segunda-feira, 21 de agosto de 2023

AS TROVOADAS DE EDOM

Arte produzida por IA

1. Quatro textos da Bíblia Hebraica situam no Sul do Levante ( = de Canaã) a origem de Yahweh: Jz 5, Dt 33, Hab 3 e Sl 68. Além da indicação geográfica, esses textos também apresentam Yahweh como uma divindade guerreira, associada à tempestade, e que sai à frente do seu povo contra os inimigos. De acordo com o Livro do Profeta Habacuque, o segredo da sua força está no “nos raios que saem da sua mão” (3,4). O aguaceiro que se derrama é tão forte que chega a “fender o solo”, desnudando os fundamentos da terra “até a rocha” (3,9.13).

2. Além dos raios e da torrente, Yahweh utiliza outros instrumentos na batalha: à sua frente avança a peste (Deber?); na retaguarda quem o acompanha é a febre (Reshef?). Todo esse movimento desperta no profeta um grande terror: “agitam-se minhas entranhas, meus lábios tremem, penetra a podridão nos meus ossos, meus passos vacilam”. A poesia hebraica valoriza, com sua extrema concretude, os reflexos do pavor do profeta em sua estrutura física: suas entranhas, seus lábios, seus ossos, seus pés... Todo o seu corpo entra em colapso diante do poder de Yahweh.

3. Esta tradição poética, dotada de traços de memória bastante antigos, é utilizada em contextos diferentes na Bíblia Hebraica. Em Habacuque funciona como canto de vitória sobre os caldeus, povo mesopotâmico que ameaçava Judá com sua força no final do século VII; Em Juízes celebra a vitória de Débora e Barak sobre o exército de Sísera, general de Jabin, rei de Hazor, cidade ao Norte do Mar da Galileia; No Deuteronômio foi inserida na bênção de Moisés, proferida pelo patriarca antes de morrer; No Salmo dirige-se a todos os povos que "têm prazer na guerra” (68,30).

4. Uma só tradição poética, quatro sentidos. Os hebreus eram mestres na arte da ressignificação.


Jones F. Mendonça

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