1. É possível apresentar ao menos três razões para explicar as diferenças – por vezes gritantes – entre as versões da Bíblia disponíveis no mercado. A primeira delas aparece relacionada ao manuscrito utilizado como base para a tradução. Ao contrário do que muita gente imagina, as cópias do texto bíblico do AT e do NT, produzidas manualmente durante séculos, possuem muitas diferenças entre si, ocasionadas por diversas razões, tanto intencionais como não intencionais. É tarefa da Crítica Textual comparar essas cópias na tentativa de reconstruir aquele que seria o texto mais antigo. Este trabalho envolve uma série de complexidades que não cabem em um post do Facebook.
2. A segunda razão toca em uma questão que afeta qualquer tipo de tradução. As palavras de um determinado idioma não equivalem exatamente às palavras de outro idioma, exigindo do tradutor um exercício nem sempre fácil: escolher palavras do idioma de destino que melhor correspondam às palavras do idioma original. Esse exercício se torna ainda mais complexo quando o texto que está sendo traduzido foi redigido de forma poética (como os Salmos), ou estruturado em pequenas sentenças (como o Livro de Provérbios). Nem todos compreendem do mesmo modo as metáforas, os jogos de palavras, as sutilezas do idioma original. E é preciso acrescentar: sequer sabemos o significado de algumas palavras.
3. A terceira razão diz respeito ao método de tradução: equivalência formal ou equivalência dinâmica? Os tradutores que optam pelo método de equivalência formal se esforçam para manter a estrutura original do texto. Um exemplo: “vaidade das vaidades, diz o pregador...”. Neste caso, o tradutor buscou seguir exatamente a estrutura do texto hebraico: “havel havalim ‘amar qohélet”. As versões que adotam o método de equivalência dinâmica, entendendo que a repetição de uma mesma palavra, no singular e no plural (“havel havalim” = “vaidade das vaidades”), funciona como superlativo, optam por sintetizar a ideia de maneira mais simples. Isso explica a opção feita pela NVI: “Que grande inutilidade!”.
4. É interessante notar que o exemplo acima, tomado de Eclesiastes 1,2, exigiu do tradutor duas habilidades: 1) Escolher uma palavra em nosso idioma que melhor corresponde ao hebraico “havel”, que significa “névoa” (daí “vaidade”, do latim “vanus” = “vazio”, ou, como preferiu a NVI, “inutilidade”); 2) Escolher se mantém a estrutura original do texto (equivalência formal) ou se tenta capturar a ideia que o texto quer comunicar (equivalência dinâmica). Caso o texto de Eclesiastes em questão tivesse sido registrado de maneiras diferentes nos manuscritos disponíveis, ainda seria necessário decidir qual deles reproduz melhor o texto mais antigo. Veja como não é fácil o trabalho do tradutor.
Jones F. Mendonça
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