sexta-feira, 20 de março de 2020

ARTE, PANDEMIA E EXEGESE


Em tempos de guerra, recessão econômica, catástrofes naturais ou epidemias, os artistas sempre encontraram uma maneira de expressar suas angústias, medos e frustrações. Nesta tela (A Guerra, 1896), o artista suíço Arnold Böcklin retrata os quatro cavaleiros mencionados no capítulo 6 do livro do Apocalipse. A imagem foi tomada do profeta Zacarias (1,8), que diz ter visto, em sonho noturno, cavalos coloridos posicionados num vale profundo.

De acordo com o texto, os cavalos/cavaleiros são emissários do Anjo de Javé, encarregados de percorrer e observar a terra*. Javé revela-se irado após tomar conhecimento da paz vivida pelas nações em contraste com o abandono de Jerusalém. Mas o texto não fala em punição para essas nações. Indignado, Javé anuncia a reconstrução de Jerusalém e a restauração de seu Templo, ocorrida em 515 a.C.

O Apocalipse dá novo significado à imagem dos cavalos/cavaleiros. Eles aparecem agora como instrumentos da ira de javé contra seus inimigos. O Apocalipse, aliás, é mestre em ressignificações. Usa a seu modo passagens de Daniel, Ezequiel, Isaías e Jeremias para compor um cenário de terror e angústia, mas também de fé e de esperança.

* “Terra”, em hebraico “eretz”, tem aqui o sentido de “nações”, algo raro, senão único. O termo, sem complemento, geralmente indica a “Terra de Israel”.


Jones F. Mendonça

2 comentários:

  1. Sobre o uso da palavra terra em hebraico: no salmo 24.1, você entende que ela possui o sentido de se referir a terra de Israel? A palavra "mundo" na segunda linha pode inferir que o sentido seja para algo maior, como o "cosmo"? Abraços

    ResponderExcluir
  2. Acho que não. Veja, por exemplo Lm 4,2: Não criam, os reis da TERRA (eretz) e todos os habitantes do MUNDO (Tebel), que entrassem o opressor e o inimigo pelas portas de Jerusalém". Essa falsa confiança no poder inabalável de Jerusalém diz respeito aos reis e moradores de Judá.

    ResponderExcluir