1. Encravado entre o Vale de Cedron e o Vale de Josafá, em Jerusalém, ergue-se um monumento de pedra em telhado cônico conhecido ora como Túmulo de Absalão (pelos judeus), ora como Túmulo de Zacarias (pelos cristãos). Construído no primeiro século, o local tem sido um dos centros de peregrinação mais populares de Jerusalém desde o período romano tardio. Mas, afinal, a construção foi edificada por quem e com qual finalidade? Quer saber a verdade? Ninguém sabe ao certo.
2. Os judeus identificaram o local como sendo o túmulo de Absalão levando em conta o que diz 2Sm 18,18: “Absalão tinha resolvido erigir para si a estela que está no vale do Rei, porquanto dizia: não tenho filhos que conservem a memória de meu nome...”. O atual monumento seria uma ampliação construída ao redor dessa estela. Duas fontes diferentes, o Pergaminho de Cobre e o testemunho de Josefo, mencionam a existência do monumento em Jerusalém. Mas ambos estão apenas reproduzindo uma antiga tradição.
3. Desde o início do segundo século, após a expulsão dos judeus de Jerusalém, a região passou ser controlada pelos cristãos, que logo trataram de “cristianizar” a construção de pedra, identificada como sendo o túmulo de Zacarias, pai de João Batista. Uma inscrição, datada para o século IV, registra o seguinte: “Túmulo de Zacarias, piedoso mártir e pai de João”. A inscrição foi apagada e apedrejada por judeus durante séculos, que se sentiam afrontados com a mudança. Mas os sinais da inscrição foram preservados em ranhuras e mais tarde decifrados.
4. O fenômeno da ressignificação é um elemento muito presente nas religiões. A páscoa judaica, por exemplo, aparece relacionada à saída do Egito; para os cristãos passou a significar a ressurreição de Cristo. O Pentecostes era originalmente uma festa que celebrava a colheita; para os cristãos foi ressignificada e relacionada à inauguração do derramamento do espírito. Mesmo entre os judeus, as festas, os rituais, os locais sagrados e os códigos legais foram afetados pelo fenômeno da ressignificação.
5. De modo geral fingimos que nossa religião é imutável, que atravessa os séculos sem ser afetada pelas mudanças, pelas inovações, pelos novos costumes, pelo sincretismo. Mas não existe religião que não seja sincrética em algum nível, afinal, a religião é um produto da cultura. O grande desafio para o homem e para a mulher de fé consiste em articular suas crenças e suas tradições na eterna e contínua tensão entre o velho e o novo, entre o desejo de conservar e o desejo de mudar.
Jones F. Mendonça
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