1. Qualquer pessoa que leia bem, com atenção, perceberá que a falta cometida pelo primeiro casal, tal como registrado no Gênesis, é o orgulho, o desejo pela autonomia absoluta ou, como dizia Jacques Le Goff, a tentativa de “despossuir Deus de um de seus atributos mais determinantes”. Um leitor judeu no século IV a.C., por exemplo, entenderia que para não cometer o mesmo erro, deveria se submeter à Torah, a palavra de Javé entregue a seu povo escolhido.
2. Embora nem o AT nem o NT sugiram que o pecado original foi um pecado de ordem sexual, essa novidade foi introduzida bem rápido produzindo uma verdadeira diabolização do sexo e da mulher. Parte dessa postura vem do estoicismo e do neoplatonismo, como se pode ver nas Confissões e na Cidade de Deus de Agostinho de Hipona. O que também ajudou os padres nessa tarefa foi a exegese alegórica, que facilmente podia transformar a digestão do fruto proibido em cópula sexual.
3. Essa obsessão pelos chamados “pecados sexuais”, pela desclassificação da mulher, ainda ecoa com força na retórica evangélica fundamentalista de nosso tempo. A negação do sexo, do corpo e, portanto, da vida, foi intensivamente denunciada por Nietzsche na segunda metade do século XIX. Rubem Alves, que era bom leitor do filósofo, resumiu essa postura ascética dizendo que para esses religiosos “negar o mundo é o mesmo que negar a vida”.
4. Essa teologia não seria tão danosa caso se contentassem em negar sua própria vida, tal como faziam os anacoretas dos primeiros séculos. Mas querem enjaular os outros, subtrair dos outros a opção de escolha, de autorrealização. É, portanto uma teologia DE morte e PARA a morte.
Jones F. Mendonça
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