segunda-feira, 26 de novembro de 2018

GÓTICO, BARROCO, ARTE MODERNA E GENTE CHATA


Mesmo que você não entenda nada de arte, certamente já ouviu falar de artistas renascentistas como Rafael, Michelangelo, Donatello e da Vinci. Inspirando-se na produção cultural da Antiguidade greco-romana, o Renascimento (séc. XIV ao XVI) valorizou a harmonia, o equilíbrio, a lógica, as proporções, a simetria, etc. Sim, as obras são lindas.

Em oposição ao estilo renascentista nasceu o Barroco (séc. XVII e XVIII), com seu apelo à emoção, à sensualidade, à instabilidade, ao contraste, à representação humanizada dos santos. O novo estilo foi visto pela elite intelectual europeia do século XVIII como uma degeneração do período anterior, sendo tratado como “ridículo”, “bizarro” e “extravagante” (as obras, na verdade, são arrebatadoras).

Essa percepção negativa ao novo também foi sentida – vejam só - em relação à arquitetura gótica, termo pejorativo criado como referência aos godos, povo germânico, “bárbaro”, responsável pela destruição do glorioso império Romano. A história se repete. A bola da vez é a “arte moderna”, tratada por Robert Florczak e Roger Scruton como “desastrosa”, “ridícula” e “decadente”.

Sabe o que eu acho? São uns chatos.

Imagens: A dúvida de Tomé, Caravaggio (Barroco); Igreja de São Tomé, Nova York (neogótico); O império das Luzes, René Magritte (arte moderna: surrealismo).



Jones F. Mendonça

domingo, 18 de novembro de 2018

SEGUNDA-FEIRA

Detalhe bem conhecido: no relato bíblico da criação (Gn 1,1-2,4a) Deus louva todos os dias com a frase “viu que era bom”. Mas sendo mais preciso, no segundo dia, que é segunda-feira, a expressão não aparece. Tá, você nunca notou? Então aqui vai a explicação.

Os teólogos medievais - tendo pouco o que fazer - perderam noites tentando desvendar o mistério e chegaram à seguinte conclusão: a “Antiga serpente”, o Satanás, o Zarapelho, teria sido criado no segundo dia, na segunda-feira. Daí que não seria adequado dizer “viu que era bom”.

Então quando você acordar na segunda-feira com um areia nos olhos, sucumbido, descorçoado, amorrinhado, lembre-se: este abatimento sobrenatural talvez venha mesmo dos infernos...



Jones F. Mendonça

terça-feira, 13 de novembro de 2018

A VITÓRIA SOBRE O HADES: MITO, ESCRITURA E ARTE



O retorno do mundo subterrâneo é um tema pré-cristão muito antigo. No Novo Testamento ele aparece, por exemplo, em 1Pe 3,18-20 e é repetido do Credo Apostólico, confissão de fé formulada nos primeiros séculos. A literatura (e o cinema) souberam trabalhar o tema da vitória sobre o Hades. 

Uma cena, em "O Senhor dos Anéis", retrata o mago cinza (Gandalf) descendo ao Hades lutando com um dragão. A luta não é fácil, mas Gandalf sai vitorioso e ressurge do abismo ainda mais forte. Agora ele é um mago branco. Os paralelos são diversos. 

Nesta tela, de Tintoretto, Cristo desce ao Hades para resgatar os espíritos em prisão. O Hades, antes imerso em trevas, agora aparece iluminado por sua presença. Repare que os corpos são expostos numa perspectiva enviesada, uma marca do trabalho de Tintoretto. O contraste entre luz e sombra do maneirismo de Tintoretto inspirou o tenebrismo, técnica aplicada com maestria por Caravaggio.



Jones F. Mendonça

SOBRE O FEMINISMO

As primeiras feministas lutaram pelo direito ao voto, pela igualdade no casamento, pelo direito de cursar uma universidade, pelo direito de adquirir bens e pelo fim da violência contra a mulher.

Mas Zé Bobinho faz duras críticas ao feminismo tendo em mente um grupo muito específico de feministas: o Femen, fundado na Ucrânia em 2008 e conhecido por organizar protestos com seios à mostra.

Há dois problemas em Zé Bobinho. O primeiro é julgar toda a árvore a partir de algumas poucas folhas: precisa estudar lógica. O segundo é um problema patológico com seios: precisa consultar um psiquiatra.

Minha gente, seios não matam!



Jones F. Mendonça

CARAVAGGIO E O BEIJO DE JUDAS


Nesta tela (O beijo de Judas, 1602), produzida por Caravaggio, as mãos desempenham um papel importante. Um homem, no canto esquerdo, levanta as mãos; Judas agarra o ombro de Jesus com a mão esquerda, tentando beijá-lo; um soldado parece segurar os dois; as mãos de Jesus estão entrelaçadas; no canto direito um expectador anônimo observa tudo com muita curiosidade segurando uma lanterna. Com exceção do observador anônimo, todos parecem se mover para a esquerda, disposição que dá força e movimento à imagem. Uma obra prima!


Jones F. Mendonça

sábado, 10 de novembro de 2018

VOCÊ CONHECE OS "CRISTÃOS ADAMITAS"?

Cada um, seja homem ou mulher, despe-se do lado de fora [da caverna], entrando com seus corpos inteiramente nus como no dia em que nasceram. E seus líderes e mestres sentam-se completamente nus, alguns em frente e alguns em volta, aqui e ali, sem qualquer ordem particular [...]. Eles consideram sua igreja como Paraíso, e eles próprios como Adão e Eva. (Panarion, seção IV).
Esta descrição, feita por Epifânio de Salamina (315-403), refere-se a um grupo de cristãos que encontrou um modo bem diferente de restaurar o estado paradisíaco, a inocência original do Éden. É importante destacar que a tal seita entrou na relação de heresias de Epifânio a partir do relado de pessoas que teriam conhecido os "adamitas". Por isso faz a ressalva: "E assim, já que muitos falaram da seita, considero que vale a pena mencionar".



Jones F. Mendonça

O BATISMO NA IGREJA PRIMITIVA

Hipólito de Roma, mais importante teólogo do século III, deixou registrado em sua “Tradição apostólica” diversas orientações acerca do batismo. No início do ritual algo bem estranho era feito: todos retiravam suas roupas, sendo que as mulheres, batizadas por último, ainda tinham que soltar os cabelos e remover todos os ornamentos. Bem, o que vem depois é o seguinte (quem fala é o próprio Hipólito):
Então o presbítero, tomando posse de cada um daqueles que serão batizados, ordenará que renuncie, dizendo: ‘Eu renuncio a ti, Satanás, e todos os teus servos e todas as tuas obras’. Então, depois destas coisas, deverá ser entregue ao presbítero que batiza, estando os candidatos em pé, na água, nus, acompanhados de um diácono, que deverá estar da mesma forma (Tradição apostólica, 21,11).
Hipólito nos conta que logo em seguida os candidatos eram convidados a confessar o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para então se vestirem e seguirem para a igreja. Bem, eu fico pensado se a colocação das mulheres por último não era para impedir que os candidatos homens as vissem nuas. Ou será que a nudez, para eles, não era um problema como é para nós hoje?

Há quem pense (como Morton Smith) que o jovem coberto apenas por um lençol, em Mc 14,51-52, acabou tendo que fugir peladão porque participava de um ritual de batismo ministrado por Jesus no momento de sua prisão. Será?


Jones F. Mendonça

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O CÉU DE LUTERO

Lutero falando sobre o céu em suas "Preleções sobre o Gênesis":
Embora o céu seja mais mole e mais tênue do que a água, seja movimentado tão velozmente e contenha tanta variedade de corpos, nenhuma parte dele se deteriorou ou se debilitou em milhares de anos.
Tá parecendo o Malafaia, Mano Luther!



Jones F. Mendonça

DAS IDEOLOGIAS

O termo “ideologia” nasceu na França, após da Revolução Francesa. “Ideólogos”, naquele tempo, eram os pensadores críticos de toda a explicação da realidade que não levasse em conta as causas naturais (como os cientistas de hoje). Eram materialistas (e verdadeiramente liberais).

Opuseram-se à educação religiosa, na medida em que legitimava o poder absoluto dos reis (como se descesse dos céus). No desejo de desqualificar os adversários, Napoleão deu ao termo um sentido pejorativo. A razão é óbvia: os ideólogos perceberam que Napoleão queria restaurar o Antigo Regime e se opuseram a ele.

No geral, ideologia é definida como uma ideia usada para legitimar um poder (dominante ou não). Atualmente o termo está na boca do povo. É ideologia disso, ideologia daquilo, ideologia-de-não-sei-o-quê. Nesse mundo líquido, no trilho dos conceitos dissolvidos, ideologia pode ser qualquer coisa. Enfim, ideólogo é sempre o outro. Uma guerra com espadas de papel.



Jones F. Mendonça

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

INSULTOS REFORMADOS

Os textos produzidos na época da Reforma são um verdadeiro manual de insultos. Thomas Müntzer gostava de se dirigir a Lutero, seu inimigo mortal, como “mentiroso-mor”, "carne sem Deus|, “Dr. Mentiroso”, “Dr. Poltrona”, "vida mansa" e “sicofanta refestelado”(!). Jerônimo Aleandro, católico opositor de Lutero, tratava o reformador como "Doutor de Maomé". Na Alemanha Lutero era tratado como "lacaio dos príncipes". Eram criativos... e bocas sujas.


Jones F. Mendonça

OS REFORMADORES E AS MULHERES

Lutero, tudo mundo sabe, abandonou a vida celibatária e casou-se com Catarina von Bora em 1525. Ele mesmo confessou que fez isso não pelo desejo, mas para “agradar seu pai e aborrecer o Papa” [1]. Calvino, alguns anos depois, também decidiu arrumar uma esposa. Pediu ajuda a dois amigos. A recomendação foi a seguinte:
Não sou daqueles amantes loucos que, ao ficarem fascinados pelo belo corpo de uma mulher, aceitam também seus defeitos. Eis apenas um tipo de beleza que me seduz – que ela seja casta, prestimosa, econômica, paciente e que zele pela minha saúde[2].
Ambos se esforçaram para mostrar que não se casaram atraídos pelo desejo, pela carne nua, pelo sexo. Herdeiros da teologia dos primeiros padres, que ensinavam que “o casamento é o desejo da procriação e não a ejaculação desordenada do esperma que, aliás, é contrária tanto à lei quanto à razão”[3].

[1] LINDBERG, Carter. As reformas na Europa, 2001, p. 126. 
[2] DURANT, Will. A Reforma, p. 392. 
[3] Clemente de Alexandria, O Pedagogo, II, 10.


Jones F. Mendonça

PROVOCAÇÕES PROFÉTICAS

Os profetas da Bíblia usaram e abusaram da poesia. Tanto Isaías (47,2-3) como Naum (3,5) recorreram à imagem da mulher desnudada como metáfora para cidades humilhadas pela queda. Veja:

Ergue a cauda da tua veste, descobre as tuas pernas e atravessa os rios. Apareça a tua nudez. (Babilônia). Levantarei tua roupa até a face, mostrarei às nações a tua nudez..” (Assíria).

Ezequiel, ao criticar a idolatria de Judá, destaca que Jerusalém foi seduzida pelos egípcios, povo dotado de “membros grandes de jumentos e fluxo seminal de cavalos” (23,20). Os profetas não tinham papas na língua...



Jones F. Mendonça

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

CRISTIANISMO E GULOSEIMAS

Uma das filosofias mais populares no tempo de Paulo era o epicurismo. O apóstolo chega a debater com um grupo de seguidores de Epicuro em Atenas (At 17,18). Os epicureus viam o prazer como o bem supremo, por isso foram duramente criticados pelos grandes pensadores da Igreja. Em seu zelo religioso, Clemente de Alexandria (150-215) chega a este exagero:
Não há limite para o epicurismo entre os homens. Pois isso os levou a doces, bolos de mel e ameixas, inventando uma infinidade de sobremesas, caçando todos os tipos de pratos [...]. ‘Não deseje’, diz a Escritura, ‘as delícias dos homens ricos’ (Pv 23,3) porque a eles pertence a uma vida falsa e básica (O Pedagogo, II, 1).
Menos, Clemente! Menos...


Jones F. Mendonça