No
conhecido episódio de Nm 16,2, Coré, Datan e Abiram desafiam a autoridade de
Moisés “colocando-se de pé” diante dele. A oposição é marcada pelo verbo
“pôr-se de pé”, “levantar” (qum). Em Gn 18,22 temos uma construção semelhante.
Neste caso Abraão “permanece de pé diante das faces de Javé”. O verbo é outro
(‘amad), mas num primeiro momento parece expressar a mesma ideia. Será?
Bem,
neste caso o texto estaria sugerindo que Abraão permanece de pé “diante das
faces” de Javé como que se opondo ao plano divino de destruir Sodoma. Essa
oposição parece ser confirmada a partir da (insistente e ousada) intercessão do
patriarca a favor de Sodoma (vv. 23-25; 27-29; 30-31; 32). Um confronto como
este não seria inédito: Jacó luta com Deus... e vence! (cf. Gn 32,28; Os
12,3-4).
Para
confirmar a tese eu precisaria localizar e analisar outras ocorrências do verbo
“‘amad” antes da expressão “diante das faces de”. Encontrei quatro casos: Jr
35,19; Zc 3,1; 2Cr 20,13 e 18,20. Em todos eles, “ESTAR DE PÉ diante das faces
de” serve apenas para indicar a posição do interlocutor. Nunca indica oposição.
O
verbo usado em Nm 16,2 (revolta contra Moisés) possui sentido diferente: não
significa “estar/permanecer de pé”, mas “pôr-se de pé”, “levantar”. Enfim,
indica movimento, é “levantar-se” de algum lugar (Ex 24,13; Nee 9,3),
“levantar” algo (Ex 26,30; 1Rs 16,32) ou “levantar-se” contra alguém ou algo
(cf. Gn 4,8; Ex 15,7; Jz 20,5).
Então embora seja
verdade que o texto coloca Abraão de certa maneira em oposição aos planos de
Javé, esta postura não é acentuada pelo verbo. Não indica postura de
confrontação, mas de súplica, de intercessão. Uma sutileza do verbo que faz
muita diferença.
Jones F. Mendonça
Nesse texto, Abraão aparece usando uma expressão que se repete em Jó 42,6: eu, que sou pó e cinza. Lá, traduz-se no pó e na cinza, a despeito de não haver preposição. Jack Miles diz que Jó 42,6 é da mesma ordem gramatical que esse texto de Abraão: Jó teria dito que tem pena do pó e da cinza, que Miles traduz "mortal clay" (barro mortal). Jó não se arrepende, mas, diante da visão do deus apavoneando-se, ele reflete que miseráveis são seus conterrâneos... Faz muito sentido.
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