sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

LUTERO E A TEOLOGIA LIBERAL

1. No final da Idade Média, a última moda entre teólogos escolásticos como Tomás de Aquino era a busca pela exposição das verdades divinas nos termos da filosofia de Aristóteles. Lutero achava tudo isso pura perda de tempo. Em sua tese 49 “Contra os Escolásticos”, divulgada em setembro de 1517, o reformador declarou: “Se uma fórmula silogística subsistisse em questões divinas, o artigo sobre a Trindade seria conhecido, em vez de ser crido”. Lutero tinha um discurso um tanto quanto fideísta, como o de Tertuliano.

2. Bem, não demorou muito e os teólogos protestantes ressuscitaram o gosto medieval pela filosofia aristotélica. Entre os séculos XVI e XVII nasceu a chamada “escolástica protestante”, cujos principais expoentes foram Johann Gerhard, David Hollaz e Johannes Quenstedt. A linguagem sofisticada era usada e abusada pelos teólogos para falar sobre o nascimento de Cristo: Maria seria a “causa materialis”, o Espírito Santo, a “causa efficiens” e blá, blá, blá. É bem provável que Lutero ficasse horrorizado.

3. No século XIX os chamados “teólogos liberais” reduziram o cristianismo aos limites da razão. Não se contentaram em demonstrar que as verdades reveladas são compatíveis com a razão, como gostavam os escolásticos (e os neocalvinistas). Queriam submeter a Revelação à razão. Os teólogos liberais também levaram às últimas consequências o livre exame luterano e reivindicavam total autonomia para interpretar as Escrituras. Queriam pensar teologicamente sem as amarras dogmáticas.

4. Não há, no século XXI, qualquer movimento de matriz protestante com legitimidade para reivindicar o papel de verdadeiro herdeiro da reforma. Hoje Lutero seria excomungado por propor uma mudança no cânon, algo que seria enxergado como “atualização das Escrituras”. Para quem não sabe, o reformador atribuiu aos livros de 2 Pedro, 1 e 2 João, Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse um valor menor de inspiração. Tiago foi chamado de “epístola de palha” e Judas de “epístola desnecessária”.

5. O reformador, como qualquer um, fazia leitura seletiva das Escrituras. Seu critério era o seguinte: “Tudo aquilo que Cristo não prega não é apostólico, mesmo que seja escrito por São Pedro ou São Paulo... Tudo aquilo que Cristo prega seria apostólico mesmo que procedesse de Judas, Pilatos ou Herodes”[1]. Lutero tinha muitos defeitos, mas não era dissimulado. Assumia o que fazia. Hoje seria excomungado pela Santíssima Ordem dos Pastores. A acusação: negar a doutrina da inspiração das Escrituras.

[1] WA, 7, 386 (Prefácio a Tiago e Judas, 1546).


Jones F. Mendonça

 

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