sexta-feira, 28 de maio de 2021

CALVINISMO E ESTOICISMO

1. Em suas Institutas, Calvino rejeita a acusação, já feita a Agostinho, de que a doutrina da Providência seja uma versão cristã “do dogma do destino estoico” (Livro I, XVI, 8 ).

2. Ele não nega certas semelhanças entre as duas doutrinas, mas insiste que a Providência estoica aparece relacionada à Natureza/Razão Universal, diferentemente da doutrina que ele prega, segundo a qual “Deus é árbitro e moderador”.

3. Daí ele conclui: “afirmamos que não só o céu e a terra, e as criaturas inanimadas, são de tal modo governados por sua providência, mas até os desígnios e intenções dos homens, são por ela retilineamente conduzidos à meta destinada”.

4. E aqui, claro, devem ser inseridos os desígnios pecaminosos do primeiro casal. Meio louco isso, não?


Jones F. Mendonça

FÍLON E A MAMADEIRA FÁLICA

1. Fílon foi um sábio judeu que viveu no primeiro século antes da era cristã, em Alexandria, no Egito. O judaísmo professado por Fílon era fortemente influenciado pela filosofia grega e, de maneira geral, pela cultura dos gregos.

2. Em “Leis III, 31”, Fílon trata, dentre outras coisas, a respeito do comportamento das mulheres em público. Ele diz, por exemplo, que uma mulher jamais deve se meter em uma briga na qual se envolveu seu marido.

3. A razão é a seguinte: imagine – ele diz – que coisa chocante seria, se essa mulher, ao tentar separar os corpos que brigam, agarrasse no órgão genital de um dos homens. Sim, é isto mesmo o que você leu.

4. Quem quiser entender essa obsessão por mamadeiras fálicas, por torres fálicas da Fiocruz, deve começar a cavar por aqui...

Leia "Leis Especiais" de Fílon aqui (e divirta-se):


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 26 de maio de 2021

RECURSOS BÍBLICOS ONLINE E GRATUITOS

Mark Hoffman publicou em seu Blog – Biblical Studies and Technological Tools – uma lista contendo uma série de recursos bíblicos online e gratuitos. A lista, publicada em 14 de abril de 2021, é uma atualização de uma relação postada em 2018. Ele destaca que para um estudo mais aprofundado será preciso pagar por softwares com o Acordance, o Logos ou o OliveTree. Aos interessados na lista, cliquem aqui.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 10 de maio de 2021

GÊNESIS, ESTOICISMO, ALEGORIA E MORAL ASCÉTICA

1. Qualquer pessoa que leia bem, com atenção, perceberá que a falta cometida pelo primeiro casal, tal como registrado no Gênesis, é o orgulho, o desejo pela autonomia absoluta ou, como dizia Jacques Le Goff, a tentativa de “despossuir Deus de um de seus atributos mais determinantes”. Um leitor judeu no século IV a.C., por exemplo, entenderia que para não cometer o mesmo erro, deveria se submeter à Torah, a palavra de Javé entregue a seu povo escolhido.

2. Embora nem o AT nem o NT sugiram que o pecado original foi um pecado de ordem sexual, essa novidade foi introduzida bem rápido produzindo uma verdadeira diabolização do sexo e da mulher. Parte dessa postura vem do estoicismo e do neoplatonismo, como se pode ver nas Confissões e na Cidade de Deus de Agostinho de Hipona. O que também ajudou os padres nessa tarefa foi a exegese alegórica, que facilmente podia transformar a digestão do fruto proibido em cópula sexual.

3. Essa obsessão pelos chamados “pecados sexuais”, pela desclassificação da mulher, ainda ecoa com força na retórica evangélica fundamentalista de nosso tempo. A negação do sexo, do corpo e, portanto, da vida, foi intensivamente denunciada por Nietzsche na segunda metade do século XIX. Rubem Alves, que era bom leitor do filósofo, resumiu essa postura ascética dizendo que para esses religiosos “negar o mundo é o mesmo que negar a vida”.

4. Essa teologia não seria tão danosa caso se contentassem em negar sua própria vida, tal como faziam os anacoretas dos primeiros séculos. Mas querem enjaular os outros, subtrair dos outros a opção de escolha, de autorrealização. É, portanto uma teologia DE morte e PARA a morte.


Jones F. Mendonça

DOMICIANO E O APOCALIPSE

Boa parte dos comentários sobre o Apocalipse diz que Domiciano – imperador romano que governou entre 81 a 96 d.C. – foi um grande perseguidor dos cristãos. A fonte usada para atestar essa grande perseguição vem de Eusébio, autor de “A história da Igreja”, obra do IV século. A tradição foi ampliada por Osório (falecido em 420) e acabou aceita como fato histórico até mesmo em determinados círculos acadêmicos. Mas de acordo com Mark Wilson, em texto publicado no Biblical Archaeology Society, há boas razões para duvidar dessa história.


Jones F. Mendonça

SOBRE MEMÓRIA, IDENTIDADE E SAUDOSISMO

1. O saudosismo está na moda. Mania de achar que carro bom era o Fusca, tênis bacana era o Kichute, futebol de verdade era aquele jogado no terreno baldio em declive, brinquedos educativos eram aqueles feitos com lata velha e embalagens de Yakult. Talvez seja necessário convocar os psicólogos ou antropólogos para explicar as razões que motivam parcela da população a idealizar o passado dessa maneira. Ao que parece, no fundo sentimos saudades da alegria de ganhar um tênis novo, de poder jogar futebol no fim da tarde com os amigos, do carro que cabia no bolso de nossos pais, que nos levava e trazia da casa de nossos avós enquanto a chuva noturna fazia caminhos reluzentes no para-brisa.
 
2. O que chamamos de “memória”, já dizia Jöel Candau, “é muito mais um enquadramento do que um conteúdo”. Seria muita ingenuidade imaginar que nossas experiências são memorizadas, conservadas e recuperadas em sua integridade. A memória não é algo que pode ser acessado do mesmo modo como recuperamos uma foto ou um arquivo perdido em um computador. Apegamo-nos ao passado porque tememos a perda de nossas referências e a diluição de identidades. Sem lembranças, acerta de novo Candau, “o sujeito é aniquilado”. O medo da fragmentação nos faz inventar um passado idílico no qual possamos nos agarrar.

3. Bem, não precisamos ser tão duros com os saudosistas. Mas podemos ao menos pedir um pouquinho de noção da realidade.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 3 de maio de 2021

SEXO, MALDIÇÃO E INFERTILIDADE NA BÍBLIA

O livro de Números (5,21-22) registra a seguinte maldição dirigida pelo sacerdote à mulher adúltera: “que o Senhor faça decair a tua coxa e inchar o teu ventre”. Do jeito que a tradução ficou na maioria das Bíblias, é difícil compreender do que se trata essa maldição. Uma tradução mais exata seria: “Que o Senhor faça falhar o teu sexo e inchar(?) o teu útero”. O sentido é claro: a mulher se tornará estéril por conta de sua falta.

A palavra hebraica traduzida erroneamente por “coxa” é “yarekh” (ירך), termo usado para indicar os órgãos sexuais masculino e feminino. Isso fica muito claro, por exemplo, em Gn 46,26, texto que contabiliza sessenta e seis pessoas como tendo saído “da coxa” de Jacó. Ora, elas não saíram “da coxa”, mas "do sexo", referindo-se ao sêmen que saiu de seu órgão sexual. Em Gn 24,2 o juramento de um servo é feito colocando-se a mão sob o “sexo” de Abraão. Juravam, como hoje, a respeito de coisas que consideravam valiosas...


Jones F. Mendonça

UMA PALAVRA, TRÊS SIGNIFICADOS: ZELO, CIÚME, INVEJA

O verbo hebraico “qana’” (קנא) significa literalmente “sentir grande ardor”, uma espécie de paixão, de desejo ardente por algo/alguém. Quando essa paixão é direcionada a algo considerado precioso, a tradução mais adequada é “ter zelo”. Quando é direcionada a uma pessoa (esposa, marido, etc.) indica “ter ciúme”. Quando essa paixão se direciona a algo considerado valioso que pertence a outra pessoa, o sentimento que se tem em vista é “ter inveja”. Três exemplos:

1. “E o Senhor teve qana (ZELO) por sua terra” (Jl 2,18).

2. “Quando o homem tiver qana (CIÚME) da sua mulher...” (Nm 5,30).

3. “Todas as árvores do Éden – as que estavam no jardim de Deus – tinham qana (INVEJA) dele” (Ez 31,9).



Jones F. Mendonça