domingo, 26 de outubro de 2025

FÉ E RAZÃO

1. Um dos textos mais citados por apologetas cristãos para justificar o uso da razão como instrumento de defesa da fé cristã contra ataques vindos dos críticos é 1Pe 3,15: “estejam sempre preparados para RESPONDER [apologion] a todo aquele que vos pedir RAZÃO [logos] da esperança que há em vós”. Mas será que o texto pretende estimular os cristãos a serem capazes de apresentar “fundamentos racionais” da sua fé, como dizem?

2. Bem, a palavra grega “logos”, traduzida em 1Pe 3,15 por “razão”, geralmente significa “palavra”, “discurso”, como em 2Co 11,6: “Ainda que seja imperito no LOGOS, não o sou no saber”. Em alguns casos, “logos” serve para indicar motivação, como em At 10,29: “Por que LOGOS me chamastes?”, ou seja, por que MOTIVO, por que RAZÃO. Mas estes “motivos”, estas “razões”, têm alguma relação com o intelecto, com a racionalidade? Vejamos.

3. Não é difícil encontrar textos bíblicos incentivando os cristãos a apresentarem as “razões” de sua fé, mas nenhuma vez essas “razões” apelam ao intelecto, à racionalidade tal como a entendemos hoje. De modo geral, essas “razões” dizem respeito aos fundamentos da fé alicerçadas na experiência e na tradição. Em At 26,2, por exemplo, expõe um longo discurso de Paulo perante o rei Agripa, destacando as “razões” de sua fé. E como ele faz isso?

4. No longo discurso perante Agripa, Paulo apela à “esperança na promessa” feita a seus antepassados (cf. At 26,6.23) e à sua experiência com o Cristo ressurreto (At 26,12-18). Ou seja, apela à tradição e à experiência, jamais à razão. Ele expõe seu “testemunho de fé”, não “de lógica”. Tanto não eram “razões” filosóficas ou “razões” científicas que ele chega a ser chamado de louco por Festo: “Estás louco, Paulo: teu enorme saber te levou à loucura” (At 26,24).

5. Tudo bem se você tem grande gosto pela tentativa de conectar a ciência à fé cristã (concordismo) ou admira pensadores como Thomás de Aquino, empenhados em expor os dogmas da fé cristã nos termos da lógica e da metafísica aristotélica. Os textos do Novo Testamento, no entanto, não têm essa preocupação. Há sim grande apelo para que os fiéis “testemunhem” sua fé, compartilhem suas experiências, fortaleçam seu espírito comunitário, perseverem na “tradição dos apóstolos”.

6. A "razão da esperança", em 1Pe 3,15, indica simplesmente o motivo que leva o cristão a perseverar nas suas crenças, como a esperança "no retorno do Crucificado" e na "ressurreição do corpo". Sejamos honestos: a religião está para a razão assim como o pente está para o milho. E não é nenhuma vergonha assumir isso.


Jones F. Mendonça

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