Compreender termos teológicos ou filosóficos a
partir de obras especializadas geralmente é uma tarefa espinhosa para quem está
iniciando os estudos nessas áreas. Sempre correndo o risco de simplificar
demais o trabalho filosófico dos grandes pensadores, resolvi escrever um
pequeno ensaio sobre a dialética, buscando explicar o termo da maneira mais
simples e didática possível no âmbito das diversas escolas filosóficas. Apesar
de ter consultado muitas obras optei por não citá-las a fim de tornar o texto
mais fluido. Espero que ajude.
Um bom ponto de partida para compreender o que
vem a ser dialética (dia=um para o
outro + legein=dizer, explicar) é
conhecer as ideias de Heráclito.
Heráclito
(540-476 a.C.):
Atribui-se a Heráclito de Éfeso a criação de uma nova forma de ver o mundo, a dialética
(ainda que o termo só tenha sido empregado mais tarde, por Platão). Discordando
dos eleatas, filósofos da cidade de
Eleia que defendiam um universo de estado imutável, Heráclito dizia que a natureza
está sujeita a uma única lei: a lei da
mudança. “Ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio, porque o rio não
é mais o mesmo”, dizia o filósofo. Para Heráclito tudo está em constante
transformação, “tudo flui” (gr. panta rei), e não há nada que seja perpétuo, exceto o
constante devir (ou vir-a-ser). “O que se opõe coopera, e da luta dos
contrários procede a mais bela harmonia”, insistia o filósofo de Éfeso.
Platão
(424-347 a.C.):
Platão é bem conhecido por ter sido discípulo de Sócrates e de ter fundado a
Academia, uma escola dedicada à ciência e à filosofia que se reunia
no jardim de Academo. Para Platão é por meio do diálogo e da conseqüente
confrontação de ideias que os equívocos são eliminados e a verdade aparece. Em
Platão a dialética é um instrumento de busca
da verdade. É importante compreender que para Platão “aprender não é outra
coisa senão recordar”. Para ele o conhecimento racional jaz dormente na alma e
precisa ser despertado. E como se acorda esse “conhecimento latente”? Por meio
da dialética, responderia o filósofo. Assim, a dialética de Platão pressupõe a pré-existência da alma e o inatismo das ideias. A dialética
platônica se expressa nos diálogos escritos pelo filósofo, particularmente nos
chamados “diálogos da maturidade”, tais como o Menon, o Fédon e a República.
Aristóteles
(384-322 a.C.):
Aluno de Platão e filho de um médico, Aristóteles se tornou mestre de
Alexandre, o Grande. Em Aristóteles a dialética constitui a parte da lógica que
estuda os raciocínios prováveis. Não trazem certeza nem descobrem a verdade como
em Platão, mas opinião ou probabilidade.
No pensamento do filósofo a dialética
declina em favor do método analítico
(silogismo demonstrativo ou científico), ganhando um sentido negativo ou até
mesmo pejorativo. A relação entre dialética e analítica é tratada no Organon. A diferença entre esses termos
diz respeito, acima de tudo, às premissas: a analítica decompõe silogismos e
demonstrações científicas (fundamentos seguros); a dialética tem a ver com o
ato retórico de persuasão (premissas não isentas de dúvidas).
Hegel
(1770-1831):
Há quem considere a filosofia hegeliana como um imenso e elaborado platonismo,
mas é importante destacar que Hegel repudia qualquer visão de dois mundos. Para
ele as ideias estão nas coisas, como Aristóteles. Como já foi apresentado, a
dialética repousa nas contradições internas, ou nos opostos presentes em todas
as áreas da vida humana. Para Hegel a dialética é o movimento racional que nos
permite superar essas contradições. A dialética de Hegel é concebida em três
etapas: tese (afirmação), antítese (negação) e síntese (negação da negação). Tese e
antítese são sempre falsas, mas impelem para uma síntese que concilia os
opostos que eram excludentes. O conhecimento é considerado como um processo
contínuo, histórico e progressivo. A filosofia hegeliana é considerada idealista porque busca explicar a
evolução do mundo pela evolução da ideias. Hegel achava que o homem poderia
transformar a realidade de acordo com critérios racionais: mudam-se as ideias,
mudam-se as coisas. Colocando em outros
termos: “A verdade é o movimento da ideia”.
Karl Marx
(1818-1883):
o filósofo alemão converteu a dialética em um método com a ajuda de Friedrich Engels, seu parceiro na
elaboração do Manifesto Comunista. Ele inverteu a dialética hegeliana sugerindo
que o mundo material é o fundamento das ideias e não o contrário como anunciava a
filosofia idealista de Hegel. Em suma: “as
coisas vão de transformando e as ideias vão atrás”. Em primeiro lugar vem a
natureza, que é transformada pela ação humana em meios de produção (relações
materiais=infraestrutura). São essas
relações materiais, segundo Marx, que sustentam todos as crenças, ideias,
teorias e pensamentos da sociedade (ideologia=superestrutura). Em termos mais vulgares:
“segundo vive o homem, assim ele pensa”. Ainda que tenha insistido que a
superestrutura é reflexo da infraestrutura, Marx acentuou que ambas acabam por
se influenciar reciprocamente (repudiando o materialismo mecanicista).
Karl Barth
(1886-1968):
A teologia de Barth é denominada dialética porque para ele o falar de Deus
sempre expressa simultaneamente um sim e um não: está distante, mas também está
próximo; sua Revelação, a Bíblia, é simultaneamente palavra de Deus e palavra
de homens. Em seu comentário sobre Epístola
aos Romanos, de 1919, Barth elaborou a dialética entre tempo e eternidade e
entre Deus e o homem. Ora, se o homem e Deus estão numa relação antitética (de
oposição), em que medida é possível encontrar uma síntese? Como superar a
presença simultânea do “sim” e o “não” que atravessam o homem? Atormentado pelo
fantasma de Hegel, Barth saiu em busca de uma resposta. Rejeitando as soluções
dadas pela teologia natural (superação
da dualidade pela razão humana) e pela teologia
mística (superação da dualidade pela contemplação), o teólogo chegou a
conclusão de que o homem não pode se livrar de sua “dualidade demoníaca” senão
pela redenção, uma revelação exclusivamente vertical (de cima para baixo, como
na tradição calvinista). Só ela permite ao homem saber que está numa condição
de alienação e de morte. Enfim, o laço da contradição que atormenta o homem só
pode ser desfeito por iniciativa divina. No ato da encarnação (visto como um
ato de amor) Deus se faz culpado da contradição contra si mesmo. Dado o seu
caráter dialético, a teologia Barth também ficou conhecida como “teologia da crise”. Entre os discípulos
de Barth que mais se destacaram figuram Emil
Brunner e Friedrich Gogarten.
Jones
F. Mendonça
Muito bom, vale a pena ampliar e explorar mais!
ResponderExcluirMinha ideia é ampliar o pensamento de Barth até o ponto em que eu possa não apenas compreender seu pensamento de maneira mais abrangente, mas criticá-lo (no sentido acadêmico). Quem sabe nas férias.
ResponderExcluirNossa, adorei esse seu resumo. Estou procurando um material que contenha todos os tipos de dialéticas, se você puder me indicar livro fico agradecida.
ResponderExcluirNossa, adorei esse seu resumo. Estou procurando um material que contenha todos os tipos de dialéticas, se você puder me indicar livro fico agradecida.
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