sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A NEGRITUDE EM CANTARES

1. A amada, no livro bíblico de Cantares, diz assim: “sou morena, mas formosa” (1,5). Vale destacar que o “mas” é indicado pela consoante “vav” (uma conjunção), que pode significar “e”, “mas”, “porém”, “então” e até “porque”. Neste caso, a tradução “sou morena E formosa” não estaria errada.

2. Ocorre que no verso seguinte a mesma mulher diz “não olheis que sou morena”. Aqui fica claro que “ser morena” não era uma característica desejável. Essa nova informação sugere que o v. 5 deve de fato ser lido como “sou morena, MAS formosa”. Ela enfatiza que é bela, apesar da tonalidade de sua pele. 

3. Há outra questão no texto. A palavra traduzida por morena é “shahor”. Em Ecl 11,10 (no plural) o termo parece indicar a negritude dos cabelos (de um jovem). Outra palavra de mesma raiz (sharar) parece indicar a pele escura e adoecida de Jó (30,30). Em Ct 5,11 indica a cor de uma ave (um corvo?). 

4. Não é fácil traduzir cores no hebraico. Há quem sugira que a amada tinha pele negra como uma etíope. Mas há um problema com a tese. O v. 6 dá as razões para a pele “enegrecida”: “o sol me queimou” (lit. “o sol me avistou”). E por que o sol a avistou/queimou? Ela explica: “fizeram-me guardar vinhas”. 

5. Em minha opinião “ter a pele escura” (ou seja, bronzeada) era algo mal visto não por uma questão racial, mas por questões sociais. Ela não era negra (sob a perspectiva étnica), mas estava “bronzeada”, “queimada pelo sol”, afinal era “cuidadora de vinhas”. Era alguém – como dizem hoje – “da ralé”. 


Jones F. Mendonça

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