1. No Livro de Cântico dos Cânticos, capítulo 7, verso 6, lemos assim: “como és bela, como és formosa, que AMOR delicioso!”. E por que este amor é tão delicioso? Ora, por causa dos cachos, dos seios, do umbigo, do quadril, da boca que se derrama, “molhando-me lábios e dentes” (7,9). O texto fala de um amor “caliente”, claro. Muita gente vive repetindo por aí que na Bíblia esse tipo de amor é indicado pela palavra grega “eros”, que se diferencia de “ágape” (amor incondicional, divino) e de “fileo” (amor entre humanos, entre amigos). Mas isso está errado. Muito errado.
2. Veja que na versão grega do texto de Cântico dos Cânticos (chamada de Septuaginta), traduzida por judeus versados no idioma grego, a palavra “ágape” foi a escolhida para traduzir esse amor humano, carnal, entre homem e mulher: “ί ὡραιώθης καὶ τί ἡδύνθης, ἀγάπη, ἐν τρυφαῖς σου” (7,9). Sabe o que isso significa? Significa que uma diferenciação considerável entre “ágape” e “fileo” talvez tenha até existido entre os gregos antigos em alguma época específica, mas na Bíblia ela simplesmente inexiste. Inventaram essa classificação tripartida do amor.
3. Trata-se de uma ideia fixa, cristalizada, protegida por uma casca sólida, polida e preservada na mesma caixa em que se guardam os sonhos. Alguém poderá argumentar que o amor que se desenvolve entre os amantes em Cântico dos Cânticos é “ágape”, incondicional, divino, porque na verdade reflete o amor de Deus por Israel (é o que dizem os alegoristas). Se é assim, como explicar o uso de ágape em 1Rs 11,2, que declara com todas as letras que Salomão se ligou a muitas mulheres estrangeiras por “AMOR” (ágape!!!). Ora, o texto não deveria registrar “eros”?
4. Conclusão: na versão grega do Antigo Testamento a palavra “eros” jamais é usada, mesmo quando claramente indica amor carnal, mesmo quando enfatiza a atração pela derme nua, pelos beijos, pelos afagos ardentes. Por outro lado, “ágape” e “fileo” são empregadas de forma intercambiável, servindo para se referir ao amor da divindade pelos humanos, ao amor dos humanos pela divindade, ao amor dos homens pelas mulheres e até mesmo o amor de homens e mulheres pelas coisas mais vis.
Jones F. Mendonça
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