quarta-feira, 3 de junho de 2009

BENNY HINN, MATRIX E A CABANA

Por Jones Mendonça

Às vésperas do Natal de 1973, o polêmico Benny Hinn relata ter vivenciado uma experiência inesquecível com Deus. Essa experiência marcante teria ocorrido em seu quarto, fazendo-o compreender coisas inimagináveis a respeito da trindade. Tudo isso foi relatado no seu polêmico best seller “Bom dia Espírito Santo”. O livro continua um sucesso de vendas, sendo facilmente encontrado em livrarias populares, como pude constatar recentemente num camelódromo no centro do Rio.

Há alguns meses surgiu no mercado editorial brasileiro um novo sucesso de vendas que aborda o mesmo tema: o relacionamento do homem com a trindade. “A cabana”, escrita pelo desconhecido Willian Young, tem vendido como água e impressiona por abordar em suas páginas temas teológicos complexos de forma simples e agradável. Mas se o livro de Hinn é marcado por estereótipos, interpretações bíblicas fundamentalistas e por experiências pessoais extraordinárias transformadas em regras, este último nos brinda com uma mensagem simples e despretensiosa, cheia de reflexões que tocam no fundo da nossa alma.

No capítulo seis do livro há um diálogo magnífico entre Mackenzie, um homem amargurado pelo brutal assassinato de sua filha, e Deus, que no livro é retratado como uma mulher chamada Elousia. Quem ainda permanece acorrentado à imagem de Deus como sendo um ancião barbudo de cabelos branquinhos se choca com o fato dEle (ou dEla) surgir no livro não apenas como mulher, mas sendo negra e com alguns quilinhos a mais. Elousia possui muitas semelhanças com o oráculo urbano do filme Matrix. Mas tais semelhanças vão além do aspecto físico. É curioso que tanto no filme como no livro a conversa ocorra numa cozinha entre um homem em crise e uma mulher negra, tendo como um dos assuntos a liberdade humana. Caso o leitor seja um cristão ultra-ortodoxo certamente terá reações nada favoráveis ao livro. Numa sociedade machista, racista e que valoriza tanto o corpo esbelto como ideal estético, tal imagem não deixa de causar certa estranheza. Mas é justamente isso que o autor deseja, derrubar estereótipos.

O encontro se dá numa cabana, onde Mackenzie terá oportunidade de resolver suas crises com Deus. Entre diálogos inteligentes e bem humorados, percebemos um Mackenzie (ou simplesmente Mack) cada vez mais cônscio do amor de Deus pelo ser humano. Toda aquela imagem de um Deus severo, distante e mal humorado vai se apagando da sua mente. No livro, Deus ouve um funk secular de uma banda chamada diatribe, que é o nome de um artifício retórico utilizado pelo apóstolo Paulo. Mas não é um funk qualquer. Entre as batidas ritmadas fluem palavras com uma mensagem poderosa. Longe do moralismo exarcebado presente em nossas igrejas, Elousia condena o dualismo simplista que coloca de um lado a música gospel, sagrada, e do outro a música secular, profana. Na obra de Young Deus é pop, fala a nossa língua, se emociona como nós e está profundamente interessado na fantástica aventura do homem na terra. Mack não resiste ao jeitão meigo e amoroso de Elousia, que num papo descontraído lhe apresenta uma solução para seu sofrimento.

Ainda que se considere o totaliter aliter (o totalmente outro), Elousia se mostra disposta a se relacionar com o homem e isso só seria possível pela mediação de Jesus, o Deus que se fez carne. Retratado no livro como um carpinteiro simples e gentil, Jesus é o remédio para sua dor. Só ele poderá libertá-lo. A teologia do livro está bem ajustada ao pensamento reformado, que põe o homem como escravo do pecado até o momento em que é atingido pela graça de Cristo. Apesar disso, Young rejeita veementemente a crença na predestinação. Ele também foge da idéia de que Deus abandonou Jesus na cruz, enfatizando que esteve com Cristo até mesmo no agonizante momento da crucificação, carregando inclusive as mesmas marcas do martírio nos pulsos. Apesar da nítida distinção que faz das três pessoas da trindade, Young procura enfatizar que são constituídas da mesma substância, reafirmando o que foi decidido no credo de Nicéia. O autor tem ainda uma outra preocupação. Mesmo que a humanidade de Jesus seja bastante destacada, ele se preocupa em acentuar sua natureza divina. Assim, agrada alexandrinos e antioquinos.

Para quem deseja respostas prontas a respeito do nosso relacionamento com Deus, basta buscá-las nas páginas do livro de Benny Hinn, já que ele alega ter recebido na sua “cabana”, fantásticas revelações diretas de Deus. Mas deve ler “A cabana” aquele que está em busca de reflexões profundas, aquele que quer se emocionar e compreender que a vida é assim, cheia de surpresas, de decepções, frustrações, mas também de sonhos, esperanças e alegrias. Nessa curta vida na terra Deus se apresenta a nós das formas mais inusitadas e precisamos estar atentos para percebê-lo inclusive nos momentos mais difíceis. Os grandes paradoxos da vida não se encontram apenas no mundo infra-celeste. No mundo ultra-terreno também é assim. Deus é três, mas é um, Cristo é divino, mas é também homem, e Deus é totalmente outro, mas é também amor e deseja se relacionar conosco. Aí está a grande beleza do cristianismo.

Um comentário:

  1. Geralmente eu não demoro para ler livros. Esse eu estou meses e ainda não li até o final pelo fato de desejar essa conversa na cabana com D'us. Estou amando o livro e choro a cada capítulo, por isso a demora na leitura. Tenho o "Bom dia Espírito Santo" , mas nunca o lí. Falta de interesse mesmo. Concordo com você quanto ao Evangelho ser mostrado tão simples e amoroso. Isso destruiu muita coisa em mim em relação a Trindade .

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