sexta-feira, 29 de novembro de 2013

AS PLACAS E AS VACAS

As placas foram feitas para as vacas e não o contrário. Quanta gente age como essas vacas...



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Jones F. Mendonça

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

FUNDAMENTALISMO [PROVOCAÇÕES]

Fé cega, razão manca, obra estéril, coração cadáver.
Extremismo que desintegra a alma, a humanidade.
Piedade muda, sensibilidade surda.
Certeza de cristal sob o manto de um discurso ardente.
Diatribe oco levado pelo vento da ignorância...



Jones F. Mendonça

SOLA TRADITIO

“Toda a Escritura é divinamente inspirada...”, diz-nos um verso da segunda carta a Timóteo (2Tm 3,16). Tal “Escritura” não pode ser uma referência a Bíblia completa tal como conhecemos hoje (Antigo e Novo Testamento) por duas razões óbvias:

1) A Bíblia só ganhou sua forma atual no século IV, após muitas divergências quanto à canonicidade de alguns escritos que circulavam entre os cristãos.
2) No verso anterior o autor da carta exalta Timóteo por conhecer “desde a infância as sagradas letras”.

No tempo da infância de Timóteo os quatro Evangelhos sequer existiam. “Escrituras”, neste texto, é uma referência às Escrituras judaicas (Tanak) na qual Timóteo fora instruído como filho de uma mulher judia (cf. At 16,1-3).

É verdade que a carta de Pedro atribui valor escriturístico a alguns escritos de Paulo (2Pe 3,16), mas a carta só foi escrita na década de 80 e com certeza não abrange todo o material que compõe o Novo Testamento. Apocalipse, por exemplo, só foi escrito cerca de uma década depois e as epístolas gerais não são mencionadas.

Para crer que a Bíblia é a Palavra de Deus é preciso apelar à inspiração e inerrância dos hagiógrafos, à exatidão dos copistas e por fim à orientação divina aos padres que decidiram o cânon no final do século IV. Enfim, para crer que a Bíblia é a palavra de Deus é preciso crer na tradição.

E me aparece um sujeito ingênuo berrando aos quatro cantos: “sola scriptura”.



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A "LÓGICA FREEMAN" II

Zuleica tem sido constantemente assediada por seu chefe. Resolveu aplicar o conselho de Morgan Freeman ao seu problema: “a melhor maneira de combater o racismo é não falar sobre ele”. Zuleica já foi estuprada três vezes pelo patrão. Continua calada esperando que as coisas se resolvam naturalmente.

Acorda Zuleica, Freeman é ótimo ator, mas péssimo conselheiro.


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A "LÓGICA FREEMAN"

João e Maria são um casal. João só toma banho em dias pares apesar de morar num país tropical. Maria só escova os dentes em dias ímpares apesar de comer a cada quinze minutos. João odeia mau hálito. Maria não suporta cheiro de suor. Os dois resolveram aplicar a famosa frase do ator Morgan Freeman aos seus problemas conjugais: “a melhor maneira de combater o racismo é não falar sobre ele”.

João finge que não existem problemas em seu casamento. Maria faz o mesmo. Essa é a lógica Freeman...


Jones F. Mendonça

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O DRAMA DE TEÓFILO E O “FIDES QUAERENS INTELLECTUM”

Teófilo Eusébio. Quarenta e dois anos. Casado. Pai de dois filhos. Crise da meia idade e ele reflete sobre a religião herdada de seus pais. Sempre pensou que sua conversão ocorrera devido à aceitação de uma doutrina. Invertendo santo Anselmo pensava buscar "compreender para crer". Uma decisão baseada na razão, portanto. Começou a achar que estava enganado.

Tratou de pensar que o indivíduo que adere a uma religião faz isso sem conhecer suficientemente seus fundamentos. No caso do cristianismo, por exemplo, em primeiro lugar o sujeito declara seu desejo de participar do grupo de fé (não resiste ao apelo e “levanta a mão” no culto ou explicita seu desejo ao pastor). Tal decisão – pensa - não pode ser racional. Num segundo momento ele aprende os dogmas, os códigos morais, a linguagem religiosa, a liturgia... E então começam as dúvidas, as perguntas, as inquietações.

A decisão primária parte de uma crise existencial e não de um julgamento racional. A razão só é acionada depois. Trata-se de uma razão manca, é verdade, mas que se esforça para justificar sua crença aos ateus, aos agnósticos, aos deístas e membros de outras religiões e a si mesmo. No âmbito protestante tal tarefa cabe à apologética. Entre os católicos à teologia fundamental.

O Teófilo do Evangelho de Lucas (Lc 1,3), xará do nosso personagem, parecia buscar razões mais sólidas para a fé que acabara de aderir: fides quaerens intellectum (a fé em busca de entendimento), como gostava de dizer Agostinho, teólogo que se esforçou para apresentar o cristianismo nos termos da filosofia platônica. Na escolástica foi a vez de Tomás de Aquino, impulsionado pala lógica aristotélica. A filosofia dava seus trotes sob o pulso firme da teologia: Agostinho abraçado a Platão, Aquino empoleirado em Aristóteles.

No século XX a “fé que busca compreender” ganhou ares sofisticados e linguagem quase hermética. Alguns deles inspirados num novo princípio hermenêutico: o existencialismo de Heidegger. Assim foi com Bultmann e Tillich. Amparada na teoria da evolução de Darwin apareceu Teilhard de Chardin e sua cristologia cósmica. E outros, como Bonhoeffer (secularização), von Buren (neopositivismo), Moltmann (filosofia da esperança de E. Bloch), etc. As Escrituras lidas e interpretadas com as lentes das filosofias e cosmovisões do século XX. A velha apologia renovada com Botox e bisturi.

Teófilo Eusébio leu todos esses teólogos em busca de uma justificativa racional para sua fé. Não encontrou. Debruçou-se sobre os livros de Craig e Plantinga, atuais ícones da apologética cristã. Pura ilusão. Quer saber se tornou ateu? Não, não se tornou. Continua indo aos cultos onde dirige um pequeno coral. Participa dos sacramentos. Encanta-se com a arquitetura das igrejas góticas. Distribui de sopa aos sem teto. Não faz isso para herdar o céu o por medo do inferno. Mantém–se ligado à religião porque de alguma forma ela o atrai (sim, ele se vê como uma mariposa ao redor de uma lâmpada acesa). Gosta de religião como gosta de olhar a lua ou o dorso de uma mulher. Talvez seja ingênuo. Talvez seja um niilista como supôs Nietzsche. Talvez seja um neurótico como defendia Freud. Talvez a religião seja para ele uma espécie de ópio como dizia Marx.

Talvez...


 Jones F. Mendonça


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ACAN, ACAR, OCAR, ACOR E O TUMULTUADO TEXTO DE JOSUÉ 6-7

No capítulo seis do livro de Josué toda a cidade de Jericó é declarada “herem”, exceto Raabe, livrada da morte por ter acolhido os mensageiros israelitas. Na história Acã (Akan) acaba punido por ter subtraído alguns objetos incluídos no herem. Tal atitude implicou na extensão do herem a todo o arraial de Israel (cf. 6,18), perturbando-o (hb. akar). A solução encontrada para que a ordem fosse restabelecida foi a morte da Acã. Há quem traduza a palavra hebraica herem por “maldito” ou “condenado”, ou “destruído” ou ainda “anátema”. Dada a carga negativa que tais palavras trazem esse texto geralmente tem sido mal interpretado.  

De acordo com o texto Acã apanhou, além de uma capa babilônica, “duzentos siclos de prata, e uma cunha de ouro do peso de cinqüenta siclos”, objetos declarados herem que deveriam ser “consagrados” (hb. qodesh) a Yahweh (cf. 6,19). Um leitor atendo sente-se confuso: como tais objetos poderiam ser ao mesmo tempo “condenados” (herem) e “santos” (qodesh)? Compare:

O herem-qodesh - Js 6,19  e toda a prata, e o ouro, e os vasos de bronze e de ferro, são santos (qodesh) a Yahweh; irão para o tesouro de Yahweh.
O pecado - Js 7,1  Mas os filhos de Israel cometeram uma transgressão no tocante ao anátema (herem), pois Acã [...] tomou do anátema (herem); e a ira do Senhor se acendeu contra os filhos de Israel.
A confissão - 7,21  quando vi entre os despojos uma boa capa babilônica, e duzentos siclos de prata, e uma cunha de ouro do peso de cinqüenta siclos, cobicei-os e tomei-os

Ocorre que “anátema”, “coisa condenada”, “destruída” ou “maldita” não traduzem bem o termo hebraico. Herem é coisa isolada, interditada para um propósito específico. Não é sem razão que em alguns textos herem é traduzido por rede (como em Ez 32,3, Hab 1,15). A semelhança de herem com harém (palavra árabenão é coincidência. Harém é lugar fechado só para mulheres (de um soberano). Herem é lugar sagrado, espaço interditado aos humanos. 

Neste caso específico (aparentemente único, compare com 1Sm 15) além do herem que deveria ser destruído, uma parte precisava ser levada para o santuário, tais como a prata o ouro e outros objetos valiosos. Acã tocou no herem - coisa isolada para propósitos específicos conforme determinação de Yahweh - daí sua culpa. Se tivesse salvado outra pessoa além de Raabe (livrada do herem) também teria sido declarado culpado (cf. Lv 27,29). A mensagem do texto é clara: No herem, seja ele reservado ao templo ou à destruição, não se toca (cf. Dt 13,17).

Apalavra herem como coisa separada para um propósito específico também aparece em Lv 27,21:
Mas o campo, quando sair livre no ano do jubileu, será santo (qodesh) ao Senhor, como campo consagrado (herem); a possessão dele será do sacerdote".
Em outros casos o termo “destruição” cabe bem como tradução para herem, como neste texto de Ml 4,6:
“e ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição (herem)”.
A narrativa presente nos capítulos 6 e 7 do livro de Josué  tem claro caráter etiológico e visa explicar o porquê do vale ter recebido o nome de Acor (atormentado) e qual a origem de um amontoado de pedras. Em 1Cr 2,7 o nome de Acan é mudado para Acar, dada sua semelhança com Ocar, que significa perturbador. No jogo de palavras presente no texto figuram: Acan e Acar (duplo nome atribuído ao personagem, cf. Js e Cr), Ocar (=perturbador: predicado do personagem), Acor (=atormentado: nome do vale) e finalmente Yahweh. Diz ao final Josué: “Por que nos perturbaste (Akartanu)? hoje o Senhor te perturbará (yakarkha) a ti”.

Mais que isso, o texto busca inculcar na cabeça do povo que não se deve tocar nas coisas de Yahweh (que na verdade são dos sacerdotes).


Jones F. Mendonça

terça-feira, 5 de novembro de 2013

OS CRISTÃOS MELQUITAS DA SÍRIA

Os livros de história do cristianismo geralmente fazem referência a dois grandes cismas (separação, fenda) ocorridos no cristianismo: o Grande Cisma do Oriente (1054) e o Grande Cisma do Ocidente (1378-1417). O primeiro deu origem à igreja ortodoxa grega e o segundo teve caráter temporário, marcado pela existência simultânea de dois papas: um em Roma e outro em Avignon, na França (há quem fale em três!).

Mas o primeiro grande cisma ocorreu já nos primeiros séculos, em decorrência de divergências a respeito da formulação do dogma cristológico firmado em Calcedôdia (451) que declara a dupla natureza de Cristo (divina e humana).  Alguns grupos de cristãos, principalmente da Palestina, Síria e Egito, inclinados ao monofisismo (insistiam numa só natureza de Cristo após a encarnação), repudiaram a doutrina da “união hipostática” (unidade da pessoa de Cristo em duas naturezas) e formaram as chamadas igrejas “não-calcedonianas”: a igreja armênia, a igreja copta e a igreja sírio-jacobita. A controvérsia ganhou o nome de “cisma acaciano”, uma referência ao patriarca Acácio de Constantinopla, autor de um documento que visava solucionar a controvérsia monofisista. A ambigüidade do texto acabou expondo Acácio à excomunhão e contribuindo para acentuar as diferenças entre Roma e Constantinopla.

Por terem se mantido fiéis à doutrina adotada pelo imperador romano (apesar de situados geograficamente no Oriente), um grupo de cristãos sírios ganhou o apelido pejorativo de melquita (maliki, em árabe; melekh, no siríaco e no hebraico = rei).

É importante frisar que o cristianismo nunca experimentou plena unidade. Paulo em sua carta aos Coríntios já se mostrava incomodado com a existência de grupos com tendências diferentes:
...cada um de vós diz: eu sou de Paulo; ou, eu de Apolo; ou eu sou de Cefas; ou, eu de Cristo. Será que Cristo está dividido? (1Co 1,12-13) 
Este registro feito por Paulo revela a tendência dos fiéis em seguirem os fundadores das comunidades das quais faziam parte. Comunidades cristãs estabelecidas no Oriente pelos demais discípulos desenvolveram patrimônio litúrgico e teológico próprios ao longo dos primeiros séculos, constituindo um enorme obstáculo para a unidade da Igreja.

Parte dos melquitas, separados de Roma em 1054 juntamente com os ortodoxos, reconciliou-se com o papado no ano de 1684. São chamados de uniatas: praticam o rito oriental, liderados por um patriarca, mas são filiados à igreja católica. Como minoria na Síria, os melquitas tendem a apoiar o governo de Bashar  al Assad, uma vez que o ditador garante a liberdade religiosa no país.



Jones F. Mendonça

sábado, 2 de novembro de 2013

TEXTOS UGARÍTICOS DE RAS RHAMRA [DOWNLOAD GRATUITO]

A partir de 1929, no norte da Síria (Ras Shamra), foram sendo descobertos antigos textos em ugarítico (um dialeto cananeu) que revelam a vida cultural e política da região no segundo milênio a.C. Os textos, escritos em placas de barro, contém mitos e poemas épicos, fábulas, documentos comerciais e legais, textos de presságios e de rituais. 

Particularmente interessante é um poema épico de Baal em cujas linhas aparece uma série de figuras importantes da mitologia Cananeia também presentes na Bíblia hebraica. O deus El, por exemplo, surge como chefe da assembleia divina, assim como elohim (Deus de Israel), no Salmo 82,1: “Elohim está na assembleia de El; julga no meio dos elohim”. Outras divindades que aparecem no poema e estão presentes na Bíblia hebraica são Yam (Jó 38,8), Mot (Jó 28,22), Lotan e Tanin (cf. Sl 74,13; Jó 3,8; 40,25), Shahru (em hebraico Shahar, cf. Is 14,12), Shalmu (hebraico Shalem, cf. Gn 14,18; Sl 76,2) e Rashpu (o Nergal acadiano, em hebraico reshef, cf. Dt 32,24; Hab, 3,5; Sl 76,3; Jó 5,7; Ct 8,6).

Você pode fazer o download do livro: “Religious Texts from Ugarit”, de Nicolas Wyatt, contendo uma série de textos descobertos em Ugarit aqui.

O crédito notícia do download gratuito vai para Jim West (Zwinglios Redivivus), via Airton José (Observatório Bíblico).


Jones F. Mendonça