quinta-feira, 20 de novembro de 2025

SOBRE O ARREPENDIMENTO DIVINO



1. Diversos textos da Bíblia apresentam Deus “se arrependendo do mal/do bem” que havia designado para um indivíduo ou para uma coletividade. No episódio do bezerro de ouro (Ex 32,14), por exemplo, Deus acolhe a súplica de Moisés, decide não consumir o seu povo e finalmente “se arrepende DO MAL que havia designado”. Jr 18,10 registra uma declaração invertida: Yahweh afirma que “se arrependerá DO BEM” que pensava fazer, caso o povo não desse ouvidos à sua voz. Tudo isso pode parecer muito estranho. Como resolver essa pendenga?

2. Bem, a pergunta que devemos fazer não é: “então Deus se arrepende?”, mas “qual a função retórico-teológica essa declaração?”. O episódio do bezerro de ouro preserva uma série de vestígios que nos levam a acreditar que o texto ou foi elaborado ou foi editado por redatores deuteronomistas. Este grupo gostava de enfatizar que a fidelidade a Deus produzia bênçãos e a desobediência produzia maldições (“teologia da retribuição”, cf. Dt 30,19). Mais do que isso: que o arrependimento ou a desobediência humana poderiam reverter a bênção ou a maldição anunciada por Deus.

3. Assim, faz todo o sentido pensar que os textos que apresentam Yahweh “se arrependendo DO MAL/DO BEM que havia prometido” querem inculcar na cabeça do leitor que há elevada disposição divina em anular uma MALDIÇÃO/BÊNÇÃO dirigida contra seu povo quando ele decide mudar suas atitudes. E qual foi a expressão escolhida para dizer que Yahweh mudou seus planos? Ora, anunciando que a divindade “se arrependeu DO MAL/DO BEM” anteriormente anunciado. A crença no “arrependimento divino”, ou seja, na possibilidade de anulação de um decreto comunicado pelo próprio Deus aparece no livro do profeta Jonas.

4. No último capítulo do livro, indignado contra Deus por ter concedido seu perdão aos ninivitas, o profeta protesta e expõe a razão de sua fuga: “eu sabia que tu és um Deus de piedade e de ternura, lento para a ira, e rico em amor e que SE ARREPENDE do mal” (4,2). A destruição da cidade “em 40 dias”, anteriormente anunciada (cf. 3,40), é simplesmente anulada quando o rei e a população da cidade se convertem “cada qual de seu caminho perverso e da violência que está em suas mãos” (3,8). O leitor é informado do arrependimento divino em 3,10: “e Deus arrependeu-se do mal que ameaçara fazer-lhes e não fez”.


Jones F. Mendonça

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