terça-feira, 31 de dezembro de 2013

FRAGMENTOS DA TEOLOGIA REFORMADA [PROVOCAÇÕES]

A retomada da teologia agostiniana pelos reformadores trouxe de volta antigas questões. Como explicar a presença do mal no mundo? Como o homem pode ser responsabilizado por suas faltas se no fundo correspondem aos decretos divinos? Se a soberania de Deus é absoluta qual o papel do diabo e dos humanos?

Para Lutero não há vácuo de poder. Todo o poder é poder de Deus. Daí a frase: “o diabo é o diabo de Deus”. Tal ênfase levou o reformador a dizer: “não sei se Deus é o diabo ou se o diabo é Deus”. Lutero percebeu uma dimensão “demoníaca” no sagrado (o tema é amplamente discutido por Jung e Tillich). É o “Deus que trucida”, que “como o fogo consome uma casa”, que “nos atormenta e nos tortura sem se importar conosco”. O reformador rejeitou totalmente o dualismo. Deus, uma espécie de déspota volúvel.

Calvino, como Lutero, via Satanás como absolutamente sujeito aos decretos divinos. Não age com a permissão de Deus, mas de acordo com sua vontade. É a ação divina na ação do diabo. Ocorre que para Calvino a dimensão “demoníaca” do sagrado é totalmente repudiada. A lei, o juízo, a santidade e a pureza são temas bastante presentes na teologia calvinista. O mesmo Deus que decreta o pecado é o Deus que odeia esse pecado. O resultado: um temor quase neurótico do impuro.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

NATAL

Ano zero, início do calendário cristão: Herodes, pastores, magos do Oriente, presentes inauditos, estrela no céu, manjedoura na terra. Nasce Jesus, o belemita, da estirpe de Davi. Jesus rei asceta que a tradição consagrou.

Terra de gentios, homem de Nazaré no tempo do Augusto César. Peregrino na Galileia, confins de Zabulom e Naftali. Discípulo do João que batiza nas águas barrentas do Jordão. Que anuncia um reino terreno sem templo, sem sacerdotes e sem o servilismo imperial. Jesus da história que a igreja apagou.

Jesus da bênção, Jesus das sandálias desbotadas.  Jesus do céu, Jesus da terra. Jesus do kerigma, Jesus da história. Jesus de todos nós.


Jones F. Mendonça


segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O NOVO TESTAMENTO DE ERASMO NA BIBLIOTECA NACIONAL

André Fonseca, meu aluno, dá aula de inglês no centro do Rio. Entre um aula e outra acabou dando um pulinho na Biblioteca Nacional. Examinou três edições do Novo Testamento grego de Erasmo de Roterdã: 1516, 1527 e 1543 (sim, a Biblioteca Nacional possui esses exemplares e podem ser manipulados por você!). 

Algumas de suas observações podem ser lidas aqui


Jones F. Mendonça

sábado, 21 de dezembro de 2013

HISTÓRIA DA ARTE: EGITO ANTIGO


Aos interessados na arte egípcia recomendo "A history of art in ancient Egypt, Vol. I e II, no projeto Gutemberg. Destaque para o capítulo IV - a arquitetura sagrada do Egito. A figura 210, por exemplo, mostra um interessante tabernáculo portátil egípcio da 19ª dinastia.


Download gratuito aqui. 




Jones F. Mendonça

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

ESPERTINHOS

Durante o festival Yadnya Kasada devotos hindus lançam oferendas na cratera do monte Bromo, Indonésia. Alguns espertinhos, aproveitando-se da ocasião, posicionam-se na borda da cratera com o objetivo de coletar as iguarias arremessadas pelos devotos. 

Foto: The Atlantic

Jones F. Mendonça

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

AS FESTAS JUDAICAS NO EVANGELHO DE JOÃO

"e era inverno" (Jo 10,22). Foto: YNet

Jo 5,1  Depois disso havia uma festa dos judeus; e Jesus subiu a Jerusalém (Pentecostes? Purim? Trombetas?).

Jo 6,4  Ora, a páscoa, a festa dos judeus, estava próxima (mês de nisan=mar/abr).

Jo 7,2  Ora, estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos (mês de tishri=set/out).

Jo 10,22  Celebrava-se então em Jerusalém a festa da dedicação (Hanukkah). E era inverno (mês de kislev=nov/dez).

Jo 19,14  Ora, era a preparação da páscoa, e cerca da hora sexta. E disse aos judeus: Eis o vosso rei (mês de nisan=mar/abr).

Mais sobre as festas judaicas aqui e aqui.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

NOVA IMAGEM DE CABEÇALHO [CARAVAGGIO]

Decidi mudar a imagem de cabeçalho do Blog. Voltei com o belíssimo "São Jerônimo escrevendo", de Caravaggio. O artista adorava sombras e tons escuros. Um crânio está sobre a mesa, contrapondo-se à imagem do autor da Vulgata Latina, alusão à caducidade das coisas. 



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

DE REIS, SACERDOTES, PROFETAS [E LADRÕES]

Na Bíblia hebraica reis, sacerdotes e profetas geralmente são tratados com respeito. Mas nos chamados “livros proféticos” as manifestações críticas às cerimônias religiosas mortas e aos líderes mercenários e egoístas são abundantes. Amós, por exemplo, critica sem pudor os reis (e suas esposas, aquelas “vacas”, cf. 4,1), sacerdotes e até profetas.

Isaías critica os jejuns artificiais e os cultos hipócritas (1,13-14; 58). Denuncia os crimes cometidos pelos “príncipes rebeldes e companheiros de ladrões” (1,23). O profeta enxerga o Israel de seu tempo como sendo composto por pessoas muito preocupadas com o “culto solene” e ao mesmo tempo indiferentes aos desamparados como órfãos e viúvas.

Oseias não mede palavras para denunciar reis corruptos (5,1) e “sacerdotes assassinos que matam no caminho para Siquém” (6,9). “Quero misericórdia e não sacrifícios” (6,6), proclama o profeta, filho de Beeri.

Miqueias acusa os “cabeças de Jacó” (líderes de Israel) de abominarem o juízo e perverterem o direito (3,9).  Chama os sacerdotes de “interesseiros” e os profetas de “mercenários” (Mq 3,11).

Diante da injustiça que toma conta de Israel, Amós expõe aos quatro ventos a inutilidade das festas religiosas, das reuniões solenes, dos sacrifícios e dos cânticos, tornados desprezíveis diante de um cenário no qual impera o suborno, os pesados tributos sobre o pobre e o abandono dos necessitados à porta (5).  

Malaquias, conhecido apenas pelo versículo “trazei todos os dízimos à casa do tesouro” (3,10), faz graves denúncias aos sacerdotes que “tropeçam na lei” (2,8) fazendo acepção de pessoas (2,9).  Vaticina que o excremento dos animais sacrificados será lançado em seus rostos e que serão considerados tão imundos quanto esses dejetos fétidos (2,3, cf. Lv 4,11).

Hoje você denuncia aquele “profeta ladrão”, aquele “sacerdote explorador”, aquele “rei ungido” que usa a política para manipular fiéis ingênuos, aquele “levita” que enriquece às custas de fãs transloucados e é tido como herege. Dois mil anos e pouca coisa mudou...



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O ORIENTE MÉDIO E OS BASTIDORES DA DIPLOMACIA

De acordo com diversos analistas os EUA tem se afastado gradativamente dos problemas do Oriente Médio. Supõem que o motivo seja sua auto-suficiência em petróleo. O Irã está cada vez mais perto de conseguir um artefato nuclear e o país de Obama mostra-se tímido nas negociações. Israel e Arábia Saudita fazem alarde. Caso consiga produzir uma artefato nuclear os dois países serão alvos em potencial.

Pessoalmente duvido muito que o Irã tenha a intenção de atacar qualquer país vizinho, mesmo sendo liderado por radicais xiitas. O que o país persa quer é construir uma blindagem contra ações militares estrangeiras em seu território e conquistar a hegemonia na região. Mesmo que obtenha sucesso não terá ainda mísseis capazes de atingir países como os EUA, mas os vizinhos que se cuidem.

Em Israel já se fala no fim da parceria EUA/Israel (leia este artigo publicado no Haaretz, 05/12/13). Lembro que um dos principais aliados dos EUA no Oriente Médio já foi – acreditem - o Irã. Depois da revolução islâmica, em 79, a aliança se desfez e Israel foi se fortalecendo cada vez mais como parceiro político. Estaria Israel temendo perder privilégios para os iranianos?

Guga Chacra, do Estadão, duvida que a aliança EUA/Israel esteja no fim (leia aqui). Ele chega a especular um alarde exagerado do primeiro ministro israelense a fim de facilitar o acordo entre Obama e Rouhani. Os protestos inflamados de Natanyahu seriam pura encenação planejada em coordenação com Washington, visando pressionar a ala mais radical do Irã a dar carta branca para Rouhani nas negociações. Será?

Certo mesmo é que o cenário no Oriente Médio dá sinais de mudança. O futuro, no entanto, continua incerto. Você tem um palpite?


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O FUNDAMENTALISTA

Você diz que adora chocolate. Ele se apressa: “adorar só a Deus”. Você diz que Pelé é o rei do futebol. Ele não perde tempo: “rei é nosso Senhor Jesus Cristo”. Você diz que está com dor. Vem um versículo: "Ele levou sobre si as nossas dores". Você espirra. Ele grita: "sai demo!"

Sujeito chato!



Jones F. Mendonça

JESUS, HUMANISTA ANTES DO HUMANISMO

Pouco antes de divulgar suas 95 teses contra as indulgências, em 31 de outubro de 1517, Lutero escreveu 97 teses contra a escolástica. Em sua tese 50 o reformador alemão chegou a dizer que “Aristóteles está para a teologia como as trevas estão para a luz’. Mas o fantasma do filósofo grego desprezado pelo reformador não iria deixar seus continuadores em paz.

Foi-se Lutero, foi-se Zwínglio, foi-se Calvino e algumas lacunas deixadas pelos reformadores logo passaram a ser alvo da investigação minuciosa da ortodoxia luterana e calvinista. A lógica de Aristóteles voltava à cena com trajes de gala e cabelo engomado.

No âmbito calvinista, por exemplo surgiram discussões tão proveitosas quanto a natureza sexual dos anjos. Os teólogos reformados não conseguiam dormir pensando em qual teria sido a ordem lógica dos decretos de Deus. Os supralapsarianos (supra = antes + lapso = queda) entendiam que o decreto da predestinação ocorrera antes da queda. Para os infralapsarianos (infra = abaixo, depois) o decreto da predestinação deve se situar depois da queda. Coisa muito útil.

Entre os luteranos a coisa descambou para outro lado. As conclusões de Galileu a favor do heliocentrismo, por exemplo, deixaram Valentin Ernst Löscher com uma baita dor de cabeça. Ele defendeu que o que se chama “escolástica luterana”, propondo uma reformulação da metafísica de Aristóteles. Löscher achava que as observações feitas por meio dos telescópios não eram confiáveis, afinal foram feitas pelos olhos de um pecador (!). Lessing deu boas risadas desse argumento. Houve ainda uma certa obsessão por confissões doutrinárias. Sobraram discussões a respeito da ceia, da união hipostática e da predestinação.  

Século XXI e de modo geral os protestantes continuam obcecados por doutrina. E pensar que mesmo o Jesus do kerigma, aquele anunciado por seus seguidores nas linhas dos evangelhos, não se mostrava preocupado com formulações teológicas sofisticadas e rígidas. Em uma de suas falas enfatizou que não se deve colocar a doutrina acima do homem: “o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado”. Foi humanista antes do humanismo. Mataram-no.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

QUANDO O SOL ABRAÇAR O SHEOL

Daqui a cinco bilhões de anos o combustível do sol vai se exaurir. O astro rei irá se tornar uma gigante vermelha e engolirá os planetas mais próximos. A terra se converterá num pavio fumegante. Depois da exuberante expansão - seu último suspiro - o sol irá se contrair até se tornar uma opaca e densa anã branca. A terra, agora sem lastro, vagará seca e morta pelo infinito vazio.

GIGANTE VERMELHA
Horizonte em mil sóis,
Lavas rubras flertando indóceis o último quinhão da energia
Fogo ardente em convulsão, réquiem da agonia.
É o sol deitando em seu esquife, para não sorrir jamais.



Jones F. Mendonça