1. Uma das atividades mais elementares do ser humano consiste na classificação do mundo percebido pelos sentidos. Essas classificações aparecem relacionadas, por exemplo, ao espaço: 1) coisas situadas acima do plano (no céu), 2) coisas situadas no plano (a terra), e 3) coisas situadas abaixo do plano (no subsolo). Os antigos chegavam a projetar esses três planos no imaginário religioso: nos céus, os deuses; na terra, os seres vivos; no submundo, os mortos/deuses da morte ou os demônios.
2. Além da relação com o espaço, a classificação também aparece envolvida com o tempo. Classificamos aquilo só existe no âmbito da memória como passado, aquilo que está sendo vivido como presente, e inserimos nossos planos e expectativas no tempo reservado ao futuro. Além de tempo e espaço, classificamos também as cores, os tipos de solo, os gêneros musicais, as ideologias, os sabores, as placas de trânsito e até mesmo o tipo de hambúrguer vendido na lanchonete. É impossível viver sem classificar.
3. Os seres humanos também não escaparam à classificação. Distinções são feitas a partir da cor da pele, do status social, do local de nascimento, do sexo, da religião e também do papel social de gênero. Quando alguém pergunta: “o que faz de um macho um macho de verdade?”, estamos nos perguntando a respeito do papel de gênero, ou seja, do papel desempenhado pelo macho tal como esperado em determinada sociedade. Não é preciso viajar pelo mundo para saber que esse papel não cai do céu, mas é socialmente construído.
4. Lutero, por exemplo, achava que machos não tinham um dom natural para acalentar bebês, habilidade que ele considerava inata às mulheres (Preleções sobre o Gênesis, 3,16). Um macho que porventura revelasse aptidão com recém-nascidos seria classificado como “maricas”, ou seja, como um macho que não está cumprindo bem o papel que lhe foi reservado pelo grupo no qual está inserido. Nas sociedades patriarcais esperava-se que o homem dominasse as mulheres. Veja o caso de alguns personagens bíblicos.
5. Um leitor atento percebe, por exemplo, que Faraó é ridicularizado na narrativa bíblica por não ter controle sobre sua filha, que adota um bebê hebreu. Do mesmo modo, a incapacidade de Acabe em governar Jezabel cumpre o propósito do narrador, que tem a clara intenção de retratá-lo como um rei fraco e “pouco masculino”. Das mulheres era esperado, acima de tudo, que gerassem filhos. Elas mesmas assumiam esse papel, o que explica a profunda angústia de Ana (1Sm 1,11) e Raquel (Gn 30,1). Nas sociedades urbanas modernas esse papel vem perdendo força.
6. Bem, eu venho há algum tempo catalogando livros que se dedicam ao tema “sexo e gênero na Bíblia”. Aqui estão algumas das obras que consegui encontrar sobre o assunto:
ANDERSON, Cheryl. Women, ideology and violence: the construction
of gender in the Book of the Covenant and Deuteronomic Law. London: Bloomsbury
Publishing PLC, 2005.
STÖKL, Jonathan; CARVALHO, Corrine L. (edit.). Prophets
male and female: gender and prophecy in the Hebrew Bible, the Eastern
Mediterranean, and the ancient Near East. Atlanta: SBL Press, 2013.
MATTHEWS, Victor H., LEVINSON, Bernard M. FRYMER-KENSKY,
Tikva. Gender and Law in the Hebrew Bible and the Ancient Near East. Shefield:
Sheffield Academic Press, 1998.
BAKER, Cynthia M. Rebuilding the House of
Israel: architectures of gender in jewish antiquity. Stanford: Stanford
University Press, 2002.
CARR, David M. The Erotic Word: sexuality,
spirituality, and the Bible. Oxford: Oxford
University Press, 2OO3.
ROOKE, Deborah W. Embroidered garments priests
and gender in Biblical Israel. Sheffield:
Sheffield Phoenix Press, 2009.
Jones F. Mendonça
Nenhum comentário:
Postar um comentário