terça-feira, 24 de agosto de 2021

OS BATISTAS

1. Assim que tomou conhecimento da ruptura de Lutero com a Igreja, um diabo sentado na orelha de Henrique VIII, rei da Inglaterra, começou a cochichar tentações. Como não tinha vocação para asceta, deixou-se levar pelos conselhos: rompeu com o Papa, apropriou-se das terras da igreja e inventou sua própria versão do cristianismo, a igreja anglicana. Sua decisão foi aprovada pelo parlamento, que pelo Ato de Supremacia elevou o rei ao status de chefe da Igreja da Inglaterra. De quebra casou-se com Ana Bolena.

2. Mas o protestantismo carregava em seu DNA o germe da dissidência. Não demorou e um grupo separatista cismou de não aceitar essa coisa de ter um rei humano como líder supremo da Igreja. Destacam-se nesse movimento os puritanos. O pensador político e historiador francês Alexis de Tocqueville chegou a dizer que “o puritanismo não era apenas uma doutrina religiosa, mas correspondia em muitos pontos às mais absolutas teorias democráticas e republicanas”. Acha um exagero? Tudo bem, vamos chamá-los de “protodemocratas”, como preferia J. Miller.

3. Os batistas, membros da denominação protestante surgida no século XVII, acolheram com força essas ideias democráticas puritanas. Levavam a sério essa coisa de “liberdade de consciência”. Thomas Helwys, um dos fundadores da denominação, rejeitava veementemente que o rei interferisse nos assuntos da igreja. Seu espírito de tolerância certamente deixaria muitos batistas modernos no chinelo. Palavras dele: “que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus, ou outros mais; não cabe ao poder terreno puni-los de maneira nenhuma”. Isso no século XVII!

4. Bem, o tempo passou. Muitos batistas foram podando seus galhos mais viçosos em um processo lento e contínuo. Assim, é com imenso desprazer (mas não com espanto) que vejo batistas participando desse movimento que está aí: espírito antidemocrático, intolerante, intoxicado com uma boa dose do rigorismo puritano, raiz podre do movimento. 


Jones F. Mendonça

O AFEGANISTÃO EM 5 PONTOS CURTOS

1. O elemento chave para se compreender a origem do radicalismo islâmico NO AFEGANISTÃO (*) deve ser buscado em 1979, ano em que os estadunidenses foram enxotados da sua embaixada em Teerã, após o sucesso da revolução islâmica.

2. O Afeganistão era governado por comunistas aliados da União Soviética, que assumiram o poder em 78, após um golpe de Estado. Mas a imposição do comunismo goela abaixo acabou suscitando uma rebelião maciça, apoiada pela religião, o islamismo.

3. Redes islâmicas com características heterogêneas, mas unidas por laços muito fortes e inspiradas na revolução iraniana, apelaram à jihad islâmica com o objetivo de expulsar os invasores infiéis. A luta era percebida como uma reafirmação de identidade perante a descaracterização cultural imposta pelos comunistas.

4. Em 79 o exército vermelho invadiu o país precipitando uma resistência maciça dos afegãos. É neste momento que nascem os famosos mujahidins, grupos militantes armados. Os mujahidins, tal como conhecemos, surgem como reação à intervenção soviética.

5. Os EUA entram depois, armando esses grupos contra seus rivais soviéticos. Assim, podemos dizer que a União Soviética criou o monstro e os EUA lhe forneceu os dentes. É, portanto, filhote de duas bestas...

* O fundamentalismo islâmico nasceu no Egito, pela iniciativa dos Irmãos Muçulmanos, após a Primeira Guerra Mundial e o colapso do império turco-otomano.



Jones F. Mendonça

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

SOBRE A “TEOLOGIA NEGRA”


1. Caso você dê uma pesquisada rápida no Google, vai encontrar livros produzidos pela teologia ortodoxa protestante com os mais diversos títulos: teologia da glória, teologia da cruz, teologia da Reforma, teologia sistemática, teologia Imago Dei, teologia disso, teologia daquilo...

2. São, todas elas, teologias “de cima”, ou seja, estão interessadas em esmiuçar os atributos divinos, em produzir formulações teológicas capazes de exprimir com a maior exatidão possível a natureza das coisas celestes. Esse tipo de obsessão esteve na mira dos teólogos por cerca de dois mil anos.
 
3. Na segunda metade do século XX um grupo de pastores negros resolveu produzir o que mais tarde foi denominado “teologia negra”, ou seja, refletiram sobre a perversidade que é o racismo e sobre como as Escrituras podem contribuir para combater este mal (certamente será uma leitura seletiva, como são todas as outras). Não raro são ouvidos protestos como “não precisamos de uma teologia negra, mas de uma teologia bíblica”.
 
4. A teologia negra tem data de nascimento: 31 de julho de 1966. Na época os ortodoxos que adoravam formulações teológicas impecáveis – como a Convenção Batista do Sul dos EUA – apoiavam a escravidão e os proprietários de escravos. A retratação e as declarações de arrependimento só vieram em julho de 1995!

5. A ortodoxia racista tem memória curta (e arrependimento tardio).
 
Imagem: O Comitê Nacional de Homens da Igreja Negros comprou um anúncio de página inteira no The New York Times para publicar seu "Black Power Statement", propondo uma abordagem mais agressiva para combater o racismo usando a Bíblia como inspiração.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A TEOLOGIA COMO PATOLOGIA

1. Durante quase dois mil anos, boa parte dos teólogos cristãos justificaram o sofrimento dos judeus a partir da leitura das Escrituras. A lista começa no século II, com Irineu e Tertuliano. No século IV é repetida por Cirilo, bispo de Jerusalém, segue com Ambrósio, João Crisóstomo e Agostinho.

2. No decorrer da Idade Média o pensamento se manteve o mesmo: judeus estão pagando pela crucificação de Cristo (gostavam de citar Mt 27,25). Lutero, no século XVI manteve o velho e perverso antijudaísmo, visível, por exemplo, em seu texto “Os judeus e suas mentiras”, publicado em 1543. Não demorou e esse antijudaísmo se converteu em racismo, em antissemitismo.

3. A primeira manifestação positiva que conheço em relação aos judeus veio do avô presbiteriano do ex-presidente estadunidense George W. Bush. Em 1844 ele publicou um curioso livro intitulado “The Valley of Vision; or, The Dry Bones of Israel Revived”. A obra pode ser encontrada na Amazon ao custo de US$23,90.

4. George Bush (avô) era um restauracionista. A obra defendia – antes mesmo da criação do sionismo(!) – o retorno dos judeus à terra de Israel. Acreditava que na Terra Santa boa parte dos judeus se converteria ao cristianismo. Outro texto importante veio de Karl Barth: “A questão dos judeus e sua resposta cristã”, de 1949.

5. Até o século XIX todos faziam coro dizendo: “judeus estão pagando pela crucificação de Cristo”. Depois disso a coisa se inverteu: “o exército de Israel é o exército de Deus”. Ontem usavam e abusavam das Escrituras para justificar a dor e o sofrimento dos judeus. Hoje é abusada e usada para justificar seu triunfo (e a derrota dos muçulmanos!). Trata-se de uma teologia bipolar, doentia.

6. A pergunta que se impõe diante de nós, hoje, é: que tipo de pessoas os "teólogos" da atualidade estão ferindo, lançando na lama da agonia, no sheol do desespero, em nome das "Santas Escrituras"? A lista não seria pequena...

 

 Jones F. Mendonça