LXF=Legio X Fretensis |
Evangelho de Marcos, capítulo 5, verso 1:
Jesus atravessa o Mar da Galileia e chega à terra dos gerasenos (Gerasa). Mateus, capítulo 8, verso 28: Jesus navega pelo
Mar da Galileia e desembarca na terra dos gadarenos
(Gadara). Mas Gerasa (Marcos= 50Km a sudeste do Mar da Galileia) e Gadara
(Mateus= a 12Km do mesmo lago) são cidades diferentes. Ambas são citadas por
Plínio como pertencendo a uma liga de dez cidades romanas (Decápolis) fundadas em 64 a.C.
Diante da dificuldade quanto à distância
que teria que ser percorrida pelos dois mil porcos até se precipitarem no mar,
surgiram várias soluções: a) Orígenes sugeriu a cidade de Gersesa (sem nenhum
fundamento), b) porcos endemoniados têm força sobrenatural (!), c) pouco
importa, pois o relato não possui caráter histórico, mas consiste numa espécie
de midrash do capítulo 14 do Êxodo (a exegese rabínica via sentidos velados no texto da Tanak). Quanto a esta última posição, vale
comparar Êxodo com Marcos:
Ex 14,28 As águas, tornando, cobriram os carros e os cavaleiros, todo o exército de Faraó, que atrás deles havia entrado no mar; não ficou nem sequer um deles.
Mc 5,13 Saindo, então, os espíritos imundos, entraram nos porcos; e precipitou-se a manada, que era de uns dois mil, pelo despenhadeiro no mar, onde todos se afogaram.
O paralelo seria o seguinte: no Êxodo as
tropas de Faraó foram destruídas pelo mar sob a liderança de Moisés. Marcos estaria
insinuando que tropas romanas (legião) também seriam destruídas pelas águas,
agora sob a liderança de Jesus (na parousia?), entendido como uma espécie de
Messias político. A tese parece ganhar força quando vem à tona um importante
detalhe: A Legio fretensis (legião
romana), cujo símbolo era um javali (porco selvagem), estava situada na Síria desde o ano 6 d.C. (também usavam
o javali como símbolo a Legio
I Italica; XX Valeria-Vitrix e II Adiuntrix). Com a revolta judaica em Jerusalém na
década de 60 d.C. a legião foi deslocada da Síria para a capital religiosa dos
judeus (participou do cerco/destruição e passou a vigiar suas ruínas da cidade).
Caso esta seja a interpretação correta, a
passagem jamais deveria ser utilizada para legitimizar atividades missionárias
em terras estrangeiras, como geralmente se faz (tanto Gadara como Gerasa são
cidades gentílicas e Jesus teria operado milagres em alguma delas). O texto
seria uma crítica à ocupação das tropas romanas, instaladas no local desde 63
a.C. sob a liderança de Pompeu. Mas mesmo que esta última interpretação seja
tomada como certa, fica a pergunta: por que Marcos escolheu uma cidade tão
longe do mar da Galileia (Mt parece querer aproximar)? Mesmo que o relato não
seja histórico seria de se esperar certa preocupação com os aspectos geográficos
da região. Ou o autor do segundo Evangelho não conhecia bem a região da Galileia?
O tema merece uma investigação melhor.
Jones F. Mendonça
Em tempo: Flávio Souza Cruz, do Ad Cummulus, acabou lendo meu texto e sugeriu uma resposta ao problema da distância entre Gadara/Gerasa ao "mar". Estou convencido de que ele matou a charada. Leia aqui um texto seu escrito em 2008.
Que interpretação interessante. Nunca tinha visto alguém interpretá-la de forma não literal. Em alguns ciclos pentecostais e carismático-católicos usa-se tal passagem para argumentar que animais podem ser possuídos por demônios.
ResponderExcluirA forma alegórica me parece fazer muito mais sentido (e ter muito mais bom senso...)
RobinHood
Aparentemente Jonas, o relato tem raiz teológica, um simbolismo teológico, historico certamente nao é. eu li sobre o assunto, no livro muito bom chamado Manual de demonologia- fonte editorial, o autor dedica umas 250 pgs da obra analisando o relato de marcos.
ResponderExcluirHá ainda ou outro detalhe que não pus no texto. Marcos diz que o endemoniado andava pelos túmulos (lugares impuros). Israel, enquanto no Egito, também andava em meio aos túmulos (as grandes pirâmides).
ResponderExcluirDuas coisas me intrigam na passagem:
1) Esse tipo de exegese é comum em Mateus, não em Marcos.
2) Por que Gerasa?
tem tambem um livro da ed. Paulinas O Jesus exorcista, que é uma exegese dessa pericope de marcos, esse eu nao li.
ResponderExcluirNão poderiam ser acontecimentos distintos? Acho que dificilmente deixam de ser acontecimentos historicos.
ResponderExcluirEu acho que esse tipo de quadro simbólico é sim muito presente em Marcos. Muitas alusões a Israel em forma de símbolos, assim como ao Império Romano e diversos paralelos de Jesus como um novo Moisés ou Elias/Eliseu. Pergunta que não tenho resposta ainda: por que Gerasa? E por que esse episódio está antes do episódio da mulher siro-fenícia?
ResponderExcluirJesus como o novo Moisés/Elias/Eliseu em Mateus é evidente. Jesus sai do Egito, fica 40 dias no deserto, submete yam, o mar, é milagreiro como Elias/Eliseu...
ExcluirEm Marcos, se há paralelos, são discretos. No caso do endemoniado Gadareno/Geraseno temos um relato rico, atípico em Marcos.
Mas vamos lá, venha com seus argumentos.
se fala de JESUS entao e melhor dispensar comentarios basta somente vuce cre .pois o poder de DEUS e para os que creen e nao para os que queren argumentar aumentando a chance de confusao...
ExcluirQuem crer tem o Poder? Não vejo pessoas andandano sobre as águas! ...as obras que faço ou maiores...João 14. Escrito é bonito mas a realidade...
ExcluirOlá Jones! Achei bem interessante o seu texto mencionando a moeda com o javali. Em 2008 eu publiquei um texto semelhante tratando do assunto. http://adcummulus.blogspot.com.br/2008/10/existiu-o-demnio-geraseno.html
ResponderExcluirCreio que podemos sofisticar melhor agora a hipótese! Grande Abraço!
Flávio,
ResponderExcluirEstou plenamente convencido de que a passagem consiste numa espécie de interpretação midráshica do Êxodo (Mateus adorava isso). Cheguei a pensar que a longa distância entre Gadara/Gerasa até o "mar" deveria corresponder à distância entre a terra de Gosen ao Mar Vermelho (mar dos juncos - yam suf), onde a tradição judaica situa a destruição dos caros de Faraó pelo mar.
Sua hipótese é muito melhor. Indiquei seu texto no final do meu post. Obrigado pela contribuição. Abç!
Só mais um detalhe. Ainda continuo achando estranho um texto como este estar em Marcos, Evangelho tão sucinto e aparentemente pouco dado à interpretações desse tipo. O Novo Testamento não é minha área. Algum palpite?
ExcluirA paz do Senhor ! E o livro de Lucas? No cap: 8 vers: 2 relata sobre eta passagem e ele coloca como" a terra dos gadarenos"... E sabemoslucas é bem detalha sobre o que escreveu... Como confirmar que região se sucedeu o milagre? Gerasa ou Gadara?
ResponderExcluirassim como existe a luz infra vermelho que os nossos olhos nao consegue perceber , e impossivel o ser humano natural cre que exista possessao de demonios so atraves do espirito santo que podemos perceber atraves dos dons que o espirito de DEUS da para todos os que sao batizados com fogo do espirito santo.
ResponderExcluirEu tbm vi outro detalhe ,pois Mateus fala de dois endemoninhado,já Marcos e Lucas só falam de um. Sera que Jesus operou dois milagres em cidades diferentes ?
ResponderExcluirSim também percebi isso.
ExcluirDecápole, decálogo... Interessante!
ResponderExcluirInteressante, vi essa possibilidaade de interpretação com a doutora da URFJ Juliana Cavalcante, mas vi alguns complicadores nessa interpretação. A primeira seria sobre o local. Os autores dos evangelhos usam a expressão "região" e por isso não dá a ideia de local exato. A região dos gerasenos podia se entender até o lago. De fato, segundo pesquisei, onde hoje é Khersa , havia uma aldeia que bate com a descrição do evangelho, ou seja, despenhadeiros que dão no mar e uns 3 km dali túmulos da época em cavernas. Então é possível que esse seja o lugar concebido por Marcos. Segunda complicação é que Javali não é porco de criação e o texto diz que os porcos eram domésticos, somado a isso tem uma terceira complicação, pois não achei em canto nenhum uma fonte dizendo que uma legião romana teria 2 mil homens. Achei referência de 3 a 6 mil. Sendo o relato verídico ou não a probalidade de que o autor do evangelho de Marcos quisesse que seus leitores entendesse a passagem como literal é muito grande.
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