1. Um leitor atento percebe com facilidade que sob a perspectiva narrativa o Pentateuco deveria terminar no capítulo 27 de Números. E por quê? Bem, é que nesta parte do livro, Moisés, já velho, recebe a ordem divina para contemplar a terra que havia sido dada a seus pais, estando sob a cadeia montanhosa de Abarim. No v. 20 uma última ordem lhe é dada: “invista sobre ele [Josué] sua autoridade, a fim de que toda a comunidade de Israel lhe obedeça”. Fim do ministério de Moisés...
2. Ocorre que o livro de Números só termina no capítulo 36 e Moisés ainda reaparece recebendo ordens e se dirigindo à comunidade, tratando questões relativas a votos, festas, guerras, divisão da terra, heranças, etc. No capítulo 33 temos até mesmo uma recapitulação da trajetória do Êxodo. Deve parecer óbvio para qualquer leitor que o Pentateuco, tal como se encontra, é o resultado de uma compilação e não uma obra redigida pelo próprio Moisés.
3. É ainda mais surpreendente que Moisés reapareça no livro seguinte, o Deuteronômio, que significa “segunda lei” (deutero = segunda; nomos = lei). Este título foi dado de forma acertada, afinal o que é o Deuteronômio senão uma atualização da Lei em forma de pregação? Este último livro do Pentateuco, como muitos notaram, possui características muito diferentes dos primeiros quatro livros (o Tetrateuco), não apenas na forma, mas também no conteúdo.
4. Os tradutores da Bíblia de Jerusalém traduziram assim Nm 27,20: “comunica-lhe UMA PARTE da tua autoridade, a fim de que toda a comunidade dos filhos de Israel lhe obedeça”. O tradutor acrescentou o “uma parte” porque tentou fazer parecer ao leitor que a transferência de autoridade havia sido parcial, uma vez que o livro mantém Moisés como personagem principal até Deuteronômio 34, quando finalmente morre.
5. A morte de Moisés, em Dt 34, caberia muito bem no final de Nm 27.
Jones F. Mendonça
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