1. O Livro dos Salmos, tal como se encontra em nossas Bíblias, é fruto de um longo trabalho feito por compositores, colecionadores e editores. Estes últimos dispuseram os Salmos de acordo com alguns esquemas programáticos. Algumas vezes esse esquema segue a lógica da autoria: 42-49 (Coré); 50 (Asaf); 51-72 (DAVI); 72-83 (Asaf) e 84-89 (Coré). Note que o “Salmo de Davi” aparece no centro, cercado por Asaf e Coré (disposição quiásmica).
2. Mas até mesmo os títulos de “autoria” parecem ter sido incluídos pelos editores. Aliás, a tradução “Salmo de...” (Davi, Coré, Asaf...) tem sido objeto de muita discussão. Afinal, o Salmo 51 foi escrito por Davi, foi inspirado na vida de Davi ou o nome “Davi” é apenas uma homenagem à personalidade a qual se atribuía o patrocínio da coleção? Está confuso? Eu explico.
3. Na abertura do Salmo 3 lemos assim: “mizmor LeDavid”. Uma tradução mais fiel seria “Salmo para Davi” ou “Salmo a Davi” (o “Le”, antes do nome de Davi é preposição). Em alguns casos esse “Le” (לְ) indica pertencimento, como consta, por exemplo em um selo encontrado em Jerusalém datado para a época de Ezequias: “PERTENCE a Ezequias, filho de Acaz” (LeEzequias).
4. Na Bíblia essa preposição também funciona como indicativo de pertencimento quando aparece antes de nomes próprios. Quer exemplos? Lá vai. Veja o caso de Rt 4,9: “comprei da mão de Noemi tudo o que PERTENCIA a Elimelec” (לאלימלך). Veja agora 1Sm 27,6: “É por isso que Siceleg PERTENCE aos reis de Judá” (למלכי). Assim sendo, porque não devemos ler: “Salmo pertencente a Davi”?
5. Seja como for, esses títulos deixam uma coisa bem clara: de alguma maneira o editor via afinidade entre o Salmo e a personalidade referida no título. Talvez pensasse que era seu autor, talvez patrocinador, talvez que essas personalidades apenas funcionavam como inspiração para um poeta posterior, que se imaginava, por exemplo, na pele de Davi. Quem saberá?
Jones F. Mendonça
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