1. Introdução
Toda criança quando atinge certa idade pergunta aos pais o porquê dos chineses do outro lado do mundo não caírem por estarem “de cabeça para baixo”. Os pais mais pacientes e preocupados com a educação dos filhos não hesitam em explicar que quanto maior a massa de um corpo, maior seu poder de atração gravitacIonal. Seres humanos têm uma massa infinitamente menor que a terra, por isso são atraídos por ela. Os nove planetas do nosso sistema solar, por exemplo, são atraídos pelo sol. A gravidade que o sol exerce sobre eles é o que mantém nosso sistema estável. A gravidade explica o porquê dos chineses não “caírem” já que estão do outro lado da terra. A idéia de um “lado de cima” e de um “lado de baixo” acaba sendo mera força de expressão.
Crianças muito curiosas geralmente não ficam satisfeitas com essa resposta e começam a nos bombardear com novas perguntas: Por que a gravidade existe? De onde vieram os planetas? É Deus o criador de tudo? Quem criou Deus? Crianças, pequenos metafísicos...
A ciência investiga o universo com as lentes da razão, e não podia deixar de ser diferente. Os avanços das pesquisas científicas são notáveis, muitas vezes nos causando assombro, como, por exemplo, quando a humanidade viu pela TV a chegada do homem à lua. Mas o campo de investigação da ciência tem limites, já que ela trabalha com elementos palpáveis, mensuráveis e que podem ser analisados empiricamente. A antiga pergunta: “O que ou quem deu origem ao universo?” permanece aberta ao debate. Quando Sue Lawley, numa entrevista à BBC de Londres, perguntou ao físico teórico Stephen Hawking se havia descartado Deus como sendo um dos responsáveis possíveis pela criação do universo, respondeu:
“Tudo o que meu trabalho mostra é que não precisamos dizer que o modo como o universo começou foi um capricho de pessoal de Deus. Mas continuamos diante da questão: por que o universo se deu ao trabalho de existir? Se você preferir, pode definir Deus como sendo a resposta para essa questão”[1].
Gosto da honestidade de Hawking. Ele parece conhecer muito bem os limites da ciência.
2. O eterno embate entre ciência e religião
A relação entre religião e ciência sempre caminhou de maneira conflituosa. Ora se abraçavam (como na escolástica), ora se agrediam (como no iluminismo). Hoje a coisa não está muito diferente. Brigas entre criacionistas e evolucionistas, por exemplo, são muitas vezes destacadas na mídia. Criacionistas mais radicais afirmam categoricamente que a terra não tem mais que seis mil anos, que houve um dilúvio universal, que Eva foi literalmente feita da costela de Adão, etc. Evolucionistas mais radicas, como Richard Dawkins, buscam provar que “Deus é um delírio”[2] dos religiosos. A evolução, para ele, pressupõe a negação de Deus. Vemos aí que o extremismo possui dois lados.
Mas será que existe antagonismo entre evolução e criação? Sabemos hoje que todos os elementos químicos possuem uma origem comum. No início só havia o hidrogênio, o elemento mais abundante no universo. A partir dele todos aqueles elementos que na adolescência nossos professores insistiam que tínhamos que decorar foram surgindo. Isso aconteceu porque o colapso gravitacional que ocorreu quando o universo era ainda um bebê provocou a fusão do hidrogênio. Esse processo de formação de elementos químicos ocorreu nas estrelas e chama-se nucleossíntese. A nucleossíntese é, portanto, “a evolução no tempo e no espaço da composição química do cosmo”[3]. Poderíamos dizer então que somos todos feitos de poeira cósmica.
3. Filhos das estrelas ou filhos de Deus?
Infelizmente no protestantismo o dualismo se enraizou de tal forma que muitos cristãos só conseguem ver o mundo em duas cores: preto ou branco. Para estes, o cinza simplesmente não existe. Será que não dá pra estabelecer um diálogo entre a teoria da evolução e a concepção cristã de um Deus que cria o universo? Quando falo em diálogo não estou propondo uma explicação da criação a partir da teoria da evolução, mas simplesmente estar aberto ao que a ciência tem a dizer a respeito das novas descobertas científicas. A teoria da evolução afirma, por exemplo, que homens e animais possuem origem comum (e não que o homem veio do macaco). Isso tem sido refutado por muitos cristãos, mas será que a própria Bíblia não afirma isso? Vejamos:
“E disse Deus: Produza a terra seres viventes (nefesh hayah = alma ou ser vivente) segundo as suas espécies: animais domésticos, répteis, e animais selvagens segundo as suas espécies. E assim foi” (Gn 1,24).
“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente (nefesh hayah = alma ou ser vivente)” (Gn 2,7).
Ainda que João Ferreira de Almeida evite traduzir nefesh hayah por alma vivente ou ser vivente em ambos os textos, as palavras hebraicas são as mesmas. Como se vê, tanto o homem como os animais possuem uma origem comum: a terra e ambos foram animados (do latim ânima, que possui alma ou ânimo) por Deus. Homens, animais e plantas, todos filhos da terra; todos feitos de poeira cósmica; todos filhos do hidrogênio. Mas e o hidrogênio, quem o fez? Voltamos à pergunta inicial.
4. Conclusão
A cosmogonia (narrativa a respeito da origem do cosmos) e a antropogonia (narrativa a respeito da origem do homem) do livro de Gênesis não é um tratado científico, mas um relato que contém ensinamentos teológicos a respeito de Deus e sua relação com o mundo criado. A história é belíssima se lida como poesia, mas torna-se descabida caso se busque nela elementos históricos e/ou científicos. O fato de a considerarmos poesia não quer dizer que não deva ser levada a sério ou que seja mera invenção humana, mas simplesmente que a linguagem nela empregada não é a mesma que utilizamos no mundo moderno.
À ciência cabe responder que transformações ocorreram na terra para que produzisse seres vivos. À metafísica e a religião cabem responder porque o universo existe e que sentido isso possui para nós. Acho importante que cada um saiba respeitar os limites do outro.
Bibliografia:
HAWKING, Stephen. Buracos negros, universos bebês e outros ensaios. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e Astronáutica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
Notas:
[1] HAWKING, Stephen. Buracos negros, universos bebês e outros ensaios, 1995, p. 135.
[2] Dawkins é autor de um livro intitulado “Deus, um delírio”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. No livro o autor procura demonstrar a que a crença em Deus é pura tolice.
[3] MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica, 1987, p. 574.
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