1. Introdução
Para Alejandro Diez, a literatura apócrifa pode ser entendida como “um conjunto de obras judaicas (ou, excepcionalmente, judaico-cristãs) escritas no período compreendido entre o ano 200 a.C. e 220 d.C., obras que se pretendem inspiradas [...], tendo como autor ou como interlocutor um personagem do Antigo Testamento”. Essas obras foram escritas em tempos difíceis para o judaísmo. Após a queda do império persa e a morte de Alexandre, os judeus foram subjugados pelos selêucidas. Antíoco Epifanes, rei dos selêucidas (Síria), queria helenizar os judeus e esse período foi marcado por perseguições e afrontas ao judaísmo. Dentre as medidas anti-judaicas tomadas por Antíoco, estão a proibição da circuncisão e da guarda do sábado. O anti-helenismo, o desejo de independência política e a purificação do judaísmo da influência pagã se tornaram intensas. Tudo isso culminou numa luta armada, liderada pelo sacerdote Matatias e seus filhos.
A literatura apócrifa do Antigo Testamento é bastante extensa e podemos dividi-la em duas partes. A primeira é composta por livros considerados espúrios pelo judaísmo, catolicismo e protestantismo (chamados de pseudepígrafos) e a segunda por livros aceitos como inspirados pela Igreja Católica. Os católicos os chamam de deuterocanônicos (dêutero= segundo) porque a canonização definitiva desses livros pela Igreja Católica só foi feita em 1546 no Concílio de Trento. A relação de livros canonizados pelos católicos é composta por sete livros e dois acréscimos.
2. Deuterocanônicos católicos:
Tobias, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Judite, Baruque e I e II Macabeus, acréscimos ao livro de Daniel e Ester. Segue abaixo um breve resumo desses livros:
Tobias – O livro relata a saga de Tobias, filho de Tobit. Após o pai de Tobias perder todos os seus bens e ficar cego ao ter seus olhos atingidos pelo excremento de um pássaro, Tobias sai em busca de uma quantia em dinheiro devida a seu pai e da mão Sara, uma mulher que lhe havia sido prometida em casamento. Além da longa jornada, Tobias tem um outro desafio, já que sua pretendente é atormentada por um demônio chamado Asmodeu, que mata todos os seus pretendentes. Diante desse desafio, Tobias ora a Deus, que envia o anjo Rafael para ajudá-lo na tarefa.
No meio da jornada Tobias quase é devorado por um peixe, mas é salvo pelo anjo Rafael, que retira o fígado, o coração e o fel do peixe. Rafael lhe diz que o coração e o fígado do peixe seriam utilizados para expulsar Asmodeu e o fel curaria a cegueira de seu pai. Tobias recupera o dinheiro, expulsa Asmodeu e casa-se com Sara, herdando os seus bens. Ao retornar para sua casa, seu pai é curado de sua cegueira com o fel do peixe.
Sabedoria de Salomão – O livro possui pontos de contato com o livro de Provérbios e tem como tema central a busca pela Sabedoria. O autor insiste na doutrina da retribuição, onde os justos serão recompensados e os ímpios serão punidos. A redação do livro geralmente é situada entre os anos 130 a 50 a.C.
Eclesiástico – Também conhecido como Sirácida, por causa do nome do seu autor, “Jesus filho de Sirac, filho de Eleazar de Jerusalém” (50,27), o livro é, como a Sabedoria de Salomão, uma exaltação da sabedoria judaica. Diante da crescente influência da cultura grega o autor escreve sua obra, colocando-se na defesa dos valores religiosos e culturais do judaísmo, de sua concepção de Deus e do mundo. Para o autor, a Lei dada a Israel é superior ao pensamento grego, e nela se encerra a verdadeira sabedoria.
Judite – O livro conta a história de Judite, uma bela mulher israelita que seduz o chefe supremo do exército inimigo que tentava invadir a Judéia. Fazendo-se passar por traidora, Judite embriaga e engana o general Holofernes, cortando sua cabeça. Agora sem comando o exército assírio foge desesperado. O livro foi escrito em meados do século II a.C.
Baruque – Também conhecido como “Carta de Jeremias”, o livro é um pseudo-epígrafo, já que o autor se faz passar por Baruc, secretário do profeta Jeremias. Mas o livro foi escrito após o exílio, talvez no século II a.C. Após uma introdução histórica, que situa a redação do livro na Babilônia, cinco anos após a destruição de Jerusalém, o livro pode ser dividido em duas partes: 1) Uma confissão dos pecados e uma súplica, a serem feitas pelos israelitas diante de Deus; 2) Uma exortação sapiencial e um oráculo de restauração.
I Macabeus – Escrito originalmente em hebraico o livro narra a revolta do movimento macabaico contra a influência helenística: “Construíram então, em Jerusalém, uma praça de esportes, segundo os costumes das nações, restabeleceram seus prepúcios e renegaram a aliança sagrada” (1 Mc 1,14). O livro trata essencialmente do nacionalismo judaico e da guerra da independência.
II Macabeus – O segundo livro dos Macabeus descreve os acontecimentos compreendidos entre a inspeção de Heliodoro, sob Onias II, em cerca de 180, e a morte de Nicanor em 161. O livro deixa bem evidante sua intenção de legitimar o sacerdócio asmoneu. A influência do helenismo também é destacada no livro: “verificou-se, desse modo, tal ardor de helenismo e tão ampla difusão de costumes estrangeiros [...] que os próprios sacerdotes já não se mostravam interessados nas liturgias do altar. Antes, desprezando o Santuário e descuidando-se dos sacrifícios, corriam a tomar parte na iníqua distribuição de óleo no estádio, após o sinal do disco” (2 Mc 4,13a 14-15).
Acréscimos ao livro de Daniel – Há três acréscimos gregos feitos ao livro de Daniel: o Cântico de Azarias, Bel e o dragão e a história de Suzana.
A primeira adição ao livro de Daniel encontra-se no capítulo 3 e tem como propósito descrever o que se passou com Ananias, Azarias e Misael (Sidrac, Misac e Abdnêgo) após serem lançados numa fornalha ardente.
A segunda adição ao livro de Daniel encontra-se nos capítulos 12 e 13. Na história Daniel soluciona um caso envolvendo dois anciãos que tentaram violentar a bela Suzana.
O terceiro e último acréscimo ao livro de Daniel é uma crítica à idolatria (cap. 14). Com sua astúcia, Daniel mostra ao rei que os ídolos não comiam as oferendas a ele dedicadas. Daniel desmascara os sacerdotes que as retiravam por uma porta secreta. Ao final da história o rei entrega o ídolo a Daniel que o destrói.
Acréscimos ao livro de Ester – Após ser avisado em sonho de uma conspiração para matar o rei e surpreender dois eunucos tramando o golpe, o judeu Mardoqueu faz uma denúncia ao monarca, que manda matar os dois homens. Mas por trás do plano estava Amã, um alto funcionário da corte, que querendo se vingar convence o rei a escrever uma carta ordenando a matança dos judeus. A bela rainha Ester, sabendo do ocorrido, se apresenta diante do rei e desmaia, fazendo-o mudar de idéia. Uma nova carta é escrita e Amã acaba enforcado por ordem do rei.
Nota:
Tradução livre do autor. Texto original: “Por literatura apócrifa judía entendemos un conjunto de obras judías (ou, excepcionalmente, judeocristianas) escritas em el período compreendido entre el año 200 a.C. y el 220 d.C., obras pretendidamente inspiradas e referidas, ya sea como autor o como interlocutor a un personaje del Antiguo Testamento”. MACHO, Alejandro Diez. Introduccion general a los apocrifos del Antiguo Testamento - Tomo I. Madrid, Ediciones Cristandad, 1984, p.27.
Crédito da imagem:
ALLORI, Cristofano
Judith com a cabeça de Holofernes
1613
Óleo sobre tela, 120,4 x 100,3 cm
Royal Collection, Windsor
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