1. O livro de Daniel, em seu capítulo 7, expõe ao leitor uma visão que descreve quatro bestas-feras subindo do mar (7,2). A primeira é um leão alado (v. 4), a segunda um urso (v. 5), a terceira um leopardo alado de quatro cabeças (v. 6) e a última um animal não identificado, dotado de dentes de ferro e dez chifres (v. 7). Essas quatro bestas representam reis/reinos (v. 17 e 23) que se sucedem e que serão derrotados não por uma fera selvagem, mas por alguém “semelhante ao filho do homem” (bar enash), cujo império será eterno.
2. Vale destacar que bar enash aqui não é título messiânico. A expressão é empregada para estabelecer contraste entre o aspecto animalesco dos quatro reinos e o quinto, que tem forma humana. O capítulo 2 apresenta uma mensagem semelhante. Mas desta vez os reinos malignos são representados por uma estátua erguida com materiais diferentes (ouro, prata, bronze, ferro e ferro misturado com argila), que são destronados não por alguém “semelhante ao filho do homem”, mas por uma pedra. “Pedra” e “filho do homem” representam, cada qual a seu modo, o estabelecimento do reino do ‘illay (עלי), o Altíssimo.
3. O Apocalipse retoma o uso de bestas-feras como representação de reinos malignos. Note, no entanto, que ela é uma fusão de três das feras mencionadas em Daniel: “A Besta que eu via parecia um leopardo: seus pés, contudo, eram como os de um urso e sua boca como a mandíbula de um leão” (13,2). A mensagem é clara: a besta que agora se manifesta é ainda mais terrível que aquela mencionada em Daniel. O Apocalipse relê e atualiza antigas tradições, algo bem costumeiro no ambiente religioso judaico.
4. Mas ao atualizar textos antigos, o autor do Apocalipse incorpora elementos novos. Veja que o Dragão, a besta-fera e o falso profeta desempenham o papel de uma espécie de “trindade maligna”. A besta até simula uma ressurreição (13,12). Outro recurso utilizado para imitar Deus é o estabelecimento de uma marca nos escolhidos, feita na mão direita ou na fronte (13,16). Em Dt 11,18 os israelitas são convidados a atar a palavra divina como um sinal na mão e na testa. Em Ez 9,4 os moradores de Jerusalém que têm um sinal (tav) na testa são poupados da lâmina afiada do exterminador.
5. Alguém inventou que o tal do “sinal” é um microchip, ou quem sabe um cartão de crédito ou uma tecnologia que está para surgir. Mas o Apocalipse está apenas fazendo alusões às Antigas Escrituras. O que ele quer dizer é: O Dragão, a besta-fera e o falso profeta querem imitar Deus. Simulam uma “trindade”. Irão, como Deus, “marcar” seus escolhidos. A mensagem implícita é a mesma de Mt 24,24: os falsos cristos e falsos profetas são dissimulados a ponto de quase enganarem até mesmo os escolhidos.
Jones F. Mendonça
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