1. Os primeiros a notarem que o Pentateuco não pode ter sido escrito por um único autor foram os sábios judeus, convencidos de que a morte de Moisés não poderia ter sido registrada pelo próprio profeta. No final da Idade Média novos trechos foram sendo colocados em dúvida. Um exemplo: de acordo com Gn 14,14 Abraão perseguiu quatro reis que haviam sequestrado Ló e seus bens “até Dã”. Ora, o território da Dã só passou a existir quando os israelitas, liderados por Josué, atravessaram o Jordão e ocuparam a terra, que foi distribuída entre as tribos.
2. Assim, como Moisés poderia ter se referido a um território que sequer existia enquanto estava vivo? A conclusão é óbvia: quem redigiu essa história já estava na terra. E como Moisés, de acordo com texto, não entrou na terra, essa pessoa não pode ter sido Moisés. Outros detalhes que causaram estranheza: o texto se refere a Moisés em terceira pessoa: “e Moisés fez isso, e Moisés fez aquilo”. Não é difícil deduzir que o redator está contanto a história de Moisés, uma pessoa do passado cuja história foi preservada pela tradição.
3. Alguém poderia perguntar: “em que sentido a negação da autoria mosaica do Pentateuco muda o modo como lemos o texto?”. Minha resposta: muita coisa. Em primeiro lugar porque as histórias do Gênesis foram escritas em um período no qual a Lei já funcionava como parâmetro de certo e errado, ao menos para parcela da população. Assim: Gn 2,3 legitima a guarda do sábado; Gn 2,16-17 pretende convencer os israelitas a não violarem o mandamento divino (a Lei); Gn 4 condena “veladamente” os sacrifícios não cruentos oferecidos por Caim.
4. Enfim, os textos tinham como audiência indivíduos que já estavam habituados com a Lei, mesmo quando essas histórias são situadas em um tempo no qual certos costumes e tradições não haviam ainda sido afetadas pela introdução da Lei. O “território de Dã” não existia no tempo de Abraão, nem no tempo de Moisés, mas quem conta a história projeta seu conhecimento geográfico no passado. E isso também acontecia com as crenças, claro.
Jones F. Medonça
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