sexta-feira, 30 de maio de 2014

ETERNO RETORNO

Lá do alto viu Paulo de Tarso atravessando mares e arriscando a vida pelo Crucificado. Conheceu Clemente Romano, Orígenes, Cipriano, Agostinho. Examinou com atenção os textos de Boécio, Anselmo, Erígena, Alberto, chamado “o Magno”. Acompanhou a igreja entusiasmada com a philosophia aristotelico-tomisticaeObservou a atuação dos guardiões da ortodoxia. A queima de hereges, o incêndio de livros, o falso zelo pela castidade, os pecados do clero.

Viu Occam escrever tratados sobre a separação entre o Estado e a Igreja. Riu dos textos sarcásticos de Erasmo contra o papa. Viu Lutero divulgar suas 95 teses contra as indulgências e leu seus textos anunciando a tão sonhada liberdade. Examinou as Institutas, as confissões doutrinárias, o catecismo da Reforma, a guerra religiosa que queimou hereges que não seguiam a cartilha protestante. Lamentou a morte de camponeses, de judeus, de huguenotes, de católicos, de Servetto. Tudo igual.

Viu nascer pietistas e puritanos zelando pela simplicidade e pureza. Batistas e presbiterianos cultivando um espírito democrático. Estava lá, quando Pentecostais, portando o fogo do Espírito, reuniram multidões num gozo celeste. Frequentou cultos neopentecostais, prometendo dinheiro no bolso e carro novo. Acompanhou o crescimento dos “sem igreja”, decepcionados com a institucionalização da fé.

Observou tudo isso sentado em seu trono celeste. Após cerca de dois mil anos viu-se abatido por um profundo tédio. Pediu a São Jerônimo uma folha de papel, uma caneta, e tratou de escrever poemas.  Multiplicou-os com seu poder e lançou-os na terra sob o estrondo de raios e trovões. Mas era tarde demais. Não conseguiam ler poesia. Foram cegados pela ortodoxia. 


Jones F. Mendonça

sábado, 24 de maio de 2014

LETRAS FÚNEBRES

Enfiaram-lhe adentro dos orifícios do corpo pequenos dogmas infalíveis. Belas letras escritas em ouro no elegante idioma dos latinos. As letras sacras foram parar no estômago, entraram na corrente sanguínea, na pele, nos cabelos, no cheiro que exala de seu corpo vil. Converteu-se, enfim, à doutrina ortodoxa. Por fora, um santo. Por dentro, apenas letras fúnebres...



Jones F. Mendonça

SERVETTO, CASTELLIO, CALVINO E O "CONSELHO DOS SANTOS"

Na Europa do século XVI viveu um espanhol errante chamado Miguel de Servetto. Nome de anjo, fama de diabo, era visto como herege pelos teólogos-protestantes-de-reta-doutrina de Genebra.

Miguel cria que o Pai era um somente. Entendia que o Filho e o Espírito eram aspectos diversos de uma mesma pessoa. Rejeitava o credo Atanasiano segundo o qual "não devemos confundir as pessoas nem dividir a substância". Para piorar cismou de dizer que a Palestina é uma terra seca, aparentemente contrariando o texto que diz que por aquelas bandas o leite e o mel brotam da terra.

Calvino subiu nas tamancas: “se aparecer por aqui, não permitirei que saia vivo!” O infeliz acabou capturado e conduzido ao Conselho de Genebra, formado por um tipo de gente capaz de tudo para preservar suas doutrinas de papel.

O nome completo da vítima: Miguel de Servetto. A alcunha do algoz: Calvino. A data: 1553. O tipo de execução: as chamas. Se alguém levantou a voz contra isso? Sim, Sebastian Castellio, um herege que tinha a compaixão - mas não a "sã doutrina" - no coração.


Jones F. Mendonça


terça-feira, 20 de maio de 2014

O BEIJO

Tendas rubras que se abrem são os lábios.
Balizas de marfim são os dentes.
A língua é tapete.
Tudo é convite.


Jones F. Mendonça

CONTRA O IDEALISMO

Desde Platão os homens pensam que o mundo é fruto das ideias (idealismo). Todos os projetos humanos sairiam de sua cabeça, do “mundo das ideias”. O erro do idealismo: confundir causa com efeito. O remédio proposto por Marx: compreender que as ideias é que são fruto do mundo e não o contrário. Trata-se de um remédio bem amargo, é verdade.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 16 de maio de 2014

PINTANDO EM NUVENS

O sujeito evangélico usa uma frase do católico G. K. Chesteston para defender a ortodoxia. Esquece-se, todavia, que o protestantismo foi considerado uma heresia cristã pela cúria romana no século XVI. Questão: a tese do pensador católico defendendo a ortodoxia também é legítima quando empregada pelos “hereges”? 

Defender a ortodoxia é como pintar em nuvens. Isso porque ortodoxia e heresia são conceitos do tipo gelo de lago no início da primavera, frágeis que só...



Jones F. Mendonça

PANDEMIA, LEGIÃO E CARDUME

Quem tenta interpretar o mundo a partir de seu próprio mundo incorre em grave erro: toma o particular como se fosse o geral. Transforma endemia em pandemia, vê soldado como se fosse legião, sardinha como se fosse cardume. Remédio: observar o mundo de cima. Ah, mas subir dá tanto trabalho...



Jones F. Mendonça

terça-feira, 13 de maio de 2014

NÃO HÁ DRAGÕES ALÉM DO HORIZONTE

Fala-se aqui e ali do aumento da imoralidade. Trata-se de uma tese sem fundamento. Quem vasculha os alfarrábios da história sabe que a pedofilia e a relação homoafetiva já eram aceitas na antiga sociedade grega. Não se dão conta de que há uns poucos anos meninas de 14 anos eram casadas contra a sua vontade no Brasil com homens bem mais velhos (o Decreto nº. 181/1890 fixou a idade mínima de 14 anos para as mulheres). Era uma espécie de prostituição infantil aceita pelo Estado e pela sociedade em geral. O que mudou mais não foram os atos, mas os olhos de quem vê (o sensacionalismo de Datena e o moralismo de Malafaia ajudam a embaçar os olhos).

Caso lessem com atenção os livros de história veriam que as guerras do passado matavam muito mais, que os reis da antiguidade degolavam seus filhos com medo de traição, que em terras ditas “civilizadas” as crianças eram tratadas como animais de estimação, que os atletas gregos competiam nus, que se um indivíduo professasse a religião “errada” era lançado aos leões ou tinha seus bens confiscados. Dessem uma olha dos arquivos televisivos da década de 80 veriam que as roupas daquela época mostravam muito mais o corpo do que hoje (quem se lembra do short Suzi?). O erro dos moralistas precipitados: analisar a história do mundo a partir de um tempo particular. Olham para o umbigo pensando que estão contemplando o universo. Um remédio para os olhos e para o cérebro: desligar a TV.  



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 12 de maio de 2014

PSICOLOGIA DE BOTECO

O sujeito é comunista: tem inveja dos ricos. O sujeito é capitalista: tem ódio dos pobres. O sujeito vive sorrindo: esconde uma tristeza profunda. O sujeito vive triste: tem medo de ser feliz. O sujeito rejeita o sistema de cotas: é racista. O sujeito apoia o sistema de cotas: é petralha. O sujeito faz academia: compensa sua baixa auto-estima fortalecendo o corpo. O sujeito troca a malhação pelos livros: compensa sua baixa auto-estima fortalecendo a mente. O sujeito gosta de carro grande: tem pênis pequeno. O sujeito gosta de carro pequeno: esconde um ego grande. O sujeito é religioso: é neurótico. O sujeito é ateu: alimenta um desejo de negação. O sujeito é homossexual: foi violentado na infância. O sujeito é heterossexual: no fundo é gay.

A psicologia barata transforma todos em loucos, como no famoso conto de Machado de Assis...


Jones F. Mendonça

sábado, 3 de maio de 2014

SOMOS TODOS POLÊMICOS

“Todos viemos do pó e a ele retornaremos”: perspectiva judaico-cristã. “Todos seremos comidos pelo bicho da terra”: versão vulgar. “Todos somos deuses”: percepção hindu. “Todos temos a centelha divina”: perspectiva gnóstica. “Todos somos filhos das estrelas”: concepção científica. “Todos temos um ancestral comum”: perspectiva darwinista. “Todos somos macacos”: Perspectiva do Neymar. No fundo (cada qual com sua crença) todos querem dizer a mesma coisa: todos somos iguais.


Uns fizeram uso político. Outros viram uma oportunidade para ganhar uns trocados. E deu essa polêmica toda...


Jones F. Mendonça