quarta-feira, 26 de julho de 2023

OS OLHOS EM JÓ


1. No livro de Jó os olhos desempenham papeis variados com a finalidade de potencializar a força poética dos versos. Defendendo-se da acusação de que seu sofrimento era causado por alguma falta, Jó diz assim: “fiz um pacto com MEUS OLHOS para não olhar para uma virgem” (31,1). Aqui, como em diversos outros momentos, Jó expõe as incoerências da lógica da retribuição. Enfim, “como posso estar sendo punido se meus olhos sempre se desviaram do mal?”

2. Em 29,15, mais uma vez destacando suas ações sempre dispostas para o bem, Jó recorre à imagem dos olhos, que vêm acompanhados dos pés: “eu era OLHOS PARA O CEGO, e pés para o coxo”. No verso seguinte ele acrescenta: “eu era o pai dos pobres...”. Ora, pergunta-se mais uma vez o servo sofredor, “se fiz o que era justo, por que sofro? Por que Shadday pisa sobre mim como o grão na moenda; esmaga-me como a lama das ruas?”.

3. Em 10,5, reconhecendo que a natureza divina é absolutamente distinta da dos homens, o personagem que dá nome ao livro faz a seguinte pergunta retórica ao Supremo Juiz: “porventura tens OLHOS DE CARNE, ou vês com veem os homens?”. Em sua angústia, como Jeremias perseguido por seus opositores, Jó lamenta: “MEUS OLHOS se consomem na angústia, meus membros definham como sombra”. É significativo que em 42,5 os olhos reapareçam, mas sob nova condição:
“Conhecia-te só de ouvido,
mas agora MEUS OLHOS te veem”.
4. Mas o que Jó vê exatamente? A que tipo de conclusão ele chega? Considerando que a nova percepção de Jó acerca da divindade é inserida no ambiente de uma tormenta (סערה; cf. 38,1), certamente o que ele vê não é um Deus que pode ser domado, que pode ser esquadrinhado pelos olhos e pelas lentes da teologia sistemática. Assim, o que ele vê é um Deus que se comporta de forma imprevisível, que agita violentamente a poeira das estepes em dia de ventania. No meio dessa tempestade Jó se vê como pó, como cinza que rodopia ao sabor do vento. E só.



Jones F. Mendonça

Um comentário:

  1. Fico extremamente feliz quando o irmão escreve algo sobre Eclesiastes e o Livro de Jó.
    O irmão tem o condão de fazer a gente refletir profundamente nestes dois livros tão diferentes no Canon Bíblico. O Cântico dos Cânticos também é gostoso de ler quando o irmão comenta.
    Irmão Danielzinho.

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