terça-feira, 31 de julho de 2018

O MITO MESSIAS

Seduzidos pelo canto do seu Messias, todos começaram a imaginar como seria o novo mundo porvir: plantações protegidas por Boitatás, fadas colorindo o céu de Brasília, usinas alimentadas pelo cachimbo do Saci, Forças Armadas comandadas pelo Capitão América, crise financeira sanada com o ouro enterrado no fim do arco-íris. Tudo funcionando com o que há de melhor nos mitos.


Jones F. Mendonça

terça-feira, 17 de julho de 2018

LÓ, JUDÁ E BOAZ: O CERTO EM LINHAS TORTAS

Muitos leitores mostram-se escandalizados com os artifícios utilizados por algumas mulheres da Bíblia para preservar sua linhagem. Dois casos: 1) Na ausência de outros homens, as filhas de Ló praticam incesto para preservar a linhagem de seu pai (nasce Moab); 2) Tamar finge-se de prostituta e se deita com Judá, seu sogro, para preservar a linhagem de seu marido morto (nasce Farés). 

Há ligações interessantes entre o livro de Rute e essas duas histórias. Veja: Rute é moabita, povo que segundo Gn 9,37 descende do incesto entre as filhas de Ló e seu pai. Os anciãos de Belém desejam a Boaz, em Rt 4,12, uma casa semelhante a de Farés, fruto de uma relação incestuosa entre Tamar e seu sogro Judá (Gn 38). 

Para o escritor sapiencial, Deus escreve certo em linhas tortas.



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 16 de julho de 2018

ENCONTROS AMOROSOS NO ANTIGO TESTAMENTO

Um verbo muito comum utilizado no AT para sugerir que um homem teve relações sexuais com uma mulher é “Yadá” (conhecer): Adão “conhece” Eva (Gn 4,1); Caim “conhece” sua mulher (4,17); os homens de Sodoma querem “conhecer” os mensageiros divinos hospedados na casa de Ló (19,5), etc.

Mas yadá não significa “comunhão profunda”[1] como insistem muitos comentaristas bíblicos (esse sentido pode ser dado pelo contexto, não pelo termo em si). Yadá é simplesmente "conhecer/saber", tal como na fala do Isaque já velho: "estou velho, não conheço o dia da minha morte". Nos casos citados no parágrafo anterior, yadá funciona como eufemismo. Aliás, há uma outro, pouco conhecido.

Nesta semana, traduzindo o livro bíblico de Rute, encontrei por acaso uma expressão tão comum quanto yadá para se referir ao encontro ardente entre homem e mulher: “vayyabo eleyha” (algo como “veio até ela”). Em Rt 4,13 Boaz toma Rute como esposa, “vai até ela” e ela engravida.

A expressão reaparece com o mesmo sentido em Gn 29,23 (Lia e Jacó), 30,3-4 (Bila e Jacó), 38,2 (Judá e Sué), 38,18 (Tamar e Judá), Js 2,4 (os espias e Raabe), Jz 16,1 (uma prostituta e Sansão) e 2Sm 12,24 (Bat-shebá e Davi). Em Jz 13,6, a mãe de Sansão diz que um homem de Elohim "veio até mim". O texto estaria sugerindo algo mais que um encontro?

Em alguns casos o verbo aparece associado a nomes próprios femininos (e não a um pronome). Dois exemplos: Abraão “vai até” Hagar (Gn 16,4) e Jacó “vai até” Raquel (29,30). Hagar engravida após o “encontro”. Raquel não engravida porque é estéril.

A única ocorrência do verbo “ir” indicando o movimento de um homem em direção a uma mulher fora do contexto sexual ocorre em Jz 4,22: Baraque “vai até Jael” (uma mulher guerreira), para que ela lhe mostre o corpo de Sísera morto com uma estaca na fronte.

Então que fique claro: no AT, quando um homem “vai até” uma mulher, provavelmente planeja algo além de um encontro casual.

Nota:
[1] É o que sugere, por exemplo, Edson Lopes, em seu "Fundamentos da teologia pastoral" (Mundo Cristão, 2019), citando o "Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento" (Gilchrist, Vida Nova, 1998). 




Jones F. Mendonça

sexta-feira, 13 de julho de 2018

"DAI A CÉSAR": ANACRONISMO OU CONFLAÇÃO?

Lançando mão dos estudos na área da numismática, Matthew Ferguson apresenta uma série de argumentos sugerindo que o dito “Dai a César o que é de César”, atribuído a Jesus (Mc 12,17; Mt 22,21; Lc 20,25), não foi proferido pelo Nazareno. O autor cita, por exemplo, uma monografia sobre administração tributária na Palestina romana de 63 a.C a 70 d.C. (To Caesar What's Caesar's), escrita por Fabian Udoh:
Udoh aponta que um número significativo de denários só é encontrado na Palestina após 69 d.C., particularmente a partir do reinado de Vespasiano. [...] Antes deste tempo, a principal moeda de prata na Palestina (usada para a tributação) era o shekel de Tiro.

Os autores dos Evangelhos do NT teriam sentido a necessidade de abordar a questão do imposto – um tema controverso no ambiente da comunidade cristã primitiva –, colocando nos lábios de Jesus algo que ele realmente nunca disse.

Duas hipóteses: 1) Anacronismo (tempo): Marcos foi redigido num período pós 70, quando moedas cunhadas com o rosto do imperador já eram comuns na Palestina; 2) Conflação (espaço): Marcos foi redigido antes de 70, mas o dito atribuído a Jesus reflete um problema situado fora da Palestina, numa região na qual as moedas mostravam a face do imperador.

Um argumento adicional a favor da hipótese levantada por Udoh é que Paulo não menciona o alegado ensinamento de Jesus a respeito do pagamento de impostos ao defender a prática em Rm 13,6-7: 
É também por isso que pagais os impostos, pois os que governam são servidores de Deus, que se desincumbem com zelo do seu ofício. 7 Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida; a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida.

Leia mais aqui.



Jones F. Mendonça

domingo, 8 de julho de 2018

ICONOCLASTIA PROTESTANTE

Embora Lutero tenha criticado o abuso das imagens, conseguiu perceber nelas certo valor como “memoriais e testemunhos”. Ele chegou a afirmar que, se pudesse, mandaria pintar toda a Bíblia dentro e fora das casas. Mas o reformador acabou vencido por figuras como e Karlstadt e Calvino, radicalmente iconoclastas, e a arte foi expulsa dos templos e entregue à consciência profana e secularizada. Uma pena. As Bíblias ganharam capa preta, “ilustradas” apenas com letras, indicando que o protestantismo é a religião da palavra (ou muçulmanos ao menos fizeram arte com as letras).

Para provar que é possível ser um monoteísta radical e ainda assim valorizar a arte na representação de cenas bíblicas, vale conhecer o trabalho de Marc Chagall (1887-1985), judeu nascido na Bielorrússia.


Jones F. Mendonça