terça-feira, 30 de dezembro de 2025

ESCATOLOGIA E GEOGRAFIA SIMBÓLICA


1. Na semana passada indicaram-me um debate publicado no YouTube que tentava articular escatologia e geopolítica. Pensei com meus botões: “lá vem bomba”. Três dos membros da mesa são figuras bem conhecidas: Luiz Sayão, Rabino Ventura e Tassos Lycurgo. A discussão girava em torno da identidade do exército da “terra do Norte”, nação que, de acordo com Ez 38,6.15, se colocará contra Israel nos “últimos dias”. Vai vendo...

2. Tassos Lycurgo, alegando fazer uma “interpretação corajosa,” dizia que esse “povo do Norte” é a Rússia, afinal, a Rússia fica ao norte de Israel (Líbano, Síria, Turquia e Ucrânia também...). Propondo uma interpretação criativa (e não corajosa), Lycurgo acrescentou que o texto anuncia profeticamente a “eixo do mal”, aliança formada pela Rússia, Irã, China, Coreia do Norte e Turquia (anda ouvindo demais o prof. HOC). Tais nações estariam se preparando para atacar Israel.

3. Sigamos deretamente ao ponto. Na Bíblia, as locuções “povo do Norte”, “mal do Norte” e “rei do Norte” não designam propriamente a posição geográfica de um inimigo em relação a Israel, mas o corredor por onde avançavam as tropas inimigas. Repare, por exemplo, que a Assíria e a Babilônia ficavam, respectivamente, a nordeste e a leste de Israel e não ao “norte”. Ainda assim, eram tratados como “povos do Norte” (Assíria, cf. Sf 2,13; Babilônia, cf. Ez 26,7).

4. O “norte” funciona nos textos proféticos como uma espécie de ponto cardeal simbólico de onde vinham as tropas inimigas. Quem quisesse conquistar Israel ou Judá precisava atacar ou pelo norte ou pelo sul, uma vez que seus flancos estavam protegidos pelo mar Mediterrâneo (a oeste) e pelo Rio Jordão/pelo deserto (a leste). E como os principais inimigos de Israel atacavam PELO NORTE, o “norte” funcionava como código narrativo para o perigo escatológico.

5. Finalizo com três dicas: 1) os inimigos mais terríveis de Israel eram classificados como "do norte" porque era do norte que eles geralmente vinham; 2) os profetas não eram cartógrafos; 3) os fundamentalistas nada entendem de geografia simbólica.



Jones F. Mendonça

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