quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

NEGACIONISMOS

Em maio de 2020, quando a pandemia começava a empurrar para a cova grande número de vítimas, a “Coalizão pelo Evangelho” (TGC Brasil) divulgou um manifesto destacando: 1) Os negativos e “inevitáveis efeitos colaterais sociais” do isolamento social; 2) O papel da mídia, que “claramente não goza da credibilidade que outrora desfrutava” e, finalmente, 3) O “endeusamento da ciência”. Deveria ter criticado, ao contrário: 1) Os efeitos perigosos das aglomerações; 2) A desinformação que se reproduzia como piolho nas mídias não oficiais; 3) O negacionismo da ciência. Essa galera do “Soli Deo gloria”, como sempre, coando mosquitos e engolindo camelos.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O CÉU DE AGOSTINHO

1. Em “A cidade de Deus”[1], obra do início do V século escrita por Agostinho de Hipona, uma série de razões são apresentadas para defender a reprodução como principal finalidade da relação matrimonial. O catolicismo preserva esse costume até hoje, por isso proíbe métodos contraceptivos.

2. Um dos argumentos de Agostinho baseia-se no conceito jurídico romano do liberum quaesendum causa, ou seja, no costume romano, oriundo da Lei das Doze Tábuas, segundo o qual a principal função da relação matrimonial é contrair filhos.

3. Além do direito romano, o teólogo africano também busca caracterizar as paixões sexuais como algo degradante e vergonhoso. Assim, ele apresenta dois argumentos em forma de pergunta.

4. O primeiro: Embora a geração de filhos seja algo lícito e honesto, o casal não busca um quarto afastado para concretizá-lo? O segundo: As carícias sexuais não são feitas longe dos paraninfos e familiares?

5. Em sua conclusão Agostinho cita Cícero, famoso orador romano: “todos os atos legítimos pretendem realizar-se em plena luz”. Ele acrescenta que seria muito bom se pudéssemos gerar filhos sem a libido, sem “as emoções inoportunas”.

6. Na cabeça de Agostinho a relação sexual ideal seria aquela realizada sem as paixões, de forma que os “órgãos criados para essa função” se submetessem ao espírito, como os demais membros do corpo, como os pés, as mãos e os dedos.

7. Chato esse mundo de Agostinho, não?

[1] Livro 2, XVI ao XVIII (veja também o XXIV).
* Agostinho geralmente é classificado como neoplatônico, mas no campo da moral boa parte da sua influência é estoica.


Jones F. Mendonça

sábado, 25 de dezembro de 2021

LUTERO E A TEOLOGIA LIBERAL (PARTE II)

1. O termo “teologia liberal” tem aparecido com certa frequência associado ao discurso cristão progressista de forma bastante equivocada. A teologia liberal clássica é um fenômeno de natureza bem distinta. Nascida no ambiente acadêmico alemão do século XIX, suas principais características podem ser resumidas em cinco pontos (aqui sigo Grenz e Olson). Alguns deles têm os pés fincados na Reforma. Vejamos.

2. A primeira característica – influência do iluminismo – é a tentativa de reconstruir a fé à luz do conhecimento moderno, por isso o liberalismo teológico também tem sido chamado de “modernismo teológico”. A segunda, herança dos reformadores (e do humanismo), é o espírito crítico e certa a rejeição à autoridade da tradição. Estavam decididos, como Lutero, a romper com as crenças tradicionais quando isso parecia correto e necessário.

3. A terceira é a ênfase na dimensão prática do cristianismo em detrimento das especulações teológicas a respeito da natureza de Deus. Em quarto lugar aparece uma tendência que também foi buscada por Lutero: o cânon dentro do cânon. Mas se para Lutero a essência das Escrituras é o Cristo Divino-Salvador (como enfatizado por Paulo), para os liberais é o Cristo ético, completamente despido de sua dimensão sobrenatural.

4. A última característica da teologia liberal é o deslocamento da transcendência para a imanência, outra influência marcante do iluminismo. A “filosofia moral” de Kant, a “filosofia intelectual” de Hegel e a “filosofia intuitiva” de Schleiermacher formaram o tripé, no século XIX, sobre o qual a teologia liberal nasceu. No início do século XX, teólogos como Barth, Brunner e Bultmann propuseram, cada qual a seu modo, um retorno à transcendência.


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

LUTERO E A TEOLOGIA LIBERAL

1. No final da Idade Média, a última moda entre teólogos escolásticos como Tomás de Aquino era a busca pela exposição das verdades divinas nos termos da filosofia de Aristóteles. Lutero achava tudo isso pura perda de tempo. Em sua tese 49 “Contra os Escolásticos”, divulgada em setembro de 1517, o reformador declarou: “Se uma fórmula silogística subsistisse em questões divinas, o artigo sobre a Trindade seria conhecido, em vez de ser crido”. Lutero tinha um discurso um tanto quanto fideísta, como o de Tertuliano.

2. Bem, não demorou muito e os teólogos protestantes ressuscitaram o gosto medieval pela filosofia aristotélica. Entre os séculos XVI e XVII nasceu a chamada “escolástica protestante”, cujos principais expoentes foram Johann Gerhard, David Hollaz e Johannes Quenstedt. A linguagem sofisticada era usada e abusada pelos teólogos para falar sobre o nascimento de Cristo: Maria seria a “causa materialis”, o Espírito Santo, a “causa efficiens” e blá, blá, blá. É bem provável que Lutero ficasse horrorizado.

3. No século XIX os chamados “teólogos liberais” reduziram o cristianismo aos limites da razão. Não se contentaram em demonstrar que as verdades reveladas são compatíveis com a razão, como gostavam os escolásticos (e os neocalvinistas). Queriam submeter a Revelação à razão. Os teólogos liberais também levaram às últimas consequências o livre exame luterano e reivindicavam total autonomia para interpretar as Escrituras. Queriam pensar teologicamente sem as amarras dogmáticas.

4. Não há, no século XXI, qualquer movimento de matriz protestante com legitimidade para reivindicar o papel de verdadeiro herdeiro da reforma. Hoje Lutero seria excomungado por propor uma mudança no cânon, algo que seria enxergado como “atualização das Escrituras”. Para quem não sabe, o reformador atribuiu aos livros de 2 Pedro, 1 e 2 João, Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse um valor menor de inspiração. Tiago foi chamado de “epístola de palha” e Judas de “epístola desnecessária”.

5. O reformador, como qualquer um, fazia leitura seletiva das Escrituras. Seu critério era o seguinte: “Tudo aquilo que Cristo não prega não é apostólico, mesmo que seja escrito por São Pedro ou São Paulo... Tudo aquilo que Cristo prega seria apostólico mesmo que procedesse de Judas, Pilatos ou Herodes”[1]. Lutero tinha muitos defeitos, mas não era dissimulado. Assumia o que fazia. Hoje seria excomungado pela Santíssima Ordem dos Pastores. A acusação: negar a doutrina da inspiração das Escrituras.

[1] WA, 7, 386 (Prefácio a Tiago e Judas, 1546).


Jones F. Mendonça

 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

ORTODOXIAS

Em julho de 1952 o periódico presbiteriano “O Puritano” expôs uma orientação aos fiéis a respeito a seguinte questão: “pode o crente ser jogador de futebol?”. Após explicar que a prática desportiva é útil para o corpo, faz uma ressalva: “cremos, todavia, que a prática do futebol como profissão, como emprego ou meio de vida, especialmente no Brasil, não serve para o crente, já por obrigá-lo, ao crente, a quebra do dia do Senhor (o Domingo)”. A atual Declaração Doutrinária dos Batistas segue na mesma linha: “Nesse dia [o Domingo] os cristãos devem abster-se de todo trabalho secular, excetuando aquele que seja imprescindível e indispensável à vida da comunidade. Devem também abster-se de recreações que desviem a atenção das atividades espirituais”.

A ortodoxia simula passos firmes, mas tem sapatos de manteiga.



Jones F. Mendonça

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

DE ANIMA

1. Em nosso idioma, quando desejamos expressar tristeza, podemos empregar termos visuais como “prostrado” (alusão ao corpo encurvado), ou mais abstratos, como “desanimado” (com o ânimo, com o vigor enfraquecido). O hebraico tem grande predileção por termos visuais. Bons exemplos são encontrados nos textos poéticos.

2. No Salmo 42,5, por exemplo, lemos assim: “por que está INCLINADA (שחח) minha GARGANTA (נפש)?”, ou seja, “por que está ABATIDO meu VIGOR/minha VIDA?”. A garganta aparece associada ao vigor, à vida, porque é por ela que passa o alimento, o ar que respiramos, o grito de dor, o brado de alegria.

3. Até mesmo no grego a relação entre “vida” e “fôlego” (associado à garganta) está presente. O termo “psychḗ” (ψυχη) significa “respiração”, “fôlego”. Por desdobramento: “vida”, “alma” (aquilo que dá ânimo ao corpo). Em Lc 12,22 lemos: “não andeis ansiosos pela vossa psychḗ”, ou seja, pela vossa “vida”.

4. A ideia de que a “psychḗ” é algo que subsiste sem o corpo aparece em Mt 10,28: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a psychḗ” (ou seja, que não podem dar um fim definitivo à existência e impedir ressurreição do corpo). Ocorre que na maioria das vezes, psychḗ significa simplesmente “vida”. Infelizmente a maioria dos tradutores opta por traduzir o termo por “alma” de forma indiscriminada.

5. A ênfase na percepção da existência humana na terra como sendo caracterizada por uma alma imortal aprisionada a um corpo mortal tem trazido grandes consequências. A tradição cristã medieval insistiu nessa ideia, que foi repetida pelos reformadores (como Calvino), deixando grandes reflexos na relação negativa do cristianismo com a sexualidade e com o prazer.

 

Jones F. Mendonça

sábado, 18 de dezembro de 2021

A LEITURA SICRÔNICA/CANÔNICA DE ROBERT ALTER E BREVARD CHILDS


1. A partir do século XIX, com o surgimento da chamada “hipótese documental”, o livro do Gênesis passou a ser estudado de uma forma completamente diferente. Ao invés de atribuído a um único autor, o livro tal como se encontra hoje passou a ser visto como o resultado da junção de três fontes-documentos: Javista, eloísta e sacerdotal. O entrelaçamento desses documentos teria ocorrido ao longo de alguns séculos, acompanhado de intervenções redacionais.

2. Duas reações extremadas a esse tipo de abordagem têm ganhado espaço nas últimas décadas: a abordagem fundamentalista tradicional e a abordagem sincrônica-radical. A primeira reafirma a autoria única do livro e insiste em classificar os adeptos da hipótese documental como “teólogos liberais”, hereges, etc.; a segunda aceita que o Gênesis tem origem compósita, mas gosta de enfatizar a inutilidade da hipótese documental, da crítica das formas e de outras ferramentas do método histórico-crítico.

3. Um nome de peso que por vezes é inserido neste segundo grupo é o hebraísta estadunidense Robert Alter. Em “Genesis, translation and commentary”, Alter expressa sua convicção de que o primeiro livro da Bíblia, mesmo não sendo obra de um único autor, “possui uma coerência poderosa como obra literária e que essa coerência é, acima de tudo, o que precisamos abordar como leitores”.

4. Alter acrescenta – em minha opinião com grande exagero – que “alguns dos comentaristas judeus medievais costumavam ser mais úteis do que quase todos os modernos”. Ele diz isso porque os medievais faziam, como ele, leitura sincrônica, ou seja, interpretavam o texto considerando sua forma final, acabada, canônica.

5. Outro exegeta que faz esse tipo de leitura é Brevard Childs. Em “The Book of Exodus”, Childs também valoriza comentaristas clássicos como Calvino, Drusius, Rashi e Ibn Ezra, mas ao invés exaltá-los excessivamente, como Alter, declara que devem ser lidos “em sintonia com Wellhausen e Gunkel”, acadêmicos interessados, respectivamente, nas fontes literárias (crítica das fontes) e na pré-história oral dos textos (crítica das formas).

6. A proposta de Childs aparece indicada no início da introdução do livro: “a intenção deste comentário é tratar de interpretar o livro do Êxodo como escritura canônica dentro da disciplina teológica da Igreja cristã”. Embora assuma que o texto tem origem compósita, Childs insiste – como Alter – que deve ser lido e compreendido a partir de sua forma final. Alter e Childs concordam que o redator final foi capaz de harmonizar múltiplas tradições com bastante eficiência.



Jones F. Mendonça

OS TRÊS FILHOS NATIMORTOS DA REFORMA

Quando um fiel assume que determinada Declaração Doutrinária (batista, presbiteriana, metodista, etc.) é fiel às Escrituras, está, de certa forma, dizendo que ela também é inspirada e inerrante. Mais do que isso: está dizendo que a comissão que elaborou a Declaração é inerrante. Nesse sentido a Declaração Doutrinária desempenha a mesma função do Papa. Mas não é Papa de carne e osso, é Papa de tinta papel. O livre exame, o sacerdócio universal dos crentes e o Sola Scriptura são três filhos natimortos da Reforma.



Jones F. Mendonça

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

QARATZ: “FORMAR”, “PISCAR” E “MORDER”

1. Um exemplo muito didático de como o tradutor precisa ajustar o sentido de uma palavra tomada do idioma original para que o leitor entenda o que está sendo dito, é o verbo hebraico qaratz (apertar → קרץ). Dou três exemplos. 1) Ser “apertado” do barro converteu-se, em nossas versões, em ser “formado do barro” (Jó 33,6); 2) “apertar os olhos” foi traduzido como “piscar os olhos” (Sl 35,19); 3) “apertar os lábios” como “morder os lábios” (Pv 16,30). Explico.

2. O hebraico é um idioma muito concreto e bem pobre em diversidade de palavras. Assim, o texto hebraico não fala em “ser formado”, mas em “ser apertado” do barro (apertado > moldado > formado). Considerando que carece de uma palavra equivalente ao nosso “piscar” (unir as pálpebras), o hebraico usa “apertar” os olhos. Do mesmo modo acontece com os lábios. Nós preferimos usar a expressão “morder” os lábios, mas entre os hebreus era simplesmente “apertar” os lábios.

3. Trocando em miúdos: um mesmo verbo hebraico, “qaratz” (apertar), é simultaneamente traduzido por “formar”, “piscar” e “morder”. Que coisa não?


Jones F. Mendonça

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

LAMENTAÇÕES: UM PRÓLOGO, QUATRO EQUÍVOCOS

O livro bíblico de Lamentações em sua versão hebraica começa assim: “Como está solitária a cidade populosa...”. A versão grega do livro (LXX) acrescenta um prólogo, provavelmente inspirado em 2Cr 35,25: “...JEREMIAS sentou-se CHORANDO e lamentando com este lamento sobre Jerusalém”. Esse prólogo apócrifo produziu quatro equívocos:

1) o costume de se atribuir ao profeta Jeremias a autoria do livro; 2) a inclusão do livro entre os “profetas”, algo que não acontece na Bíblia Hebraica; 3) A classificação do livro como profeta “Maior”, com 5 capítulos, sendo na verdade muito menor que profetas “Menores” como Oseias, com 14 capítulos; 4) A injustiça de classificar Jeremias como “profeta chorão”.

Resumindo: 1) Há poucas razões para crer que Lamentações foi escrito por Jeremias; 2) O livro não deveria estar entre os “profetas”, mas entre os “poéticos”; 3) Não pertencendo ao gênero profético e com apenas 5 capítulos, não faz nenhum sentido tê-lo entre os “Profetas Maiores”; 4) Definir Jeremias como “chorão” seria mais ou menos como tratar Isaías como o “profeta peladão”, considerando o que diz Is 20,3: “Ele assim fez, andando nu e descalço”.



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

HAGAG: RODOPIOS NAS FESTAS, RODOPIOS NA TORMENTA

O verbo hebraico usado para indicar “celebração” é “hagag” (חגג), cujo sentido primário é “rodopiar”. Veja: “deixa ir o meu povo, para que HAGAG (rodopiem, ou seja, dancem, festejem) para mim no deserto” (Ex 5,1). O sentido mais básico do verbo aparece no Sl 107,27: “HAGAG (rodopiaram) e cambalearam como bêbados...”. Este texto se refere a marinheiros, que em meio a uma tormenta invocam a Javé. Neste caso não é rodopio de dança, de festejo, é rodopio causado pelo movimento das águas. O hebraico é uma língua muito simples, muito concreta, muito visual.


Jones F. Mendonça

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

SOBRE AS HERESIAS

1. A palavra grega αιρεσις (hairesis), origem de “heresia”, aparece 8 vezes no Novo Testamento. Entre os gregos significava simplesmente “escolha”. Assim, o livro de Atos faz menção à “hairesis” dos saduceus (5,17) e dos fariseus (15,5), ou seja, fala da “escolha” do “partido”, da “opção religiosa” dos saduceus/fariseus.

2. “Hairesis” também foi usada para classificar os cristãos, tratados por Tertúlio – advogado dos judeus que acusavam Paulo – como seguidores da “hairesis dos nazarenos” (At 24,5). O próprio Paulo, dirigindo-se a Félix, reconhece ser seguidor do “Caminho”, chamado de “hairesis” (24,14).

3. A doutrina de Jesus foi considerada “hairesis” em relação ao legalismo farisaico. Boa parte das teses de Lutero foi considerada “hairesis” pela cúria romana. No início do século XX os pentecostais foram tratados como “hairesis” pelo protestantismo histórico. Depois vieram os neopentecostais, também vistos como “hairesis”. A bola da vez são os evangélicos progressistas.

4. Quem dá a devida atenção a essas disputas percebe que em sua base estão questões políticas e não religiosas. No caso do Brasil, o que está em curso é um projeto de poder. Projeto de silenciamento de minorias, de aniquilação da “hairesis”. Não é projeto novo, é projeto requentado cujas origens podem ser buscadas na Roma do século IV.

5. Resumindo bem: é um projeto dos infernos.



Jones F. Mendonça

sábado, 4 de dezembro de 2021

JEREMIAS, O PROFETA DA DOR

1. A palavra hebraica “patah” (פתה) pode expressar diversos sentidos na Bíblia Hebraica. Seu significado mais neutro é “convencer”, como em Pv 25,15: “o teu comprido nariz ( = tua paciência) convence o magistrado”. Em sentido negativo expressa engano: “quem enganará a Abab?” (2Cr 18,19). Quando o convencimento aparece relacionado a alguma transgressão, ganha o sentido de “aliciar”: “o homem violento alicia seu companheiro” (Pv 16,29). O termo também pode ter conotação sexual: “se o homem seduzir uma virgem...” (Ex 22,16).

2. Isso explica a diversidade de traduções para Jr 20,7: “seduziste-me, Senhor”, ou “enganaste-me, Senhor”, ou “persuadiste-me, Senhor”. Aqui Jeremias quer dizer o seguinte: “não quero fazer isso, mas a vontade divina me arrasta como um grilhão”. Ou, como ele mesmo declara no v. 9: “então isto era em meu coração como um fogo devorador, encerrado em meus ossos”. A dor profunda experimentada pelo profeta o leva a dizer: “estou cansado de suportar” (v. 9), “maldito o dia em que eu nasci!” (v. 14) e “porque ele não me matou desde o seio materno?” (v. 17).

3. Quem lê o livro com livro com atenção percebe que é injusta a classificação “profeta chorão” atribuída a Jeremias. Assim como é um equívoco ver Jó como exemplo de homem paciente. Não é paciente nem resignado.

 

Jones F. Mendonça

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

CALVINO E OS “HORRIVELMENTE EVANGÉLICOS”

Calvino, aquele reformador que ajudou a fundar uma espécie de teocracia em Genebra, chama de “decretum horribile” a decisão divina de lançar, sem remédio, à morte eterna, um punhado de gente “por seu decreto” (Institutas, Livro III, XXIII). Talvez tenha saído daí alcunha “terrivelmente evangélico”. Querem nos convencer, como Calvino, que o "horribile" é "boa nova". Mas aquilo que é "horribile" é só horrível mesmo...

As Institutas em latim, aqui.


Jones F. Mendonça