo PT” e a campanha de perseguição imposta por Hitler aos judeus. Paralelo incrivelmente absurdo. Texto mal escrito, argumentação ruim, apelativo. Difícil acreditar que tenha produzido um texto dessa qualidade.

Acabo de ler a resposta de Washington Araújo ao texto do filósofo. Leia no Carta Maior.

Compare os dois textos e tire suas próprias conclusões.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

HANS URS VON BALTHASAR



Teólogo preferido de João Paulo II, von Balthasar ficou conhecido por sua "estética teológica" ao acentuar a dimensão estética da Revelação. A teologia do suíço pode ser um conforto para aqueles que acham que o método histórico-crítico lida com as Escrituras como se dissecasse um cadáver.  

Achei o vídeo por acaso. Quem expõe o pensamento do teólogo é Karen Kilby. Vale assistir pela qualidade das informações. 


Jones F. Mendonça

NOVO E-BOOK GRÁTIS NO BIBLICAL ARCHAEOLOGY SOCIETY

Aos interessados no livro do Gênesis, vale dar uma conferida no eBook: “Exploring Genesis: The Bibles Ancient Traditions in Context”, disponível gratuitamente aos internautas que se cadastrarem no site. 

Os temas do livro giram em torno de dois eixos principais: Possíveis relações entre o relato bíblico da criação e o Enuma Elish (relato da criação babilônico) e as escavações em Ur, cidade onde teria vivido o patriarca Abraão.

O eBook inclui belas gravuras. Baixe-o aqui.



Jones F. Mendonça

FUNDAMENTALISMO III

O sujeito ouvir dizer que sexo anal é pecado. Diz que a informação veio de Neura Ypiroka, uma palestrante especialista em “batalha espiritual”. A jovem senhora teria dito que o mau uso do orifício permite a entrada de demônios. O texto usado para justificar a condenação seria 1Co 6,9:
“Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos [...], nem os sodomitas...” (ARA).
Explico ao rapaz que “sodomita” é a tradução da palavra grega “arsenokoitais”, junção de arseno (homem) e koites (leito, cama). O termo só reaparece em 1Tm 3,10, provavelmente indicando algum tipo de conduta sexual considerada inaceitável pelo apóstolo Paulo. Não há certeza quanto ao sentido exato da palavra: homossexualismo? Adultério? Algum outro tipo de sexo ilícito? Explico-lhe ainda que não estou defendendo nem condenando a prática, mas apenas indicando que tal leitura é equivocada.

O sujeito dá um sorriso no canto da boca. Abre um dicionário Aurélio, desses de bolso, e diz: “Está aqui” – e aponta com o dedo - “sodomia: coito anal”. Finaliza chamando-me de pervertido (!).

Eu mereço!


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

CONTRA O BRUTO, FORÇA BRUTA

“O brutal só se destrói com força bruta”. Este é o argumento da direita contra as ditaduras comunistas e os radicais islâmicos. Este é o argumento da esquerda contra a ditadura de uma elite que se perpetua no poder manipulando a mídia e controlando o poder político e econômico. Os primeiros lutam contra “inimigos externos”. Os segundos contra os “inimigos internos”.

No fundo todos recorrem às armas a fim dar vazão a suas ideologias, princípios e instintos de sobrevivência. Ninguém está disposto a sofrer até a morte em silêncio. As grandes potências, quando se sentem ameaçadas, recorrem a seus exércitos regulares. Os mais fracos, quando na mesma situação, pegam o que tem às mãos: enxadas, foices, bombas caseiras, coquetéis molotov...

No fundo somos todos iguais. Todos humanos. Todos atormentados pela eterna tensão entre o viver e o morrer, entre a paz e a guerra, entre o silêncio e o grito. O ser humano: tumulto ambulante hospedando uma luta incessante entre racionalidade e a demência.


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O HUMANO: DE GARGANTA VIVA A ALMA ENCARCERADA

Na mentalidade grega, sobretudo a partir de Platão, a crença de que o corpo humano é uma espécie de “casca” ou “prisão” da alma (da psyché) passou a ser amplamente difundida, deixando reflexos profundos na tradição cristã. Tal crença implica no desprezo ao corpo, uma vez que supõe a superioridade da alma (imortal) sobre a matéria. Daí a crítica de Nietzsche de que o pensamento de Platão é uma “filosofia para a morte” e que o cristianismo é uma espécie de “platonismo para o povo”. No fim da vida Platão reafirmou suas profundas convicções: “Aquilo que constitui verdadeiramente o nosso ser, isto é, a psyché, é imortal” (Leis 959 b).

Entre os pais da igreja a ideia está presente, por exemplo, na carta a Diogneto (c. 190-200): “o que a alma é para o corpo, os cristãos são para o mundo [...]. Os cristãos estão como que detidos na prisão do mundo”.

Até mesmo Calvino, nas suas Institutas, expõe esse tipo de crença. O teólogo de Genebra chega a citar Platão (aliás, faz isso mais de uma vez):
Portanto, enquanto habitamos no cárcere de nosso corpo, temos de lutar continuamente com as imperfeições de nossa natureza corrupta; na verdade, com nossa alma natural. Platão diz algumas vezes que a vida do filósofo é a meditação da morte (Livro III, III, 20).
A antropologia hebraica desconhece esse dualismo ou dicotomia entre alma e corpo. A palavra hebraica geralmente traduzida por alma é néfesh. Em alguns textos néfesh indica a garganta:
Sl 69,1 Salva-me, ó Deus!, pois as águas subiram até o meu pescoço (néfesh).
Alguns tradutores optaram por “pescoço”, mas ideia é indicar a garganta, local por onde passa o ar inspirado e expirado (para indicar o pescoço geralmente se usa tzavar, como em Ct 1,10). Se a água sobe mais, a néfesh é comprometida e o corpo perde a vitalidade.

Néfesh serve também para indicar o princípio vital, como neste texto do livro de Reis:
1Rs 17,21  Então se estendeu sobre o menino três vezes, e clamou ao Senhor, dizendo: ó Senhor meu Deus, faze que a vida (néfesh) deste menino torne a entrar nele.
A ideia não é exatamente que a néfesh volte a entrar no corpo, mas que ela seja restituída (shub) às entranhas (qérev) do menino (yéled). Néfesh é fôlego que anima o corpo e não uma essência etérea que habita num indivíduo e sai voando após sua morte.

Por vezes a néfesh indica corporeidade. Um exemplo é este texto de Isaías:
Is 29,8  Será também como o faminto que sonha que está a comer, mas, acordando, sente-se vazio.
No texto hebraico: “sua néfesh está vazia” e não “sente-se vazio”. A ideia é a seguinte: se o corpo não se alimenta, sua néfesh (fôlego de vida) fica fraca, fica vazia (reyqah).

Outro exemplo:
Nm 11,6  Mas agora a nossa alma  (nossa néfesh) se seca; coisa nenhuma há senão este maná diante dos nossos olhos.
Não há alimento, logo a néfesh fica seca (yabesh), sem vida. Inexiste oposição entre corpo (basar) e alma (néfesh). Ambos estão intimamente ligados.

Na antiga tradição hebraica homem e mulher são néfesh encarnada e não psyché aprisionada. Então surgiu o judaísmo helênico. Depois o cristianismo bebeu da mesma fonte. Herança maldita.

Não é difícil entender porque o livro de Cantares tão cedo passou a ser alegorizado por judeus (a partir de Aqiva) e cristãos (Orígenes, Clemente, etc.).  Explica-se facilmente a ênfase que o cristianismo dá aos chamados “pecados sexuais”. Já no IV século Jerônimo se jogava aos espinheiros a fim de que a dor sobrepujasse seu desejo pelo corpo feminino (recomendava banhos frios e o uso de cilício para combater o desejo sexual). O ser humano, antes visto como garganta viva (que grita, urra, come, soluça, bebe, jubila, geme, respira) tornou-se mera alma encarcerada. Desejar é pecar. Mas diferentemente do budismo, que queria suprimir o desejo, os cristãos preferiram: “desejar o nada, a nada desejar”.

Nietzsche tinha razão.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 3 de setembro de 2013

OS ÓCULOS DE ZILDA

Zilda passou por um trauma na infância. Não suporta multidão. Mecanismos internos de sua psique encontraram uma saída: fazem com que Zilda acredite não haver muitas pessoas em determinados ambientes quando na verdade há. Tais mecanismos são como óculos especiais. Seus olhos lhe dizem: “há um monte de pessoas aqui!”. Suas lentes mágicas fazem a “correção”: “ambiente limpo, está tudo bem”.

Óculos mentirosos. 

O nome disso? Medo do real.



Jones F. Mendonça

TELMA E O LOBISOMEM

Telma mora perto de um bosque. Vive na região desde que nasceu. Reza a lenda que um lobisomem vive por lá. A moça acredita piamente na história. Uma ovelha aparece morta: “foi o lobisomem”. Ouve-se um uivo: “o lobisomem está por perto”. Um vulto se move por entre as árvores: “ai que medo!”. Telma interpreta todos os fenômenos cuja origem desconhece a partir de sua crença na existência da fera.

Aparece um homem misterioso na aldeia. Inverte a lógica de Telma. Insiste que é preciso interpretar as crenças a partir dos fenômenos.



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

JOÃO BATISTA, JESUS, JORDÃO E TRADIÇÃO

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O Evangelho de Marcos registra que Jesus veio da Galileia “e foi batizado por João no Jordão” (Mc 1,9). O quarto Evangelho, buscando maior precisão (?), situa o local do batismo em Betânia (não pode ser mesma Betânia de Lázaro, cf. Mc 11,1; Jo 11,18), do “outro lado do Jordão” (Jo 1,28), portanto, na margem jordaniana do rio (próximo ao Mar Morto, em Qasr Al-Yahud), e não em Israel.

Mas há quem prefira localizar o batismo do “homem de Nazaré” bem ao norte, numa bela região arborizada próximo ao Mar da Galileia (em Yardenit). As águas do Jordão nessa região não são tão turvas e contaminadas como em Qasr Al-Yahud (em 2012 Israel proibiu batismos no local por causa da contaminação da água). Como o que conta não é o valor histórico (ou pelo menos escriturístico), mas o efeito psicológico que o lugar exerce sobre o fiel, Yardenit desperta maior interesse no turista.

Faça uma visita on-line (360º) em Yardenit aqui (clique em Jordan River, numa das imagens que aparecem na margem direita).




Jones F. Mendonça