1. Assim como os pintores renascentistas retratavam os personagens bíblicos como europeus (fisionomia, vestes, arquitetura, etc.), os tradutores europeus certamente também foram influenciados por sua própria cultura enquanto traduziam a Bíblia. Dou um exemplo.
2. O Livro dos Cânticos, capítulo 5, verso 10, geralmente é traduzido desse modo: “Meu amado é branco e rosado”. Esta tradução sugere que o amado é branco com bochechas rosadas. Mas não é isso. Explico.
3. Uma tradução mais literal fica assim: “meu amado é ofuscante/ardente e vermelho”. A ideia talvez seja retratá-lo como Davi ou quem sabe destacar seu vigor, representá-lo como uma brasa avermelhada e ofuscante. Difícil saber com certeza.
4. A palavra traduzida por “branco” e que optei por traduzir por “ofuscante” é “tzah” (צח). Ela reaparece em Is 18,4 para qualificar o calor: “como um calor ardente [tzah] em plena luz do dia” e em Is 32,4: “a língua dos gagos falará com desembaraço e com limpidez”.
5. “Tzah” sempre indica algo brilhante, ofuscante, claro, límpido, nunca a cor branca. Veja que até os cuchitas, que eram negros, são descritos como sendo “altos e polidos”. O termo que traduzi por “polido” aqui “morat” (מורט), um verbo.
6. Os tradutores divergem quanto à tradução de “morat”. A NVI entende que os cuchitas são “um povo alto e de pele macia”. A BJ que são “gente de alta estatura e de pele bronzeada”. Eita! Quem tem razão? Nem a NVI nem a BJ.
7. O verbo é empregado para indicar o “bronze polido” ou a “espada polida” (cf. 1Rs 7,45; Ez 21,10-11). Tudo isso sugere que quando alguém era qualificado como “reluzente”, “polido”, “brilhante”, “límpido” ou “ofuscante”, a ideia era indicar sua força, seu vigor.
8. Assim, tanto o amado do Livro dos Cânticos, como os poderosos guerreiros cuchitas mencionados no livro do profeta Isaías, eram tratados como pessoas “ofuscantes”, ou seja, “vigorosos”.
Jones F. Mendonça
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