1. Uma interpretação que se tornou tradicional e remonta aos primeiros séculos vê Is 14 e Ez 28 como uma espécie de sinopse poética da queda de Satanás, desde sua rebelião contra Yahweh até sua punição definitiva, sendo “reduzido a cinzas” (Ez 28,18), “precipitado no abismo” (Is 14,15). Mas tanto Isaías como Ezequiel falam da punição de reis de carne e osso.
2. Isaías 14,3-23 consiste em um mashal (sátira poética) contra o rei da Babilônia, nação responsável pela destruição de Jerusalém no início do século VI. Ez 28, 11-19 é um qiyna (elégia, lamento fúnebre) contra o rei de Tiro, cidade fenícia conhecida por seu comércio marítimo. Os destinatários dos oráculos são indicados nos títulos (Is 14,4 = Babilônia; Ez 28,12 = Tiro).
3. Além de Ezequiel e Isaías, oráculos contra nações estrangeiras também podem ser encontrados, por exemplo, em Amós, Jeremias, Naum e Obadias. De forma geral esses oráculos seguem um modelo: tal rei foi tomado pelo orgulho, por isso será punido severamente por Yahweh. São recorrentes as imagens da “queda”.
4. O rei de Edom, arrogante porque habita na “fenda do rochedo”, e que deseja ter “entre as estrelas o seu ninho” (Ob 1,3-4), será precipitado de lá. O rei de Tiro, orgulhoso do sucesso de seu “comércio intenso”, será “atirado por terra” (28,16-17). Em Isaías a imagem é a mesma: “dizias no teu coração: ‘Hei de subir até o céu... [mas] foste precipitado no Sheol” (Is 14,13-15).
5. As palavras atribuídas a Jesus, em Lc 10,18: “Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago!” apenas reproduzem uma percepção já consagrada na literatura judaica: “todos os poderes opressores (humanos ou não) serão lançados por terra". Mas não há qualquer razão para associar Lc 10,18 a Isaías 14 ou Ezequiel 28. Isso é invenção dos exegetas alegoristas dos primeiros séculos.
Jones F. Mendonça
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