sábado, 18 de dezembro de 2021

A LEITURA SICRÔNICA/CANÔNICA DE ROBERT ALTER E BREVARD CHILDS


1. A partir do século XIX, com o surgimento da chamada “hipótese documental”, o livro do Gênesis passou a ser estudado de uma forma completamente diferente. Ao invés de atribuído a um único autor, o livro tal como se encontra hoje passou a ser visto como o resultado da junção de três fontes-documentos: Javista, eloísta e sacerdotal. O entrelaçamento desses documentos teria ocorrido ao longo de alguns séculos, acompanhado de intervenções redacionais.

2. Duas reações extremadas a esse tipo de abordagem têm ganhado espaço nas últimas décadas: a abordagem fundamentalista tradicional e a abordagem sincrônica-radical. A primeira reafirma a autoria única do livro e insiste em classificar os adeptos da hipótese documental como “teólogos liberais”, hereges, etc.; a segunda aceita que o Gênesis tem origem compósita, mas gosta de enfatizar a inutilidade da hipótese documental, da crítica das formas e de outras ferramentas do método histórico-crítico.

3. Um nome de peso que por vezes é inserido neste segundo grupo é o hebraísta estadunidense Robert Alter. Em “Genesis, translation and commentary”, Alter expressa sua convicção de que o primeiro livro da Bíblia, mesmo não sendo obra de um único autor, “possui uma coerência poderosa como obra literária e que essa coerência é, acima de tudo, o que precisamos abordar como leitores”.

4. Alter acrescenta – em minha opinião com grande exagero – que “alguns dos comentaristas judeus medievais costumavam ser mais úteis do que quase todos os modernos”. Ele diz isso porque os medievais faziam, como ele, leitura sincrônica, ou seja, interpretavam o texto considerando sua forma final, acabada, canônica.

5. Outro exegeta que faz esse tipo de leitura é Brevard Childs. Em “The Book of Exodus”, Childs também valoriza comentaristas clássicos como Calvino, Drusius, Rashi e Ibn Ezra, mas ao invés exaltá-los excessivamente, como Alter, declara que devem ser lidos “em sintonia com Wellhausen e Gunkel”, acadêmicos interessados, respectivamente, nas fontes literárias (crítica das fontes) e na pré-história oral dos textos (crítica das formas).

6. A proposta de Childs aparece indicada no início da introdução do livro: “a intenção deste comentário é tratar de interpretar o livro do Êxodo como escritura canônica dentro da disciplina teológica da Igreja cristã”. Embora assuma que o texto tem origem compósita, Childs insiste – como Alter – que deve ser lido e compreendido a partir de sua forma final. Alter e Childs concordam que o redator final foi capaz de harmonizar múltiplas tradições com bastante eficiência.



Jones F. Mendonça

2 comentários:

  1. Obrigado pelo esclarecedor e pedagógico artigo. É ótimo conhecer teólogos com essa qualidade intelectual. Deus te abençoe e a nós através do teu trabalho.

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  2. Abraço, Jeasi. Grato por tua avaliação generosa.

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