Jz 9,8-15 registra uma fábula na qual um grupo de árvores discute a respeito de quem deverá reinar sobre elas. A oliveira demonstra-se pouco interessada, uma vez que teria que abandonar a produção de seu azeite, alimento “que tanto honra os deuses e os homens” (v. 9). A figueira usa um argumento semelhante: “Iria eu abandonar minha doçura e o meu saboroso fruto, a fim de balançar-me por sobre as árvores?” (v. 11). O convite também é estendido à videira, que recusa a oferta em nome da alegria produzida por seu vinho (v. 13).
Na ausência de uma árvore nobre, finalmente
fazem o convite ao espinheiro, que prontamente aceita reinar sobre todas as
árvores, acolhendo-as sobre sua sombra (v. 15). Mas faz um alerta às árvores
que não se sujeitarem a seu governo: “sairá fogo dos espinheiros e devorará os
cedros do Líbano”. Um exemplo de fábula com árvores falantes aparece em um
antigo texto acadiano intitulado: “A disputa entre a tamargueira e a tamareira”.
Na fábula, de caráter didático-sapiencial, as duas árvores apresentam suas
virtudes na tentativa de provar quem é a mais valiosa.
Dois trechos chamaram a minha
atenção:
“O rei em seu palácio planta tamareiras,
além disso, da mesma forma, tantas tamargueiras.
À sombra da tamargueira foi organizado um banquete.
À sombra da tamareira a decisão sobre um crime...”
“Plantou ao seu lado a tamareira [dizendo],
“Se [você estiver] no portão da cidade, acalme a contenda;
se estiver no deserto, acalme o calor” (ANET, p. 411).
Aqui, como em Jz 4,5, era à sombra de uma palmeira que as disputas judiciais eram resolvidas: “Ela tinha a sua sede à sombra da palmeira de Débora, entre Ramá e Betel, na montanha de Efraim, e os filhos de Israel vinham a ela para obter justiça”. Mas há algo estranho nesse texto: a presença do pronome “ela” (הִיא) no início da frase é desnecessário. Ao que parece a camada mais antiga do texto falava de uma mulher anônima (ela) que julgava as causas do povo ou anunciava oráculos “na palmeira de Deborah”.
Um segundo problema: as árvores
também funcionavam com local sagrado para a adivinhação (Jz 9,37), como locais
de aparição (Gn 18,1), de sepultamento (Gn 35,8) e de culto (Js 24,26) e, talvez, de consulta aos mortos. Ao
mesmo tempo em que é apresentada como alguém que “julgava” (שֹׁפְטָה), para que por meio dela
fosse obtida a “justiça” (לַמִּשְׁפָט), a personagem também atua como “profetiza” (נְבִיאָה). Ela estaria ali “julgando”
ou anunciando um oráculo divino? Seu nome era mesmo “Deborah” ou ele possui relação com o local do sepultamento da ama de leite de Rebeca, enterrada aos pés de uma
árvore em Betel, o "carvalho dos prantos" (cf. Gn 35,8)?
Talvez o relato presente em Gn 35,8 tenha a função de explicar a razão do "carvalho dos prantos" – o "carvalho de Deborah" – ainda frequentado, na época do redator, por pessoas que lamentam a perda de um ente querido ou, mais especificamente, de ocultar sua verdadeira função como local de consulta aos mortos. Neste caso seria necessário explicar como o "carvalho dos prantos" de Gn 35,8 se converteu em "palmeira de Deborah" em Jz 4,5. Essa questão suscita outra pergunta: será que a tradução de "tomer" (תֹּמֶר) por "palmeira" está correta?
Jones F. Mendonça
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