terça-feira, 19 de julho de 2011

HISTÓRIA DA TEOLOGIA - SÉCULO I: OS PAIS APOSTÓLICOS

Após Cristo ter deixado fisicamente os apóstolos o cristianismo começou sua difusão no âmbito do império romano. A pregação da igreja, que inicialmente era apenas oral, começou a ganhar a forma escrita. O mais antigo escrito cristão é a Primeira carta aos tessalonicenses, escrita por Paulo no início dos anos 50.  Dando continuidade ao trabalho dos apóstolos, surgiram os chamados “pais apostólicos”, homens que tiveram contato com os apóstolos ou se colocam no período imediatamente posterior a eles. São considerados pais apostólicos[1]:

  • Clemente Romano (Papa entre 92 e 101) - Quarto bispo de Roma de acordo com a lista de Irineu.
  • Inácio de Antioquia (35-120) - Um dos primeiros autores cristãos. Há dúvidas quanto a autenticidade das cartas atribuídas a ele.
  • Barnabé (pseudo-Barnabé) – Autor desconhecido de uma espécie de tratado teológico que a igreja dos primeiros séculos atribuiu a Barnabé, companheiro de Paulo (daí o nome “Epístola de Barnabé”). 
  • Pápias – Bispo de Hierápolis, escreveu a obra “Exposições dos ditos do Senhor”, da qual só temos fragmentos.
  • Quadrato – discípulo dos apóstolos, natural de Atenas, escreveu um discurso ao imperador Adriano na tentativa de fazê-lo parar a perseguição aos cristãos[2]. De acordo com São Jerônimo seu pedido foi atendido. 
  • Hermas – Presbítero romano irmão do Papa Pio I.
  • Policarpo de Esmirna (76-156) – Bispo de Esmirna, foi discípulo de João Evangelista quando jovem. O registro de seu martírio (séc. II) é o mais antigo e um dos mais confiáveis que se conhece.  
Os textos produzidos pelos pais apostólicos são de suma importância para se compreender o cristianismo na transição do primeiro para o segundo século. Todos esses documentos, bastante heterogêneos em seu conteúdo, tratam sobre temas como a afirmação do ministério eclesial, a problemática inerente aos heréticos, a ordem da igreja, a ascese e o martírio, o valor da Bíblia, a introdução da segunda penitência, etc. Há um grande esforço em desvincular o cristianismo de suas raízes judaicas. Os textos produzidos pelos pais apostólicos são os seguintes [3]:

  • I Clemente, escrita por Clemente de Roma à igreja de Corinto no final do século I. A carta, com 65 capítulos, é uma tentativa de restabelecer a paz em Corinto, abalada por um grupo que destituiu os presbíteros. Foi escrita entre 93 e 97 d.C.;
  • II Clemente, homilia escrita por volta do ano 150 por um pregador desconhecido.
  • Sete cartas de Inácio, bispo de Antioquia, na Síria (Efésios, Magnésios, Tralianos, Romanos, Filadelfienses, Esminianos e A Policarpo). Inácio escreveu as cartas enquanto era levado preso para ser executado em Roma. O conteúdo das cartas é muito diverso, tratando temas como o combate ao docetismo, ênfase na divindade de Cristo e na importância da figura do bispo como elemento de preservação da unidade e ortodoxia da igreja. Na carta escrita à igreja de Esmirna aparece pela primeira vez a expressão “igreja católica”.
  • Carta de Policarpo, bispo de Esmirna, na Ásia Menor, aos Filipenses. Consiste basicamente em uma coletânea de alusões e citações de textos do Novo Testamento e de 1 Clemente;
  • O Martírio de PolicarpoCarta da igreja de Esmirna à de Filomélio, na Frígia, relatando a prisão, julgamento e execução de Policarpo.  
  • DidaquêDe autoria anônima, o documento é uma espécie de manual de catequese para instrução dos novos crentes. Escrito entre os séculos I e II, provavelmente na Síria ou Palestina, contém preceitos morais e prescrições litúrgicas, especialmente do batismo e da ceia.
  • Epístola de Barnabé (pseudo-Barnabé) - O livro contém uma série de instruções morais e litúrgicas à igreja. Contém ainda regras para os profetas itinerantes e um alerta sobre a necessidade da preparação para o fim do mundo. O texto é marcado por forte tendência antijudaica. O livro foi incluído entre os escritos canônicos no Códice Sinaítico.
  • O Pastor de Hermas - O livro é composto por cinco visões, 10 mandamentos e doze semelhanças, apresentados pela igreja personificada. O texto contém uma primeira tentativa de tratar com amplidão o tema da penitência [4]. Foi escrito por volta do ano 145 e faz parte do Códice Sinaítico (século IV), encontrado no Monte Sinai entre 1844 e 1859. O “Pastor”, que dá título à obra é o anjo da guarda de Hermas[5].
  • Fragmento de Papias – Os fragmentos de que dispomos fazem parte de uma obra em cinco volumes, contendo uma coleção de ditos e ações de Jesus recolhidos da tradição oral.
  • Discurso a Diogneto – exposição apologética da vida dos primeiros cristãos dirigida a certo Diogneto. Apresenta os cristãos como sendo pessoas que “estão na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem as leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis; amam a todos e são perseguidos por todos”[6].
Abaixo trechos de alguns desses documentos:

Inácio foi um dos primeiros escritores cristãos depois dos apóstolos. Suas cartas, dirigidos às igrejas que o acolhem no caminho para o martírio, insistem na unidade da igreja local, em torno do bispo:
Todos sigam o bispo como Jesus segue o seu pai […]. Fora do consentimento do bispo, não é permitido batizar, nem realizar o ágape; mas tudo o que ele aprova é também agradável a Deus. Assim, tudo o que se faz será firme e certo[7].
Em I Clemente pode-se perceber uma ênfase na salvação por meio da graça:
Nós, que por sua vontade (de Deus), fomos chamados por Cristo Jesus, não somos justificados por nós mesmos nem pela nossa salvação, piedade ou inteligência, nem tampouco pelas obras realizadas na pureza do coração, mas por meio da fé. Por ela, Deus onipotente justificou todos os homens desde o princípio[8].
Um fragmento de Pápias mostra que a tradição recebida dos apóstolos tinha peso na interpretação das Escrituras:
Não hesitarei em pôr diante de vós, junto com minha própria interpretação, tudo o que cuidadosamente aprendi dos anciãos e cuidadosamente memorizei... Parecia-me que poderia tirar mais proveito da voz viva do que dos livros[9].
A Didaquê contêm orientações a respeito do batismo e da ceia que vão além daquelas contidas  no Novo Testamento:
Quanto ao batismo, procedam assim: Depois de ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Se você não tem água corrente, batize em outra água; se não puder batizar em água fria, faça-o em água quente. Na falta de uma e outra, derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo[10].
Ninguém coma nem beba da Eucaristia, se não tiver sido batizado em nome do Senhor, porque sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as coisas santas aos cães"[11].
Notas:
[1] Cf. SHÜLER, Arnaldo. Dicionário teológico enciclopédico, p. 346
[2] AMADO, José de Sousa. História da Egreja Cathólica em Portugal, no Brasil e nas possessões portuguesas - Tomo I, 1870, p. 36.
[3] VV. AA. Lexicon: dicionário teológico enciclopédico, p. 554. 
[4] EQUIZA, Jesus. Para celebrar o perdão divino e a reconciliação eclesial, p. 108
[5] SESBOUE, Bernard; WOLINSKI, J. O Deus da salvação, p. 233.
[6] Discurso a Diogneto, V.
[7] INÁCIO DE ANTIOQUIA, Lettre aux Smyrniotes 8, Paris, le Cerf, 1998 (Col. Sources Chrétiennes 10 bis, reed) apud MEUNIER, Bernard. Nascimento dos dogmas cristãos, p. 20.  
[8] I Clem. 32,3.
[9] COLLINS, Michael. História do cristianismo, p. 41.
[10] Didaquê 7,1.
[11] Id. ibid. 9,5


Jones F. Mendonça

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