terça-feira, 26 de maio de 2015

O ANTIGO TESTAMENTO PARA AUTODIDATAS

Quem se interessa por teologia do AT, mas não tem tempo ou paciência para frequentar aulas presenciais (olha aí, Pedro Mendes), pode fazer isso nas horas vagas, adquirindo alguns livros sobre cada matéria. Abaixo algumas disciplinas/livros que em minha opinião serão indispensáveis a quem quer iniciar os estudos do AT:

Introdução ao AT: em minha análise o melhor livro sobre o tema é “Introdução ao Antigo Testamento”, de Werner Schmidt. Como o próprio título sugere, a obra pretende apresentar alguns aspectos gerais do AT: estrutura da Bíblia hebraica, cânon, processos de redação dos livros, história de Israel em períodos, profetismo, poesia, sabedoria, etc. Outra obra interessante é “Introdução ao Antigo Testamento”, de Erich Zenger (destaque para a formação do Pentateuco). Um livro específico e muito didático sobre o processo de formação do AT é “A formação do Antigo Testamento”, de Rolf Rendtorff (é possível encontrar o texto completo na rede em formato PDF). 

Teologia do AT: As teologias bíblicas, diferentemente do que fazem as introduções, focam no desenvolvimento da religião de Israel ao longo da história e nas diversas tradições que muitas vezes entram em conflito entre si. Destaco duas obras: “A fé no Antigo Testamento”, de Werner Schmidt, e “Teologias no Antigo Testamento”, de Erhard Gerstenberger. Autores como Georg Fohrer dividem o estudo do AT em “história da religião de Israel” (religião de Israel numa perspectiva histórica) e “Estruturas teológicas fundamentais do Antigo Testamento” (religião de Israel numa perspectiva temática). 

Obras sobre temas específicos ligados ao AT: depois de ler as “introduções ao AT” as “teologias do AT”, será mais fácil digerir obras mais específicas (algumas vezes, densas!), tais como “Sacrifício e culto no Israel do Antigo Testamento”, de Willi Plein, “A fórmula da aliança” de Rolf Rendtorff, “Instituições de Israel”, de Roland de Vaux, “Abraão e sua lenda”, de Walter Vogels (mais aqui), “Introdução socioliterária à Bíblia hebraica”, de Norman Gottwald, e “As tribos de Javé, uma sociologia da religião de Israel liberto: 1250-1050 a.C.”, do mesmo autor. 

Obras clássicas sobre o AT (teologia do AT): Algumas obras, embora antigas (início e meados do século XX), ainda exercem influência em nossos dias. Destaque para: “Teologia do Antigo Testamento”, Walter Eichrodt e “Teologia do Antigo Testamento” (dois volumes), de Gerhard von Rad. Não é difícil encontrar esses livros na rede em PDF (geralmente em espanhol). 

História de Israel: Um livro agradável, curto, mas uma boa dose critica é “História do povo de Deus”, de Euclides Balancin (perspectiva da teologia da libertação). Obra classificada como “conservadora”, mas ainda muito influente é “História de Israel”, de John Bright. Para um trabalho mais crítico vale ler “História de Israel e dos povos vizinhos”, de Herbert Donner. Um livro extremamente crítico (perspectiva minimalista) é “Para além da Bíblia”, do assiriólogo Mário Liverani. Em tempo: quando digo que uma obra é “crítica”, estou dizendo com isso que o autor leva em conta o longo e contínuo processo redacional ao qual foi submetido o AT. Nessa perspectiva o relato da criação, por exemplo, é visto como obra tardia (depois do século VI a.C.), inserido como prefácio do que mais tarde se tornou o livro de Gênesis. 


Exegese do AT: Merecem atenção duas obras: “Metodologia do Antigo Testamento”, de Simian-Yofre (um livro teórico) e “A Bíblia à luz da história: guia de exegese histórico-crítica”, de Odette Mainville (um livro prático, difícil de achar). 

Hebraico bíblico: Das obras mais simples para as mais completas: “Noções básicas de hebraico bíblico”, de Rosemary Vita e Tereza Akil, “Hebraico bíblico, uma gramática introdutória”, de Page Kelley (obra muito didática e com bom conteúdo),“, e o clássico “Geseniu’s hebrew grammar”, de Wilhelm Gesenius (download gratuito). Obs: aprender hebraico sozinho, sem o auxílio de um professor, é tarefa árdua que exige disciplina. Uma dica: aprenda o alfabeto (22 consoantes) mais os sinais vocálicos (cerca de dez sinais). Se após essa tarefa você estiver conseguindo ler (ainda sem entender) o texto hebraico, terá caminhado 40% do percurso. Quer mais algumas dicas? Dê uma olhada aqui e aqui



Quando me sobrar um tempo faço nova lista com sugestões de leitura para outras disciplinas. 



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 21 de maio de 2015

MONOTEÍSMO E MONOGAMIA

Mulheres com o rosto borrado no jor-
nal ultra ortodoxo B'Hadrei Haredim.
O cristianismo já nasceu monogâmico. A razão é simples: como a poligamia não era aceita no mundo greco-romano, “ser marido de uma só mulher” passou a ser o modelo adequado de relação conjugal (orientação aos epískopos, cf. 1Tm 3,2). Numa perspectiva econômica (romana) a monogamia concentrou a riqueza e diminuiu o número de herdeiros. Cabia à mãe gerar filhos (matrimonium = mater, mãe + monium, ofício) e ao marido gerar bens (patrimonium = pater, pai + monium, ofício). Numa perspectiva religiosa (cristã), passou a ser vista como mandamento divino e o sexo – já bem cedo - tido como exclusivo à procriação (p. ex. Justino Mártir, Apol I, 29; Clemente de Alexandria, Pedágoge II, 10).

Embora muita gente não se dê conta, o abandono da poligamia no judaísmo foi um processo lento. Joachim Jeremias, em seu “Jerusalém no tempo de Jesus” (pp. 131-136 e 486) registra - citando diversos documentos judaicos - a prática da poligamia entre judeus na Palestina do primeiro século (e até mesmo no início do século XX!). Mas a vida na Europa forçou muitos judeus a se adequarem ao modelo familiar monogâmico cristão. A poligamia foi sendo abandonada gradativamente até que foi definitivamente condenada num "sínodo" realizado em Worms, no século XI. Nessa assembleia, dirigida pelo erudito talmúdico Gershon ben Yehudah (960-1028) e constituída por cem rabinos, foi proferida uma anátema contra todo o israelita que, no futuro, tivesse mais de uma esposa (um pouco mais sobre o assunto aqui).

A crença na “superioridade moral” do judaísmo sobre o islamismo no que diz respeito ao trato dispensado às mulheres parece-me um equívoco, principalmente quando a fonte de comparação baseia-se no contraste entre o Estado de Israel (tradição judaica) e os demais países do Oriente Médio (tradição muçulmana). Ora, Israel foi povoado por imigrantes pertencentes a duas categorias principais: 1) judeus desejosos por criar uma nova cultura judaica em bases seculares; 2) judeus de base religiosa tradicional. A difusão de valores ocidentais baseados em princípios de liberdade, igualdade e fraternidade ganharam espaço graças a esses imigrantes de base secular. Isso torna Israel um país singular no Oriente Médio, mas essa singularidade não tem sua origem na religião. No Estado judeu a mulher goza de um status mais elevado que nos países vizinhos não por causa da religião judaica, mas devido à influência das ideias iluministas importadas do solo europeu.

Em religiões nas quais Deus é Uno e é Pai, o que resta às mulheres senão um papel secundário?


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 14 de maio de 2015

QUANDO, POR QUEM E POR QUE O LIVRO DE ATOS FOI ESCRITO?

1. Uma vez que o livro de Atos faz silêncio em relação ao julgamento de Paulo, há quem pense que foi redigido entre 58-60 d.C. Teria sido escrito por Lucas, testemunha ocular dos acontecimentos narrados no livro, uma vez que foi companheiro de Paulo em algumas viagens (Col 4,14; 2Tm 4,11 e Fm 1,24.)

2. A maioria dos estudiosos modernos, no entanto, defende uma data mais recente, entre 80 e 90 d.C. Destacam que a destruição de Jerusalém e seu templo, em 70, não é mencionada em Atos. O autor de Atos também parece ignorar as cartas de Paulo, o que sugere que ainda não haviam sido difundidas até o momento da redação do livro.

3. Um terceiro grupo de estudiosos prefere uma data final de composição para 110 a 120 d.C. São três as razões: 1) Atos parece ser desconhecido antes da última metade do segundo século; 2) O autor de Atos parece familiarizado com os escritos de Josefo, que completou suas “Antiguidades judaicas” em 93-94 d.C.; 3) Ao contrário do que pensam os defensores da redação entre 80 e 90, haveria indícios de que as cartas de Paulo - particularmente Gálatas - era conhecida pelo autor de Atos. Mais que isso: Gálatas teria sido considerada um problema para o autor de Atos, que “o escreveu para subvertê-la”.

Para conhecer os argumentos deste terceiro grupo de estudiosos, leia o artigo “When and Why Was the Acts of the Apostles Written?”, por Joseph B. Tyson, no The Bible and Interpretation. Para o autor, Atos tenta enfraquecer a autoridade de Paulo, e seria um “texto anti-marcionita” (de “Marcião”, cristão que dentre outras coisas defendia Paulo como único apóstolo legítimo). O autor não me convenceu, mas acho que o texto merece ser lido. 



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 7 de maio de 2015

DEBATE SOBRE CRISTOLOGIA NO STBC

Na terça passada, dia 05/05/15, o STBC promoveu um debate sobre cristologia. Os debatedores: Prof. Humberto Macharetti (Alta cristologia), Prof. Renato Soares (o Messias e o Cristo), Prof. Elber Macharetti (Cristianismo e cultura) e eu (Baixa cristologia). 

A cada professor foi dado o tempo de 20 minutos para expor o seu tema. Ao fim dos 80 minutos foram iniciados os debates com perguntas feitas pelos ouvintes. Em breve postarei aqui no Numinosum o texto de minha apresentação para apreciação e críticas (atualização: já postado, acesse clicando aqui). Por hora, a tela inicial dos meus slides:




segunda-feira, 4 de maio de 2015

AUTORIDADE E JUSTIÇA

Zé Bobinho faz festa quando um policial dá um tapa na cara de um sujeito que ousou desobedecê-lo. Ele diz: “quem mandou questionar uma autoridade policial”. Entendo como funciona a mente de Zé Bobinho. Em sua escala de valores mais vale a autoridade que a justiça. Aliás, desconfio que ele sequer seja capaz de diferenciar uma coisa da outra.  


Jones F. Mendonça