sábado, 18 de janeiro de 2014

UM ZODÍACO NA SINAGOGA

No final de dezembro 1928 uma equipe estava cavando um canal de drenagem no vale de Jezreel (norte de Israel) quando uma pá começou a arrancar pedaços de um mosaico. Quando foi completamente exposto o mosaico (28 x 14 metros) revelou uma roda dividida em 12 partes, cada qual com uma figura e um nome identificando-o como um sinal do zodíaco. No centro, aparecia o deus Helios dirigindo uma quadriga (carro de quatro cavalos), através da lua e das estrelas. Ocorre que mais tarde descobriram que o zodíaco pertencia a uma sinagoga datada para 520 d.C. Surpreso? 

 Leia a matéria na BAR (ago/2012) aqui.

Escrevi sobre um suposto zodíaco no capítulo 2 de Números aqui


Jones F. Mendonça

12 comentários:

  1. Prezado Jones,

    Vários zodíacos como este já foram descobertos em antigas sinagogas. Em hebraico o nome geralmente usado para eles é mazzaroth ("constelações") como uma tradução para zodíaco.
    Esta é uma tabela de correspondencia entre os signos, seus nomes hebraicos e os meses do calendário hebraico:

    SIGNOS MAZZAROT MESES
    ---------------------------------------------------------------------
    ARIES TOLEH NISAN
    TAURUS SHOR IYAR
    GEMINI TEOMIM SIVAN
    CANCER SARTAN TAMMUZ
    LEO ARYEH AV
    VIRGO BETHULAH ELUL
    LIBRA MOZNAYIM TISHREI
    SCORPIUS AKRAB CHESHVAN
    SAGGITARIUS KESHET KISLEV
    CAPRICORNIUS GHEDI TEVET
    AQUARIUS DELI SHEVAT
    PISCES DAGIM ADAR

    Note que estes são os nomes que aparecem no mosaico. As quatro figuras que aparecem nos cantos são representações das Tekufot "Estações" e equivalem às datas dos solstícios e equinócios das estações do Ano:
    TEKUFAT NISSAN PRIMAVERA
    TEKUFAT TAMMUZ VERÃO
    TEKUFAT TISHREI OUTONO
    TEKUFAT TEVET INVERNO
    Seus nomes também aparecem escritos nos cantos.
    Mas, observe que pela imagem a Tekufat Tevet, no canto superior direito, correspondendo ao Inverno, está caindo, estranhamente, entre Shor (Touro) e Teomim (Gemeos) e não em Tevet. Isso demonstra que as estações do ano não correspondiam as datas atuais e provavelmente o principal uso desses zodiacos era ajustar o calendario hebraico ao calendario solar e manter os festivais judaicos sincronizados com as estações do ano.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Jewish_views_on_astrology
    http://en.wikipedia.org/wiki/Hebrew_astronomy#Chronology_and_the_zodiac
    http://en.wikipedia.org/wiki/Tekufah

    É devido ao seu uso como meio de sincronizar o calendário que se explicam as diferentes correspondencias encontradas nos mosaicos das sinagogas:
    http://www.modeemi.cs.tut.fi/~david/syn/beth_alpha_zodiac_2013.pdf

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  2. E porque não suprimiram a imagem de Helios do centro do zodíaco?

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  3. A identificação do personagem central, na verdade, é extremamente incerta, tanto a partir da tradição grega como judaica. Nem a associação com o deus Helios pode ser garantida, uma vez que na mitologia grega Apollo também é frequentemente representado como um deus solar percorrendo o céu em sua carruagem. Também temos que lembrar que na época o culto ao Sol Invictus era bastante popular tendo a mesma representação. Quanto à tradição judaica, basta notar que o personagem está rodeado por anjos (as tekufot) e havia tamém a crença de que o arcanjo Miguel (Michael) residia no sol. Por outro lado há um evidente céu estrelado no fundo da figura, em que aparece inclusive a lua na forma de crescente, tornando qualquer associação do personagem com o sol muito improvável. Outra possibilidade seria ainda ligar a figura ao anjo Gabriel, que algumas vezes era associado à constelação de Órion, o Guerreiro Caçador. E no Brasil, o cinturão de Órion é muito famoso, conhecido como as "Três Marias". Mas há ainda várias alternativas como até mesmo Elias, que o Livro de Reis (Melachim) relata que foi levado por uma carruagem de fogo e que desde o século V E.C. foi também associado ao sol, provavelmente pela semelhança com a palavra Helios, em grego. Existem, por exemplo, algumas canções judaicas ("El Eliyahu") que relatam a volta do profeta Elias a frente dessas carruagens no Fim dos Dias. Mas como disse na outra mensagem, a utilização desses calendários (era apenas isso que os nossos "horóscopos" eram então) parece ter sido muito comum no período. Isso se deve ao prestigio e ampla utilização da padronização realizada por Ptolomeu, que foi quem definiu com clareza o sistema zodiacal, que será mais tarde derrubado por Copérnico e Galileu. Observe também que não há mais nada que permita qualquer conotação pagã nesse mosaico, pois a cena central está rodeada de outras imagens de passagens do Antigo Testamento e de simbolos das Festas Judaicas tradicionais. Por isso, a impressão que temos ao final é que a arte grega ou bizantina está a serviço da tradição judaica nesse caso. Mas realmente parece muito estranho para um observador mais de 1500 anos depois, quando o judaismo oficial, seja ortodoxo, moderado ou até mesmo liberal, assim como o Islam, são quase totalmente anicônicos. Mas temos que lembrar que naquela época, a imensa maioria da população era analfabeta, mesmo entre judeus, e mosaicos como esse tinham uma função social importante semelhente aos livros, jornais e tv atuais. Isso também demonstra o quanto o judaismo do século I estava helenizado, como tem afirmado muitos estudiosos. O que não é grande novidade, pois já podiamos ter uma idéia da situação pela obra de autores como Flavio Josefo e Paulo de Tarso, ambos, ao mesmo tempo, fariseus, cidadãos romanos e fluentes em grego. O século II também foi o período das versões judaicas da Septuaginta: Áquila, Símaco e Teodocião, confirmando que havia uma população judaica helenizada que ansiava por traduções autorizadas em grego.

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  4. Então leia esse artigo e depois conversamos: http://www.biblicalarchaeology.org/daily/ancient-cultures/ancient-israel/first-person-the-sun-god-in-the-synagogue/

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  5. Já conhecia o artigo, mas o padrão apresentado pelas sinagogas de:
    Beth-Alpha com o personagem e sua quadriga;
    Sepphoris, com o disco solar e nada de personagem central ou carruagem e finalmente,
    En Gedi, sem nenhuma representação, mas apenas o texto hebraico, demonstram que o zodíaco tinha alguma função, que sem manteve, mesmo dispensando a presença da figura central. Daí a alegação de muitos estudiosos a respeito da função como calendário. Não nego a associação da figura central com o sol, mas ao que tudo indica ele NÃO está sendo adorado como o deus Helios aquí. Acontece que o calendário hebraico possui uma característica muito peculiar, que faz corresponder cada mês a um signo do zodíaco. Isso porque cada mês corresponde quase exatamente a uma constelação no céu. Hoje em dia usamos relogios, celulares e folhinhas, mas naquele tempo, um judeu que tivesse esse conhecimento (e eles tinham), bastaria olhar para o céu para saber em que mês estava. E depois, poderia ainda observar a fase da lua e saberia inclusive a semana, podendo inclusive chegar, com boa aproximação, à data corrente do calendário. Um exemplo disso pode ser dado pelo mês atual. Estamos em Nissan, pelo calendário hebraico, mês de Pesach (Páscoa). Isso significa que o Sol está nascendo em Áries, a constelação do Mês. A Páscoa Judaica é comemorada sempre ao fim do dia 14 de Nissan. Como os meses hebraicos começam sempre com a lua nova, duas semanas depois, quando é comemorada a Pascoa, sempre é lua cheia. Por isso a Pascoa judaica ocorre sempre na Primeira Lua Cheia da Primavera, mes de Aries, no hemisfério Norte (no Brasil, estamos no outono).
    Mas isso não ocorre automaticamente. Há uma diferença entre os calendários solar e lunar que precisa ser reajustada semelhante aos nossos anos bissextos, caso contrario as estações "mudam de posição", como nessas antigas sinagogas. Atualmente, fazemos esse reajuste e por isso tivemos um mes adicional este ano, Adar II. (É verdade, não acrescentamos só um dia mas um mês inteiro para corrigir o calendário.). No segundo artigo ainda é relatado que a representação dessa figura central não era exclusividade apenas de populações judias, mas também há registros cristãos de utilização da mesma imagem.
    Ai entramos no segundo argumento mais apresentado pelos especialistas: Arte. Da mesma forma que os padrões da arte grega foram utilizados nas sinagogas, igrejas já foram encontradas influenciadas pelo mesmo estilo. A arte grega a serviço do Cristianismo.
    Calendário e Arte! Sei que parecem argumentos simplistas (eu também acho), mas até agora ninguem propôs uma explicação melhor. Mesmo que fosse somente a Arte, ainda não seria um argumento que pudesse ser ignorado.
    Imagine se daqui a 1500 anos, arqueologos do futuro descobrissem os restos da Capela Cistina, com todas aquelas imagens de cupidos e figuras humanas despidas, ao estilo grego, sem saber, claro, o que tinha acontecido alí. Como explicariam essas estranhas figuras em uma igreja? Que explicação dariam? Diriam, por exemplo, que o Catolicismo do século XVI praticou algum tipo de sincretismo com a cultura greco-romana, adotando cenas e motivos da mitologia grega? Mas na verdade sabemos que não foi nada disso. Apenas Arte! E a arte de um mestre como Michelangelo.

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  6. Só mais uma informação. Como a astronomia não corresponde a astrologia, atualmente o Sol não nasce mais em Aries por essa época, mas em Peixes. É por isso que se diz que estamos na era de Peixes. A próxima será a Era de Aquário, quando o sol irá nascer nessa constelação nessa mesma época. Isto ocorre por causa do movimento de precessão do eixo terrestre descrito detalhadamente por Sir Isaac Newton no século XVII, que faz com que o Sol nasça gradualmente na constelação (signo) anterior. Com o tempo o nascimento do Sol se desviará para todas as constelações. O cliclo completo leva aproximadamente 25 770 anos para dar uma volta inteira. Dividindo por 12 signos temos cerca de 2147 anos para cada mudança de constelação. Esse seria o periodo de uma era. Mas na verdade o tempo varia de acordo com o tamanho da constelação. Como a atual, de Peixes, é uma grande constelação, provavelmente levaremos mais que isso.

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  7. Pelos meus cálculos, o sol só nascerá em Aquario, lá pelo ano 4000 E.C. Mas antes disso, já será dificil enxergar Peixes, pois estará no meio do caminho, nascendo entre Peixes e Aquario.

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  8. Resumindo minhas idéias em poucas linhas, acredito que o personagem central represente realmente o sol (mas não o deus Helios) e para representa-lo foi utilizada uma figura muito comum na arte grega, que os romanos chamarão mais tarde de Sol Invictus. Porém, o "significado" da prática tinha como objetivo a sincronização do calendário hebraico. Se houve alguma aplicação litúrgica foi apenas para indicar a direção em que sol nascia ao longo do ano. Isso porque os judeus, semelhantes aos muçulmanos, devem realizar suas orações voltados para Leste, a direção de Jerusalém (os muçulmanos, claro, oram voltados para Meca). Esse sistema funcionava bem para as colonias gregas ocidentais, mas quando foi adotado, devido a influencia cultural grega, nas sinagogas localizadas em Israel perdeu, enfim, sua função (pois Jerusalém está ao Sul nesse caso), sendo mantido apenas por motivos artisticos. Depois, pouco a pouco a representação do zodiaco foi sendo suprimida devido as sensibilidades iconoclastas de alguns segmentos do judaismo, até ser totalmente esquecida.

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  9. Sobre a interpretação como calendário veja o artigo de Rachel Hachlili:
    http://isites.harvard.edu/fs/docs/icb.topic1202528.files/Lesson%207/7%20Hachlili.pdf
    E sua conclusão:
    "The most plausible interpretation for the combination of Sun god-Zodiac
    signs-Seasons design is that the Jewish zodiac mosaic functioned
    as a calendar".

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  10. Márcio, não nego que o zodíaco possa ser a representação de um calendário. Só acho que é preciso encontrar uma explicação melhor para imagens de Helios, medusas e outros personagens da mitologia grega presentes em sinagogas e túmulos de judeus dos primeiros séculos. Talvez sejam apenas figuras ilustrativas, artísticas, produto da inculturação.

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  11. Realmente, as figuras de medusa e outros simbolos gregos característicos parecem ter sido usadas como amuletos. No entanto, é muito dificil estabelecer, em nossos dias, como realmente os judeus daquela epoca encaravam e explicavam o uso que faziam desses simbolos. Uma comparação poderia ser feita no caso da imagem da Virgem com o menino Jesus. É sabido que muitos estudiosos veem nessa representação, e com razão, ecos da imagem de outras deusas da antiguidade como Isis com seu filho Hórus. Certamente um romano do século I se visse a imagem reconheceria na figura a imagem de sua Deusa. Mas não é assim, absolutamente, que um cristão católico a descreve. É apenas a imagem de Jesus menino no colo de sua mãe Maria. Então, como saber de que forma um judeu do século I descreveria os símbolos gregos encontrados nas sinagoga e túmulos? O verdadeiro problema nessa questão, ao que parece, é que praticamente não há literatura da época a respeito, a não ser aquela que relaciona esses simbolos a utilização dos calendários. Além disso, restam apenas especulações sobre interpretações simbólicas que devido a esse problema permanecem sem base documental.

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  12. Como um exemplo (um dos raros), da literatura da época que identifica o zodiaco ao calendário hebraico veja o artigo de Helen Jacobus sobre o manuscrito do Mar Morto 4Q318, também conhecido como "4QZodiac Calendar and Brontologion": https://www.academia.edu/5986690/The_Zodiac_Sign_Names_in_the_Dead_Sea_Scrolls_4Q318_Features_and_Questions

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