Leio os escritos de Fílon de
Alexandria, judeu helenista do primeiro século a.C. Interessam-me suas
considerações a respeito da Lei judaica no que concerne à licitude de certas
práticas sexuais.
Em Leis III, 32, o sábio judeu
aconselha o marido a vigiar o corpo de sua mulher assim como o lavrador habilidoso
vigia o campo no qual depositará sua semente. Explica que ele deve abster-se de
semear quando o “campo” (a vagina) está “inundado” (pelo sangue da
menstruação). Mas por que todo esse cuidado para não “desperdiçar a semente”? Simples:
é que Fílon entende (como os filósofos estoicos) que o sexo tem como finalidade
única a reprodução: “o prazer sexual não foi dado ao homem para o gozo ou a
fruição, mas para a propagação da espécie” (Sêneca em “Consolação à Hélvia”).
Isso explica sua condenação aos
homens que se casam com mulheres estéreis mesmo sabendo de sua condição (34).
Neste caso o ato sexual seria um inaceitável “desperdício de semente”, algo que
ele classifica como “contra a natureza” (pecado da luxúria). Igual condenação
ele estende aos jovens que “encaracolam os cabelos”, “maquiam o rosto” e “delineiam
os olhos”, “mudando o seu caráter viril” (efeminados). Tal prática, explica
Fílon, consiste num “desperdício do poder de propagar a espécie” (39),
permitindo que “terras férteis e produtivas permaneçam em repouso”, provocando
a “desolação das cidades”.
Entre os primeiros cristãos a
visão do sexo como prática restrita à procriação reaparece, por exemplo, em Clemente
de Alexandria: “O casamento é o desejo da procriação e não a ejaculação
desordenada do esperma que, aliás, é contrária tanto à lei quanto à razão”
(Pédagoge, II, 10). Jerônimo chega a dizer (citando Xystus) que “aquele que é
muito ardente com sua própria esposa é adúltero” (Contra Joviniano, I, 49). Quando
Levy Fidelix, num debate presidencial em 2014, condenou a homossexualidade
masculina argumentando que “aparelho excretor não reproduz”, repetiu a velha condenação
estoica ao “desperdício de esperma”, repetida pelos judeus helenistas, pelos
cristãos dos primeiros séculos e pelo catolicismo moderno.
Jones F. Mendonça
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