Em todos os
manuscritos do Antigo Testamento preservados, as palavras da mulher do Jó
próximo da morte são: “abençoa a Deus e morre”. As Bíblias, no entanto, trazem:
“amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2,9). Há três hipóteses para o caso em questão.
Opção 1: a
palavra "bênção", neste caso específico, seria um modo debochado de
dizer "amaldiçoa". Os tradutores, entendendo o deboche, optaram por
traduzir o termo por “amaldiçoa”. Até onde sei, esta é a teoria mais aceita
(mas que eu não engulo, e vou expor minhas razões).
Opção 2:
“Bênção” seria mesmo um pedido de bênção, prática costumeira entre os antigos
hebreus, que invocavam o seu Deus nos últimos momentos de vida. A mulher de Jó,
neste caso, estaria dizendo: “faça sua bendição final e morra, ninguém merece
tanto sofrimento”. Ocorre que não há na Bíblia hebraica qualquer referência a
uma tal “bendição dos moribundos” (talvez haja no judaísmo rabínico).
Opção 3: No
texto original constava "maldição", mas um copista piedoso trocou
“maldição” por "bênção", afinal seria desonroso inserir “maldição” ao
lado no nome divino (elohim). Teve que optar: ou “ofende” o texto ou ofende a
Deus. Optou pela primeira. Trata-se de um típico caso de tiqqun soferim
(correção do escriba). Esta é a tese que faz mais sentido. Eis minhas razões:
Muita gente não
se dá conta de que no livro de Jó a presença da palavra “benção” com sentido de
“maldição” ocorre em outro verso. E o mais importante: como no caso anterior
surge com sentido trocado ao lado do nome divino. Jó, preocupado com uma
possível vida pecaminosa de seus filhos, diz assim:
“Talvez meus
filhos tenham cometido pecado, ABENÇOANDO A DEUS em seu coração” (Jó 1,5).
Fiz a tradução
acima a partir do texto hebraico. Nele não consta “maldizendo”, mas
“abençoando” (uberakhu). Neste caso não cabe a explicação de que se trata de
uma bendição que se faz nos últimos momentos de vida. Tampouco faz sentido ver
no texto qualquer indício de deboche. Note o leitor que como no caso anterior,
se a palavra correta fosse inserida (maldição, “qelalah”), o termo estaria ao
lado do nome divino. O copista, por piedade, trocou a palavra por seu antônimo.
Há ainda um
outro caso, em que Nabode é acusado de AMALDIÇOAR a Deus e ao rei (1Rs
21,10.13). Mas no texto hebraico vem escrito “abençoar a Deus”. Ora, por que
alguém seria acusado de abençoar a Deus? Aqui o escriba empregou o mesmo
recurso: por piedade, trocou o termo “maldição” (qelalah) por “bênção”
(berakah).
Jones F.
Mendonça
Nos manuscritos do mar morto tinha o livro de Jó?
ResponderExcluirparabéns pelo trabalho
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