sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

APOCALIPSES E ANIMAIS FANTÁSTICOS


1. No livro bíblico de Daniel, capítulo 7 (4-7), quatro impérios opressores aparecem representados por animais fantásticos, bestas cujas aparências mesclam características de animais diferentes: leão alado, leopardo policéfalo, etc. No Apocalipse essas bestas ressurgem com um visual ainda mais estranho e sinistro: “a besta que eu via parecia uma pantera: seus pés, contudo, eram como os de um urso e sua boca como a mandíbula de um leão” (Ap 13,2).

2. Representar forças caóticas ou ameaçadoras como animais fantásticos de aparência híbrida era uma prática muito difundida na Antiguidade. No Egito, por exemplo, uma besta com cabeça de crocodilo, membros anteriores de leão e membros posteriores de hipopótamo era usada para representar Ammit, o devorador de mortos (cf. imagem). Como no livro de Daniel a intenção era realçar a capacidade destrutiva das forças que representavam. 

3. Em contraste às quatro bestas malignas, Daniel apresenta em suas visões noturnas um quinto ser. Este, no entanto, não se parece com uma besta, mas com um “bar enash” (do aramaico “filho do homem”). A expressão reaparece em diversos livros bíblicos do AT (cf. Is 51,12; Jr 51,43; Ez 2,1; etc.) para indicar a humanidade do personagem. No caso de Daniel o propósito é mostrar que o quinto ser é de natureza diferente: tinha aparência humana, não bestial, como os demais. 

4. O domínio deste quinto ser, destaca o texto, não será passageiro nem opressor, mas justo e eterno. A mensagem de Daniel é simples, mas para entendê-la é preciso situá-la corretamente no tempo e no espaço. O Apocalipse releu Daniel e deu novo fôlego às esperanças escatológicas. Reler e ressignificar tradições religiosas é algo que faz parte de qualquer religião. Mas ressignificar não é, como muita gente imagina, uma solução para as leituras fundamentalistas. O fundamentalista também saberá reler... para o mal. 


Jones F. Mendonça

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