sexta-feira, 14 de março de 2025

O QUE SIGNIFICA "POBRES DE ESPÍRITO"?

1. A expressão “pobres de espírito” (Mt 5,3), presente no Sermão do Monte de Mateus, aparece ao lado de “mansos” (5,4), “aflitos” (5,5), “promotores da paz” (5,9) e “perseguidos” (5,10). No contexto parece claro que ser “pobre de espírito” ou indica uma virtude (como os “mansos” e “promotores da paz”); ou a condição de quem precisa do auxílio divino (como os “aflitos” e “perseguidos”). A segunda opção parece ser a mais acertada: ser “pobre de espírito” é ser “oprimido”, “desafortunado”, “desamparado”, “humilhado”.

2. Mas de onde teria vindo essa expressão? Bem, é bastante provável que o grego "πτωχοι τω πνευματι" corresponda ao hebraico “שפל־רוח” ( = “rebaixado de espírito”, cf. Pv 16,19 e Is 57,15) ou “עני ונכה־רוח” ( = “pobre e ferido de espírito”, cf. Is 66,2). Em Provérbios, “pobre de espírito” é colocado em oposição aos “exaltados”; Isaías 57,15 destaca que embora resida nas alturas, Yahweh está junto dos “pobres de espírito”; Isaías 66,2 faz a mesma comparação: Yahweh tem nos céus o seu trono, mas seus olhos estão voltados para o “pobre e o ferido de espírito”.

3. A tradução “espiritualmente pobres”, proposta pela NTLH, vai em outra direção, sugerindo que esses indivíduos são dotados de uma espiritualidade empobrecida, debilitada, adoecida. Outra tradução que se desvia do sentido que o texto quer dar é “humilde de espírito”, pessoa simples, que não procura se colocar acima das demais. O ideal seria “humilhada em espírito”, porque esta é sua condição: humilhada, rebaixada, subjugada, oprimida pelos poderosos. Deus, assim, se coloca como aquele estende a mão aos “pobres de espírito”, ou seja, a todos aqueles que por alguma razão se sentem pisados como a lama das ruas.


Jones F. Mendonça

quarta-feira, 12 de março de 2025

O "COLO DO ÚTERO" NA BÍBLIA HEBRAICA


1. Quando uma mulher caminha para os últimos dias da gravidez, o colo do útero começa a se preparar para a saída do bebê, dilatando-se e tornando-se mais flexível. É óbvio que os antigos israelitas não tinham uma compreensão detalhada a respeito da fisiologia do parto, mas as parteiras sabiam que uma dilatação precisava acontecer e que uma ajuda do bebê era importante.

2. Aquilo que hoje chamamos de “colo do útero” era conhecido em hebraico como “mishber” (משבר), algo como “local do rompimento”. Dois exemplos. Em Isaías 37,3 lemos este lamento atribuído ao rei Ezequias: “os filhos chegaram AO PONTO DE NASCER (mishber), mas não há força para dar à luz” (Bíblia de Jerusalém). Uma tradução literal seria: “os filhos se achegam AO LOCAL DO ROMPIMENTO, mas não há força para fazê-los nascer”.

3. O verso aparece no contexto da invasão assíria, cujo exército estava estacionado em Laquis, a poucos quilômetros de Jerusalém. A imagem de mulheres em trabalho de parto, incapazes de dar à luz, fui usada pelo rei Ezequias para enfatizar sua tristeza frente à ameaça imposta pelo exército inimigo, que revelava ser capaz de permitir a vida ou declarar a morte dos filhos do seu povo. A fraqueza da mãe reflete a fraqueza de Jerusalém.

4. No livro do profeta Oséias, o “mishber”, nosso “colo do útero”, reaparece, desta vez enfatizando a apatia do bebê, que não reage frente aos esforços desesperados da parteira: “os cordões do parto vêm sobre ele, mas ele é filho não sábio, porque é tempo [de nascer], mas não toma posição no local dos filhos” (Os 13,13). Os “cordões do parto” são as dores do parto e a não “tomada de posição” indica a falta de cooperação do bebê com a parteira e com a mãe.

5. Mishber só aparece nesses dois textos: Is 37,3 ( = 2Rs 19,3) e Os 13,13. O primeiro funciona como retrato do desespero: “Jerusalém está cercada, o que será de nossos filhos”. O segundo compara um “bebê insensato” – pouco disposto a colaborar com o trabalho da parteira – com Jerusalém, indiferente aos apelos de seu Deus (13,16).


Jones F. Mendonça