segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

PARA ALÉM DA BÍBLIA, DE MÁRIO LIVERANI, PARTE III [APONTAMENTOS]

Fiz, aqui e aqui, breves apontamentos a respeito da obra “Para além da Bíblia”, de Mário Liverani. Trata-se de uma "tentativa nova de reescrita da história de Israel, levando em consideração os resultados da crítica textual e literária, as contribuições da arqueologia e da epigrafia". 

A primeira parte dos apontamentos destaca os elementos que considerei mais importantes no primeiro capítulo, que tem como título “A Palestina no Bronze Recente, séculos XIV-XIII” (até a página 38). Foram resumidos os seguintes tópicos: “paisagens e recursos” (modesta em recursos naturais, porém rica pela estratificação simbólica das memórias), “fragmentação política” (dividida em “Estados cantonais típicos”), descontinuidade dos assentamentos” (concentração nas áreas mais adequadas para a agricultura) e “domínio egípcio” (que cobre o período de 1460-1170 a.C., tendo como principais sedes de governo egípcio três centros siro-palestinos: Gaza, Kumidi e Sumura).

Na segunda parte, ainda no primeiro capítulo, resumi as principais características da ideologia egípcia, evidenciando o grau de submissão dos reis cananeus ao Faraó e a indiferença deste em relação aos problemas enfrentados por seus dominados com invasores “habiru”.  Liverani destaca que o Faraó era para os reis cananeus um “rei distante”. O tópico “ideologia egípcia” se estende até a página 42.

Dando seguimento aos apontamentos e encerrando o primeiro capítulo, destacarei os principais pontos dos tópicos 6 (o palácio e sua centralidade), 7 (prosperidade econômica e trocas comerciais), 8 (Vilas e órgãos colegiados), 9 (os nômades “externos”) e 10 (as tensões socioeconômicas). 
  • Em “O palácio e sua centralidade” (p. 43-45), Liverani sublinha o papel desempenhado pelo palácio real dos reis cananeus no Bronze recente em sua relação com a população que vivia ao seu redor. Gravitando em torno do palácio estavam os homens do rei” (não possuíam meios de produção próprios e trabalhavam para o rei: aristocracia militar, sacerdotes, administradores, artesãos, mercadores, guardas e escravos). Nas vilas mais distantes vivia a “população livre” (detinham meios de produção próprios e pagavam ao rei uma taxa). O reino era visto como uma herança indivisível transmitida hereditariamente já não mais ao primogênito, mas para aquele que tivesse “honrado” os pais. 
  • No tópico “prosperidade econômica e trocas comerciais” (p. 45-47) o autor faz uma análise das cidades palatinas cananeias dos séculos VI a XIII sob o ponto de vista econômico. Elas são apresentadas como “economicamente prósperas e culturalmente animadas”. Destaque para o uso da escrita cuneiforme pelos administradores, possível pelo estabelecimento de escolas de escribas; artesanato de luxo com forte influência estilística e iconográfica egípcia; produção de armas de bronze e pasta de vidro; comércio desenvolvido e intercâmbio político diplomático. Liverani destaca, porém, as escassas relações externas ao sistema, nas rotas do Mediterrâneo e nas trilhas de caravanas do deserto. O desenvolvimento marítimo e terrestre só ocorrerá no período do Ferro, com a domesticação do camelo/dromedário e a melhorias das técnicas de navegação.  Liverani destaca ainda que o entesouramento, a circulação de bens de prestígio nos palácios e a pressão exercida pelas elites palatinas sobre a população agropastoril constitui um estado de desiquilíbrio insustentável a longo prazo. 
  • Quanto às “vilas e órgãos colegiados” (p. 47-50), Liverani estima que 80% das pessoas vivam nas vilas com seus próprios meios de produção: terras de propriedade familiar e rebanhos de cabras e ovelhas. Unidos pelo vínculo de parentesco as vilas tinham uma gestão colegiada em dois níveis: conselho de anciãos, composto pelos chefes de família e uma assembleia popular formada por todos os homens adultos livres. 
  • No nono e penúltimo tópico, “Os nômades ‘externos’” (p. 51-53), o autor passa a falar a respeito dos nômades “externos” definidos em termos tribais como “suteus” (textos acádios) e “shasu” (textos egípcios). A presença deles era vista como perigosa para quem atravessava as estepes do sul e do leste como atesta um mensageiro egípcio no papiro de Anastase I, do período Ramesside (no livro Liverani reproduz o texto).  Ainda que nenhuma tribo bíblica apareça nesses textos, a estela se Sethi I nomeia além de “Habiru dos montes de Yamarti” uma tribo chamada “Raham”, talvez tendo como antepassado epônimo um “pai de Raham” (Abu-Raham), que é o nome do patriarca Abraão.  Liverani também cita a bem conhecida estela de Merneptah (1230 a.C.) na qual aparece pela primeira vez o nome “Israel”. 
  • Finalizando o primeiro capítulo Liverani passa a apresentar um quadro a respeito das “tensões socioeconômicas” (p. 53-56) provocadas sobretudo pelo “processo de endividamento da população camponesa e pela atitude muito dura e proposital por parte do rei e da aristocracia palatina”. Liverani explica que as dificuldades econômicas induziram os camponeses “livres” a penhorar alguns de seus bens (terras, mulheres e filhos) a fim de obterem trigo. Ele identifica os refugiados endividados com os “habiru” e não deixa de notar, como fazem outros estudiosos, a semelhança etimológica de “habiru” com “hebreus” (ibri). Nos textos os “habiru” geralmente aparecem como sinônimo de “foras-da-lei” ou “inimigo”. O tom pejorativo do termo fica evidente num texto citado pelo autor: “O rei de Hasor abandonou a sua casa e se meteu com os habiru”. Em seguida o texto faz um alerta: “saiba o rei [...] que farão se tornar habiru a terra do rei!”. Liverani cita outros textos nos quais o nome habiru aparece associado à invasões a cidades aterrorizadas pelo assalto violento do grupo. Ele finaliza o capítulo destacando o seguinte:“esses fermentos de crise se inserem como sinais premonitórios na crise final do período do Bronze recente”.
A atitude dura dos reis cananeus, somada à indiferença do Faraó frente às invasões nômades gerou um enorme descontentamento na população. Esse cenário será profundamente abalado por novas transformações ocorridas na idade do Ferro, temas do próximo capítulo.

Continua aqui


Jones F. Mendonça

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