sábado, 22 de abril de 2023

BÍBLIA, EXEGESE E RACISMO

1. Os versos 7 e 8 do capítulo 4 do livro bíblico de Lamentações parecem indicar que indivíduos com pele “mais branca do que o leite” são mais desejáveis do que aquelas “mais negras do que o carvão” (NVI). Uma leitura apressada sugere que pessoas de pele negra tinham pouco valor na antiga sociedade israelita. Será?

2. Em minha opinião a palavra hebraica traduzida por “branca” (tzahah) não indica cor, mas outra característica presente no leite e na neve. Explico. Embora “tzahah” só apareça neste verso de Lamentações (daí a dificuldade em traduzi-la), ela deriva de outra palavra (tzah) que significa “ofuscante”, “resplandecente”, “abrasador”, etc.

3. No livro bíblico de Cantares (5,10), por exemplo, o amado é descrito como “tzah” e “adom”. O texto destaca o VIGOR da pele de seu amado e sua aparência AVERMELHADA ( = corada, saudável): "meu amado é ALVO [ou melhor, "resplandecente"] e rosado" . Ou seja, é "puro vigor", um "homão". 

4. No caso de Lamentações a pele “enegrecida” [hashakh] não é desvalorizada pela cor, mas pela imagem evocada. Repare que no v. 8 a pele “enegrecida” faz alusão a uma pele seca, sem vigor: “sua pele [enegrecida] se lhe colou aos ossos, ela é seca como a lenha”. A mesma descrição aparece em Jó 30,30: “Minha pele se enegrece [shahar] e cai”.

5. Não é minha intenção aqui fazer uma leitura politicamente correta das Escrituras. No Antigo Testamento determinadas condutas são nitidamente reprováveis à luz dos valores éticos e morais adotados em nossa sociedade moderna. Mas racismo não há (até onde pude constatar).


Jones F. Mendonça

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