quinta-feira, 27 de maio de 2010

UMA BREVE HISTÓRIA DO EXORCISMO: DO MEDIEVAL AO NEOPENTECOSTAL

Por Jones Mendonça

Quem observa as igrejas neopentecostais com sua ênfase no exorcismo muitas vezes não percebe que no passado eram os católicos que tinham a mania de ver demônio em tudo. Em 1603, Samuel Harsnett, bispo de Londres (e mais tarde bispo de York), publicou um ataque aos excessos dos exorcistas católicos, intitulado, A declaration of egregious popish impostures (Uma declaração de notórias imposturas papistas)[1]. O Vaticano parece ter ouvido as críticas de Harsnett. Em 1614, visando regular e inibir os excessos, o Papa Paulo V mandou publicar o Ritual romano. Vejamos o que ele diz a respeito da postura dos sacerdotes quando diante de um suposto caso de possessão:
O Sacerdote não deve acreditar facilmente que uma pessoa esteja possuída pelo demônio. Ele deve conhecer os sinais pelos quais uma pessoa possuída pode ser diagnosticada, diferentemente daqueles que sofrem de melancolia ou alguma doença [2].
 Dentre esses sinais estão o falar em idiomas desconhecidos,  revelar coisas ocultas e demonstrar força acima do normal. Ainda que tais “sintomas” ainda pareçam bastante inocentes, já representaram um grande avanço se comparados aos métodos descritos no Malleus Maleficarum, um manual medieval que ensinava como identificar uma bruxa. Com a entrada em circulação do Ritual Romano a descrença no diabo foi crescendo cada vez mais.

A partir da Reforma o diabo passou a ter pouco espaço no imaginário cristão.  Calvino, nas suas Institutas, declara crer na existência pessoal de anjos e demônios, mas se refere ao assunto como “coisas supérfluas” e de “frívolo saber”[3]. No século XVIII o ceticismo em relação à crença no diabo chegou ao seu auge no pensamento do teólogo reformista Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Em seu livro “A fé cristã apresentada de forma sistemática segundo as doutrinas fundamentais da Igreja Evangélica” ele duvida abertamente da existência do diabo:
 “A idéia do diabo tal como se desenvolveu entre nós é tão instável que não podemos esperar que alguém se convença de sua verdade. Além disso, nossa Igreja nunca fez uso doutrinário da idéia”[4].
Mas a crença no "chifrudo" parece jamais ter sido um consenso até mesmo entre os protestantes. Ficou famoso o caso das “bruxas de Salém” (Massachussetts, 1692). Após uma escrava negra ter confessado induzir moças da cidade a participar de uma dança noturna com práticas de magia, teve início uma verdadeira histeria coletiva que levou à morte várias de pessoas. É preciso perguntar se quem servia ao diabo era a negra “pagã” ou os “piedosos” puritanos.

Os movimentos avivalistas e mais tarde o chamado pentecostalismo também valorizaram a atuação do diabo. Atualmente há uma verdadeira cruzada contra Satã nas igrejas neopentecostais. Dia desses alguém me dizia que a Igreja Católica estava copiando os “cultos de libertação” dos neopentecostais.  Voltemos ao início do texto...

Referências bibliográficas:
MARQUES, Renato; KELLY, Henry Ansgar. Satã, uma biografia. Tradução de Renato Rezende. São Paulo: Globo, 2008, pp. 342, 343.
VV. AA. O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
CALVINO, João. Institutas – Edição clássica (latim), Livro I, cap. XIV, 2007.
KRAMER, Heinrich; SPRENGER, Jacobus. Malleus Maleficarum: El martillo de los brujos. Barcelona: Círculo Latino, 2005.

Notas:
[1] MARQUES, Renato; KELLY, Henry Ansgar. Satã, uma biografia, p.342.
[2] Id. ibid., pp. 342, 343.
[3] CALVINO, João. Institutas – Edição clássica (latim), Livro I, cap. XIV, 2007, pp. 168 e 177.
[4] MACINTOSH, H. R.; STEWART, J. S. Der christliche Glaube nach den Grundsätzen der evangelischen Kirche im Zusammenhange dargestellt Edimburgo: Clark, 1928, p. 161 apud MARQUES, Renato; KELLY, Henry Ansgar. Satã, uma biografia. 2008, p. 347.

Imagem:
Raffaello Sanzio
São Miguel e o Diabo
1518
Óleo
transferido a partir de madeira para tela, 268 X 160 cm
Museu do Louvre, Paris

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