Tenório chega em casa após mais um dia de
trabalho. Tira os sapatos, acende o abajur e vê, em cima do criado mudo, um
pequeno bilhete. Imediatamente põe seus óculos e com a testa franzida desdobra e
lê a pequena, porém impactante mensagem: “quero o divórcio”.
Numa fração de segundos seu espírito é invadido
por imagens que podem ser expressas nas seguintes palavras: advogado, pensão,
disputas judiciais, frustração, mudança de endereço, vergonha, incerteza, medo.
Divórcio é um termo jurídico. Significa que
haverá uma dissolução judicial do matrimônio. Mas a frase “quero o divórcio”
traz, para Tenório, sentidos que vão muito
além de um procedimento previsto no Código Processual Civil. Sua leitura é: “não te quero mais”, “saia da
minha vida”, “não te perdôo pelo que fez”. Tenório tem uma amante. Pensa que Jocasta,
sua esposa, descobriu seu segredo.
Ainda atordoado Tenório procura no celular o
telefone de Adolfo, um advogado que há alguns anos o ajudou a se livrar que uma
querela judicial. Fora indicado por Vera, antiga colega da faculdade que divide
o escritório com Adolfo. Não acha seu número. Sai apressado na tentativa de lhe
falar pessoalmente no escritório. Consegue. Diante do advogado tira o bilhete
do bolso, já amassado, e lhe mostra seu conteúdo: “quero o divórcio”. A leitura
de Adolfo é fria, profissional, bem diferente da de Tenório. Pensa: “tem
filhos?”, “há muitos bens em jogo?”, “será que ainda tenho os dados desse
cliente em meu arquivo?”. Encerrada a conversa o bilhete fica sobre a mesa do
advogado.
Vera, a antiga colega de Tenório que trabalha
com Adolfo, observa toda a conversa de longe.
Assim que ambos saem da sala ela se aproxima e lê o bilhete. A moça
cultiva uma paixão por Tenório desde o ginásio. “Quero o divórcio”, para ela,
abre possibilidades há muito tempo esperadas. O pequeno bilhete lhe traz boas
notícias. Não se sente aflita como Tenório. Não pensa o recado em termos
jurídicos como Adolfo. Lê o bilhete como mulher que rega há muitos anos um amor
escondido.
Enquanto isso Jocasta, esposa de Tenório, está
com seu terapeuta no décimo terceiro andar de um prédio. Mostra-lhe uma foto do
bilhete que deixou para seu marido tirada de seu celular antes de sair de casa.
O terapeuta lê e interpreta a mensagem de outro modo. Sabe que Jocasta ama seu
marido (ainda que ela negue veementemente). Sabe também que ela cultiva um
profundo sentimento de inferioridade em relação a ele, um homem bem sucedido
profissionalmente e dotado de uma inteligência e carisma notáveis. “Quero o
divórcio”, para ele, significa: “não suporto mais essa situação, quero me
livrar desse fardo”. Entende que sua cliente quer se divorciar da dor que a
atormenta, não do marido.
Fica a pergunta: É possível “tocar” no texto sem
“sujá-lo” com nossa bagagem cultural, expectativas, emoções e desejos? Mais
ainda: podemos acreditar que o texto reflete a verdadeira intenção do autor? Ou:
É possível ler sem atribuir valor? Por fim: Qual a relação entre valor e sentido?
Jones F. Mendonça
Vai ser praticamente impossível separar o valor do sentido enquanto a sociedade se mantiver dividida em 'tribos'...a tribo das mulheres e seus assuntos de moda,dos homens e seus assuntos de futebol,etc. Só melhoraremos quando tivermos os homens envolvidos em assuntos de moda com as mulheres,mulheres envolvidas em assuntos de futebol com os homens,e assim caminhará a modernidade...
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